Pesquisa revela que siderúrgicas e importadoras brasileiras compram cada vez mais carvão vegetal paraguaio sem necessariamente conhecer ou fiscalizar aspectos relacionados aos impactos ambientais, trabalhistas ou sociais
Assunção (Paraguai) – No departamento paraguaio de San Pedro, a indústria do carvão vegetal está – literalmente – a pleno vapor. Matas cortadas, fornos de pequeno e médio porte à frente das casas dos agricultores locais, caminhões carregados de carvão, madeira jogada à beira da estrada esperando para ser recolhida. Ao lado do gado no pasto, um ipê-roxo solitário é o registro da vistosa mata que um dia existiu naquela paisagem. O desmatamento em grandes áreas é substituído pelas áreas desmatadas nas pequenas propriedades, adaptando-se aos novos tempos e leis do país.
Quem vê as modestas casas de moradores da área rural com estoques de carvão armazenados no terreno pensa, de imediato, em qual seria o destino de tal produção. E, ao mesmo tempo, reflete sobre o que motiva essa cadeia produtiva do carvão no Paraguai. Seria uma decorrência da situação de pobreza dos camponeses, aos quais faltam opções? Ou uma situação estimulada pelos países vizinhos, com destaque para o Brasil?
Entre os caminhões carregados que transitam pelas rodovias da região, há os que ostentam interessante pista: desenhos de bandeiras do Paraguai, Argentina e Brasil. E uma pesquisa nas importações de produtos paraguaios por empresas brasileiras revela que siderúrgicas no Brasil importam carvão paraguaio, sem conhecer ou fiscalizar praticamente qualquer aspecto – ambiental, trabalhista ou social – referente àquela produção.
Comunidades indígenas
Se a situação dos produtores familiares é preocupante, a dos indígenas é classificada como “bastante problemática” por Nicolas Benitez, líder indígena da Coordenação Interegional dos Povos Originais (Cirpo), que representa cerca de 20 comunidades em quatro departamentos do Paraguai (Canindeyú, Caaguazú, Guayra e Itapúa). Com problemas nas áreas de educação, saúde, terra, e enfrentando a contaminação de seus recursos naturais por agrotóxicos, os indígenas convivem com um aumento crescente de problemas, inclusive arrendando terras para as empresas do agronegócio. Algo que a lei não permite, mas ocorre na prática, segundo Benitez.
Os indígenas da região vendem sua pequena produção agrícola aos carros que passam na rodovia, buscando chamar a atenção com a colocação de abóboras e mandiocas à beira da estrada. Os filhos se aglomeram no quintal das pequenas casas de barro, enquanto os pais buscam comercializar a produção, sem usar o idioma espanhol – falam só o Guarani.
Uma abóbora média sai por R$ 2. Bem próximo dali, no acostamento da estrada, uma carga de madeira aguarda para ser retirada. Parece não pertencer a ninguém, mas certamente possui um portador que deve chegar a qualquer momento (preferencialmente à noite) para recolhê-la.
Nesse contexto, fica mais fácil compreender a explicação de Ladislau Bernardo, dirigente da Federação Nacional Campesina (FNC) no departamento de Canindeyú, De acordo com ele, “muitas vezes, a produção de carvão acaba sendo a única fonte de riqueza dos camponeses”. Uma situação tão dramática que, quando as autoridades cogitaram proibir a produção e comercialização do carvão vegetal na região, tiveram como resposta um levante dos camponeses e indígenas da região. Diante da revolta, as autoridades recuaram. E a produção local “continua a ir para o Brasil e para algumas indústrias no Paraguai”, segundo o dirigente camponês, em entrevista concedida na rodoviária de Curuguaty, no departamento de San Pedro.
Siderúrgicas brasileiras
O Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis (CMA) apurou que parte do carvão produzido no Paraguai é, de fato, comprado por siderúrgicas brasileiras, sobretudo aquelas localizadas em Minas Gerais, para servir de matéria-prima e combustível em fornos de ferro-gusa. O material também é trazido por pequenas importadoras, que depois repassam para as próprias siderúrgicas ou para restaurantes, onde são usados em churrasqueiras.
Entre janeiro e junho de 2010, o Brasil importou 66 mil toneladas de carvão e produtos equivalentes do Paraguai, alta de 120% em relação ao mesmo período de 2009. A movimentação financeira chegou a US$ 5,3 milhões, a décima-primeira categoria de produtos em volume financeiro. De acordo com um comprador de carvão de uma siderúrgica mineira, o volume importado poderia ser até três vezes maior, não fosse a crise por que passam algumas fabricantes de ferro-gusa. Voltadas à exportação, algumas mantêm os fornos desligados desde 2008, ano de início da crise internacional.
Grandes siderúrgicas brasileiras compraram carvão vegetal no Paraguai. É o caso, por exemplo, da Gerdau, uma das maiores do mundo. Questionada sobre a exigência de parâmetros socioambientais dos fornecedores que fazem parte de sua cadeia produtiva, a empresa afirmou: “A Gerdau esclarece que realizou importações pontuais de carvão vegetal do Paraguai, seguindo rigorosamente a legislação ambiental vigente. A última importação do produto do Paraguai foi realizada em 2008 pela empresa”.
O carvão também é adquirido por siderúrgicas como Mat-Prima e Valinho, ambas de Divinópolis (MG); Cisam, de Pará de Minas (MG); e Ferguminas, de Itaúna (MG). Já grande parte das pequenas importadoras ficam nos municípios de Ponta Porã (MS), que faz divisa com a cidade paraguaia de Pedro Juan Caballero, e nos municípios de Novo Mundo (MS) e Guaíra (PR), ambos na divisa com a cidade paraguaia de Salto del Guairá.
Criada em 1993, a Mat-Prima tem capacidade de produzir 12 mil toneladas de produtos siderúrgicos por mês. A maior parte é exportada pelos portos do Rio de Janeiro (RJ) e de Vitória (ES). A empresa compra o produto paraguaio por meio de pequenas importadoras e também usa combustível brasileiro fabricado nos Estados de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso. No caso do produto paraguaio, a Mat-Prima avalia que qualquer controle ambiental é de responsabilidade do produtor e da empresa importadora.
Também fabricante de ferro-gusa, a siderúrgica Cisam opera com carvão vegetal produzido no Brasil e no Paraguai. De acordo com um representante da empresa, o carvão é totalmente produzido com madeira oriunda de florestas plantadas, inclusive os carregamentos oriundos do Paraguai. A área de reflorestamento localizada no Paraguai foi implantada na cidade de San Juan Nepomuceno, no departamento de Caazapá, e é um empreendimento comandado por brasileiros. Já as siderúrgicas Ferguminas e Valinho estão com os fornos desligados, à espera da recuperação do mercado. Quando estão em funcionamento, as duas empresas utilizam carvão oriundo do Paraguai.
Tráfico e contrabando
Além dos problemas ambientais, sociais e trabalhistas que se escondem atrás do carvão paraguaio, traficantes de drogas e contrabandistas se valem do fluxo mercantil para introduzir produtos ilegais no Brasil. De acordo com fonte que consultada pela reportagem (cuja identidade será preservada), “o carvão é um convite para esse tipo de atividade, pois bloqueia o scanner [espécie de raio-x] utilizado na fiscalização de fronteira”.
Além disso, o carvão “prejudica o olfato dos cachorros, é sujo e absorve o cheiro dos materiais”. Até alguns anos atrás, o carvão paraguaio entrava quase sem impostos no Brasil. O preço era muito baixo: um caminhão carregado custava algo em torno de R$ 1 mil. Após muitos conflitos para que o preço do carvão importado fosse aumentado, a tonelada, que entrava no Brasil por cerca de US$ 20 dólares, agora está em torno de US$ 100.
José Alberto Iegas, chefe da delegacia da Polícia Federal (PF) na cidade fronteiriça de Foz do Iguaçu (PR), explica que é difícil estabelecer uma relação direta entre uma eventual carga ilegal de drogas ou contrabando com algum produtor de soja, de carvão ou de qualquer outro produto do Paraguai. “O mais comum é o dono do produto principal nem saber que a carga estava com a droga, sendo que nesses casos normalmente o motorista é cooptado pelo esquema diretamente. Mas acontece também do traficante comprar a carga e misturar, fazendo o serviço completo”.
Ele acrescenta que os flagrantes desse tipo ocorrem normalmente em função de denúncias, investigações, pelo perfil da carga, ou pelo perfil da documentação. Segundo o chefe da PF, embora seja complicado de se apontar a relação direta entre o produto ilegal e algum produtor, é certo, por outro lado, que “os grandes traficantes normalmente possuem várias atividades legais para a lavagem do dinheiro da droga, do contrabando, inclusive pela compra de propriedades rurais, ou por meio de investimentos no gado”.
Em Ponta Porã (MS), a assessoria de imprensa da PF afirma que flagrantes de droga e carga contrabandeada dentro dos carregamentos de carvão e de soja são comuns. Conforme a assessoria, trata-se de um subterfúgio muito usado pelos traficantes da região, sendo que em uma ocasião recente, foi encontrada uma carga de 11,7 toneladas de maconha em um caminhão de soja. De acordo com setor aduaneiro da PF em Foz do Iguaçu (PR), não é só com soja que se verifica a situação de contrabando e tráfico de drogas, mas também com o feijão, o milho, entre outros.
(Por Antônio Biondi e Marcel Gomes, do Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis – Repórter Brasil)
Confira a íntegra do relatório “Os impactos socioambientais da soja no Paraguai – 2010“, produzido em parceria pelo CMA-Repórter Brasil e a Base Investigaciones Sociales, do Paraguai
Visite o site do Centro de Monitoramento dos Agrocombustíveis (CMA)