Por, Flávio Rocha
As luzes em volta da grande lona parecem convidar o público para o “maior espetáculo da terra”. Nas barracas, pipoca, cachorro quente, churros e algodão doce estão preparados para recepcionar as crianças.
O palhaço atrás do picadeiro aguarda ansioso a chegada da platéia, ele com seu macacão colorido, sapatos verdes, peruca amarela, flor com jato de água na lapela e o grande nariz vermelho, está pronto para conduzir a celebração no seu palco. O picadeiro.
Mas não hoje, o palco está vazio. O público não veio, o circo está triste. Os artistas, o picadeiro, as barracas, a música tocada para ninguém, as luzes que piscam para o vazio. Tudo é triste.
Nem sempre foi assim, o circo Barcelona já foi protagonista de grandes espetáculos com a casa lotada, conheceu as capitais de Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro, foi também para o interior de São Paulo. Eram outros tempos.
Nil conheceu o circo em 1979, tinha 23 anos e era recém chegada de Brasília, veio para Campo Limpo Paulista, cidade próxima a Jundiaí, para trabalhar.
A moça que nasceu em Goiás e fora criada em Brasília, logo soube que o circo estava na cidade e se empolgou para conhecer o picadeiro, afinal, nunca o tinha visto de perto.
No próximo final de semana teria espetáculo e essa oportunidade não poderia ser perdida. Muito vaidosa, a moça, preparou o melhor vestido, sandálias, comprou brincos novos e se maquiou. Sentia-se linda e feliz, estava pronta para o show.
Ao chegar no espetáculo sentia-se como uma criança, as lâmpadas do picadeiro pareciam convidá-la para participar do show. Os animais enfeitados, o cheiro da pipoca, os balões coloridos, artistas fantasiados, tudo era novidade para aquela jovem que vinha de uma família humilde e nunca tinha visitado um circo.
Sentou-se na primeira fileira, pois, queria ver tudo de perto, segurava um pacote de pipoca e aguardava ansiosa o inicio do show. Era um momento mágico, e desejava que ele nunca terminasse.
Durante todo o espetáculo, sem perceber, chamava a atenção de um dos mais importantes personagens daquele circo, ele a olhava a todo o momento, no final a convidou para conversar. Era o palhaço Pichilin.
“Eu era uma moça de praça, que é como são chamadas as meninas que ficam aguardando o espetáculo começar. Entre conhecer Pichilin e me casar, foram três meses” explica Nil que abandou a família e trabalho e foi embora com o palhaço.
A vida no picadeiro
Há mais de trinta anos morando em um circo, ela não reclama da sua vida, pois, tem sempre um “dinheirinho” e não precisa aguardar o final do mês para receber o salário, isso já vale as dificuldades que surgem no dia a dia.
Nil trabalha como Clown, é um personagem complexo e sutil, parceiro de Pichilin nas apresentações, eles se expressam com o olhar, sua parceria com o palhaço tem que ser extremamente calculada para que a piada aconteça no momento certo e a platéia se divirta com as encenações.
Sua casa é uma carreta confortável com quarto e sala, pia para lavar a louça, banheiro com chuveiro, tudo separado. “Agora vivo no luxo”, diz.
Mas nem sempre foi assim, antigamente seu lar era um pequeno trailer que não tinha cozinha e nem quarto, a noite os colchões eram colocados no piso de metal e coberto com lençóis para que as crianças pudessem dormir. Para cozinhar puxava um pequeno toldo para o lado de fora do trailer e de lá com um pequeno fogão de duas bocas, preparava as refeições para sua família.
Apesar das dificuldades, esse foi o período áureo do circo Pichilin, que, aliás, é o verdadeiro nome do circo Barcelona, que também pode ser Pan-americano ou Gran Circo de Mônaco, isso dependerá de cada cidade em que receberá sua visita, e o tempo em que ele permanecerá por lá.
Muito animas passaram por aquele picadeiro, foram avestruzes, pavões, dromedários, leão, urso e os xodós de Nil: a elefanta e o chimpanzé Nino.
A chegada em uma nova cidade era sempre motivo de festa entre a população, as pessoas logo se aglomeravam para olhar os animais, a elefanta sempre foi a que mais chamava atenção, não só pelo tamanho, mas também pela docilidade. Sempre foi tratada com um cuidado especial. Era a rainha do espetáculo.
Não era fácil cuidar de tantos animais, Pichilin e os funcionários acordavam cedo pegavam o velho caminhão Chevrolet e saiam em busca dos alimentos; quilos e quilos de capim, canas e frutas, além das carnes de boi e frango que alimentavam os leões.
“Todos os animais sempre foram bem tratados, sempre comeram do bom e do melhor”, afirma Nil, que acusa a internet e a ausência dos animais no circo, com a causa atual da queda de público aos picadeiros.
Quando começou a vigorar a lei com a proibição de animais em circo, todos tiveram de ser doados para zoológicos ou vendidos para parques temáticos.
O macaco Nino ganhou um novo lar no zoológico de São Paulo, já a elefanta foi de mudança para o parque do Beto Carrero, em Santa Catarina. Seu domador a acompanhou por dois anos até que o animal se adaptasse aos novos domadores, porém pouco tempo após seu retorno, ela morreu.
Os Pichilins
Na família Pichilin, dos quatro filhos que tiveram, apenas dois seguem com o oficio dos pais, os outros conheceram suas esposas pelas praças que passaram e por lá ficaram, fizeram o caminho inverso ao da mãe.
Roberto, o mais novo dos filhos, é o único que ainda está no circo da família, comediante, é conhecido por todos como Japão, nome do palhaço que ele interpreta, não possui nenhuma semelhança com descendente de japonês, mas por ser tão alegre e brincalhão, o apelido tornou sua marca.
Segundo a mãe, não será ele a dar continuidade aos espetáculos. “Ele logo sairá do circo, pois, assim como os irmãos, conheceu uma ‘moça de praça’ e a está namorando”, comenta Nil com ar melancólico.
Priscila é a filha mais velha e única mulher entre os irmãos, aprendeu contorcionismo ainda pequena e hoje conquistou carreira internacional, trabalha no México. É considerada a estrela da família.
Conheceu seu esposo quando, ainda, trabalhava no circo Barcelona, ele, Francisco Regis, um jovem chileno que na época era um dos poucos a se arriscar ao número circense “O homem pássaro”. Apaixonaram-se, casaram-se e tiveram três filhos.
O espetáculo do esposo os levaram à novos ares; Canadá, Estados Unidos e Chile, até serem convidados por Maria Antonieta de Las Nieves, a Chiquinha do programa do Chaves, para fazerem parte de um de seus dozes circo no México.
Hoje, Priscila mora em um grande trailer, maior que a carreta da mãe, e com apenas pequenos toques de botões faz surgir a sala, os quartos e a cozinha. Bem diferente da realidade da mãe. “Tem até banheira no trailer dela, é muito chique” comenta a orgulhosa mãe.
Os netos de Nil talvez sejam aqueles que continuarão o legado da família Pichilin, entretanto não no Brasil. Os dois mais novos, com seis e dez anos já fazem acrobacias na cama elástica. Suzana, a mais velha, com 13 anos tem seu próprio show no México, a avó não sabe ao certo o nome do espetáculo, porém inclui virar de ponta cabeça e com os pés atirar uma flecha e acertar o alvo que está atrás dela.
O Futuro no picadeiro
Não existem receios ou falsas esperanças quanto ao futuro, Nil sabe que dificilmente os filhos continuarão com o circo da família. Seus sonhos não são grandiosos, acredita que talvez acabe, ela e o esposo, gerenciando as apresentações sozinhos, porém, ainda existe a vontade de transformar seu picadeiro em um Circo-escola para crianças.
Ela está cansada de viajar por tantas estradas, de ter um público bom aqui, outro ruim acolá, no entanto, ainda possui um grande desejo, algo que nunca conseguiu na vida.
Para dizer, ela para, respira, reflete, olha para frente e com toda segurança diz, “uma casa, meu sonho é ter um lar com chão firme, um jardim com flores no quintal, um quarto para receber meus netos, é isso que eu ainda quero conquistar”.
E que ninguém duvide dessa mulher que largou tudo por um amor e que demonstra não desistir facilmente perante as dificuldades que a vida lhe expõe.
A entrevista
O contato com a protagonista da entrevista ocorreu ocasionalmente. Já havia falado com Roberto, que prometeu contar tudo sobre a história do Barcelona, deu seu telefone, pegou o meu e disse que me ligaria assim que tivesse um tempo, já que naquele exato dia teria um espetáculo e estava ocupado com as preparações.
Aguardei ansioso por um, dois, três dias e nada de retorno, comecei, então, a ligar para o celular do Japão, mandei mensagens, porém sem sucesso.
Resolvi voltar ao circo, afinal ele só poderia estar lá, afinal ele era parte do espetáculo. Porém, não estava.
Um dos artistas me contou que no período em que o circo está na cidade de Francisco Morato, Roberto sempre dormia na casa da namorada, que fica em um bairro próximo, e só retornava ao final da tarde. E agora? Pensava eu.
Sem muita alternativa, resolvi tentar no outro dia. Não fui aconselhado a ir novamente pela manhã, porém não tinha muitas opções.
Retornei e o encontrei virando a esquina próxima ao circo. Confesso que corri ao vê-lo, não poderia deixá-lo “fugir”.
Conversamos sobre os telefonemas sem sucesso, descobri que seu celular estava quebrado e que no momento estava de saída para comprar lâmpadas para as placas que iluminariam o espetáculo da noite. Por sorte, ele foi muito solícito e marcou a entrevista para aquela mesma data no final do espetáculo.
Cheguei na hora marcada, e para a minha surpresa não teve espetáculo, Roberto me aguardava, porém acompanhado, sentamos nas cadeiras de plástico branca, bem no meio do picadeiro, as caixas de som ainda estavam ligadas, ele as desliga para iniciarmos a conversa, quando fomos interrompidos pela moça que o acompanhava.
Japão pede desculpas, mas teria que levá-la até a sua casa, perguntei se ele demoraria a voltar. – Só volto amanhã, foi a resposta. Mas me garantiu que do próximo dia não passava, e que pela manhã ele lá estaria para conversarmos.
Saiu, e eu já decepcionado comecei a arrumar meu bloquinho de papel e o gravador que iria usar na entrevista. Na saída fui abordado por alguns artistas, talvez por estarem cansadas de me ver constantemente atrás da minha fonte, sugeriram falar com Nil. “Ela é mãe do Japão, sabe todo do circo”, diziam.
Apresentei-me à aquela simpática senhora, que aceitou de imediato ser entrevistada. Sentou-se na cadeira, cruzou as pernas e encarou tudo como uma conversa entre amigos, ao final tirei algumas fotos suas, onde ela simpaticamente posou com as mãos na face. No outro dia retornei para falar com Roberto, mas ele ainda não tinha chegado.
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