São Paulo – A morte do ex-presidente argentino Néstor Kirchner, nesta quarta-feira (27) intensifica análises e especulações sobre o futuro do país, principalmente porque há movimentação sobre a sucessão da presidente Cristina Kirchner nas eleições presidenciais do ano que vem.
Inicialmente, o kirchnerismo tinha duas opções: o lançamento de Néstor ou a reeleição de Cristina. Após um período mais complicado, o atual governo vinha recuperando a aprovação popular e a sequência do período Kirchner, iniciado em 2003, voltava a ser uma possibilidade no horizonte.
Néstor assumiu um país arrasado economicamente pela herança dos governos da década de 1990 (Carlos Menem) e do início dos anos 2000 (De la Rúa). Após um processo turbulento, Kirchner saiu vencedor e iniciou a estabilização do país. “Ao promover a recuperação econômica da Argentina, deixou uma indelével marca na história do seu país e também muito contribuiu para a integração da América do Sul, aliada ao Brasil”, avalia o cientista político Luiz Alberto Moniz Bandeira em entrevista ao Terra Magazine.
Os dois mandatos tiveram momentos de dificuldades pelo enfrentamento a velhos problemas da sociedade argentina. Néstor conseguiu a abertura de processo contra os envolvidos em tortura na última ditadura militar (1976-83), inclusive com a condenação de ex-presidentes, que hoje cumprem prisão domiciliar. No governo Cristina, houve forte enfrentamento com a elite agrária, setor econômico e político mais forte da Argentina, o que gerou tensão e tentativas da oposição de abreviar o mandato atual.
Outra questão criticada pelos antigos grupos é a relação com organizações sindicais, em especial a Confederação Geral do Trabalho (CGT). Hugo Moyano, titular da CGT e uma das figuras mais próximas ao ex-presidente, afirmou que Néstor teve o primeiro mandato peronista desde Juan Domingo Perón, morto em de 1974, durante seu terceiro e último mandato. Moyano tem condições de se colocar como um dos herdeiros do legado kirchnerista. “O que é preciso resgatar agora é a fortaleza de Cristina mesmo com a morte de Néstor, a quem eu tinha como um irmão menor.”
Uma questão que caberá a Cristina implementar é a forte mudança na concentração dos meios de comunicação argentinos. A Lei de Meios, apresentada pela presidente, prevê a redução do poder do Grupo Clarín, que até este momento concentrava concessões de rádio e TV, o maior diário do país, as transmissões de televisão a cabo e os serviços de conexão de banda larga à internet. A nova lei indica que não poderá seguir existindo tal monopólio.
Eleições
A questão é saber como será conduzido o governo de Cristina Kirchner sem o apoio do marido, uma importante referência para parte da sociedade argentina e para setores políticos do país. Além de se preocupar com o governo em si, caberá a Cristina Kirchner comandar o processo sucessório dentro do Partido Justicialista (PJ), que era dirigido pelo marido.
Os problemas políticos da presidente se intensificaram no ano passado, quando os candidatos que a apoiavam em vários distritos eleitorais argentinos perderam as eleições legislativas, que renovaram o Congresso Nacional. Foi a primeira vez que o kirchnerismo sofreu derrota desse porte, que significou a perda da maioria política no Congresso. Na província de Buenos Aires, o ex-presidente Kirchner e a coligação Frente para a Vitória foram eleitos, mas a liderança ficou com Francisco de Narváez. Buenos Aires representa 38% do eleitorado argentino.
Sobre as eleições do próximo ano, a questão é saber quais serão os candidatos. Não há impedimento na lei eleitoral argentina para o lançamento de mais de um nome por partido. Tem sido essa a tônica da disputa devido à grande fragmentação do PJ, herdeiro do peronismo. Há diversos grupos que podem lançar candidato, entre eles o do ex-presidente Eduardo Duhalde. O próprio De Narváez gostaria de disputar o pleito, mas, por ter naturalidade colombiana, está impedido pela atual legislação.
Uma questão ainda impossível de avaliar é o tamanho do peso que o legado da figura de Néstor terá no pleito. O ensaísta Ricardo Foster, integrante do grupo de intelectuais Carta Aberta, entende que o ex-presidente devolveu a dignidade ao país. “Creio que a Kirchner, exceto por aqueles que o odiavam ao extremo de desejar-lhe a morte, e que são uma minoria, o restante vai sentir falta infinitamente e vai recordar sua presidência entre as mais importantes da história. Não me resta nenhuma dúvida de que Kirchner entrou pela porta grande da história argentina”, afirmou ao La Nación.
Nos últimos anos, denúncias de corrupção contra o Casal K, como eram conhecidos, foram apresentadas em diversos momentos de turbulência política na Argentina, mas nenhuma delas chegou a ser comprovada.
(Por: Redação da Rede Brasil Atual / Com informações da Agência Brasil – 27/10/2010 – 18:59)