* Alexandre Oliveira
Do maracatu ao jazz, das apresentações de danças populares à batida do hip-hop, assim o Teatro Solano Trindade inicia sua nova fase, na concentração de inúmeras vertentes culturais
Fechado para reforma desde o início deste ano, o Teatro Popular Solano Trindade, de Embu das Artes reabriu suas portas no mês de novembro, retomando sua essência na manifestação da cultura popular brasileira e no ideal de unir várias experiências num só propósito: renovar o espírito poético de seu idealizador – Solano Trindade.
Com apresentações do grupo TPST (Teatro Popular Solano Trindade), do cantor Vitor da Trindade (voz e violão), e sons como o da banda Preto Soul, trazendo a vanguarda dos anos 70, e o hip-hop do rapper Zinho Trindade (bisneto do poeta), a festa contagiou a todos. Embalados pelo sentimento da conquista, pois com grande esforço a família conseguira o apoio da prefeitura local e de investimentos federais, o Teatro que antes carregava em sua cor uma tonalidade mórbida e descompassada à sua existência, tornou-se glamoroso, vivo, e agora reduto à expressividade negra, que do popular ao erudito busca equalizar sua base a compreender todas as manifestações, todos os saberes.
Vento forte do levante
A história do Teatro tem início nos anos 30. Solano, sua esposa Maria Margarida e o sociólogo Édson Carneiro montam o TPB – Teatro Popular Brasileiro, a época na ‘Cidade Maravilhosa’, em busca de difundir a cultura popular, e o lirismo das manifestações artísticas do Norte e Nordeste do país, como o maracatu, jongo, o samba de lenço e inúmeras cantigas populares.
Solano, que lutara contra o regime ditatorial, mas não pegara em armas, buscou atuar de forma a conduzir sua vida em busca da proliferação da arte, como forma de resistência. Atuou em diversas companhias de teatro, que excursionavam pelo país e pelo mundo, viajando meses de navio ou cortando o chão batido do interior. Com o TPB, foi à Europa socialista e tornou-se referência da arte popular brasileira.
Reverenciado por muitos, como Carlos Drummond de Andrade, Tarsila do Amaral, Grande Otelo…, o poeta que não buscara a rima em seus textos, mas a essência das palavras e a sua representação no povo humilde, com críticas às desigualdades e o afago às mulheres, sempre se preocupara em não ser demagogicamente difícil de entender, sua ordem, pudera, seria como descrevera em uma de suas célebres frases: “Buscar na fonte e devolver ao povo em forma de arte”.
Sua jornada o leva a conhecer Embu, que à época em 1961, ainda não era conhecida como cidade das artes, mas um vilarejo com minas de água cristalinas, belos montes verdes e um punhado de escultores, artesãos e pintores que se concentravam no local em busca de viver e difundir sua arte. Solano, acompanhado da turma do Teatro Popular Brasileiro, cerca de 40 pessoas, entre homens e mulheres, passa a residir no Barraco do Assis, um galpão de materiais que o escultor Claudionor Assis Dias, o Mestre Assis de Embu, detinha. Alojado no vilarejo, Solano e sua trupe realizam grandes festas, mesclando apresentações do Teatro com exposições de arte ao ar livre.
Decadência e desolação
Chegaram a dizer que Solano morrera como “indigente”. De fato, não foi dessa forma, pois chegou a ser internado numa clínica no Rio de janeiro, e tivera um enterro “digno”, segundo o relato de sua filha Raquel. Despojado de reconhecimento, o poeta que lutava contra as desigualdades raciais e a segregação de classes, que encantava pela expressividade de seus textos, mas que fora admirado por poucos, sucumbiu ao tempo.
O idealizador do Teatro Popular Brasileiro ajudou a construir a fama da última cidade que o recebera, mas não vira sua luta vencida, sendo abandonado pela política local e tendo sua obra reduzida, desfalecida e esquecida, entre o final dos anos 1970 e início dos anos 1980.
Legado
O TPB passou a ser conhecido como TPST – Teatro Popular Solano Trindade, após a morte do poeta. Sua filha, Raquel Trindade, continuou a levar a expressividade do Teatro Popular Brasileiro, mas em homenagem ao pai dera seu nome à nova formação. Fixados em Embu, ela, os filhos e os netos carregam o legado de Solano com apresentações no Teatro e na musicalidade. Seu filho, Vitor da Trindade, compositor, musicara poemas de Solano. Zinho, Manuel e Maria, bisnetos de Solano são músicos e cantam seu legado.
Com o espírito virtuoso Solano instigara seus familiares e amigos na busca pelo saber e na essência do transmiti-lo ao próximo. O TPB, que agora se tornara TPST mantém viva sua poesia, versejar de um poeta incompreendido, que busca a massa e que a gleba, viciada pela massificação cultural, o desconhecera. Como dissera seu neto, Vitor: “Meu avô não deixou um legado em riquezas. Seu legado não é algo que eu possa gastá-lo num ato de visceral. Seu legado está no que sou, no que eu canto, no que eu penso. Eu sou esse legado”.
Grandes mudanças – O ressurgimento do TPST
Da água para o vinho, esta foi a transformação ocorrida no Teatro que leva como nome um dos maiores expoentes da arte negra no Brasil, Solano Trindade. Fechado para reforma desde o início do ano, o Teatro contou com grandes transformações e impressionou aqueles que puderam prestigiar sua reabertura, na Semana da Consciência Negra, realizada em novembro – 2010. Com o espaço reorganizado, adaptado ao grande salão que fora mantido, as instalações internas ganharam dois níveis, possibilitando aos presentes acompanhar as apresentações de forma mais dinâmica com visualização panorâmica e uma maior proximidade aos artistas.
O novo Teatro também contemplou a construção de instalações sanitárias e um grande camarim para uma melhor acomodação dos artistas. As entradas foram adaptadas aos portadores de deficiência física, tornando o Teatro acessível a todos. Antes de entrar na nave principal, o público poderá presenciar uma galeria de quadros da família Trindade, com obras de Raquel, Solano, Manuel, Zinho e outros que referenciam a arte negra.
Re-inauguração do Teatro Solano Trindade – Embu/SP
Nos dois dias de inauguração, cerca de 700 pessoas passaram pelo Teatro. No sábado o público se empolgou com a peculiar apresentação do artista Vitor da Trindade, neto do poeta Solano Trindade. Tocando solo, voz e violão, Vitor embalou os presentes com seus arranjos, feitos dos poemas de Solano. Bisneto de Solano, Manuel Trindade trouxe para o palco do Teatro sua banda, Preto Soul, com envolventes melodias, transportando o público a vivenciar embalos das discotecas dos anos 70.
A filha do poeta, Raquel Trindade, se assemelhava as crianças que no teatro não se importavam em estar perto de seus pais e os acompanharem para onde fossem. Ela no auge de seus 80 anos pulava e dança, sorria e atendia a todos que a pediam algo, ou a solicitavam para uma foto. Raquel, que sofrera queimaduras de 3° grau após uma separação mal resolvida de seu sétimo marido, era a pessoa mais radiante da festa de inauguração do novo TPST.
À noite a Companhia de Teatro Solano Trindade, tendo como porta-voz Raquel Trindade empolgou o público com suas danças e seu ritmo, trazendo o gingado do maracatu e reverenciando arte e a cultura popular brasileira. No domingo o dia foi comandado pelo bisneto de Solano, Zinho Trindade. Amigo da família, o percussionista Carlos Caçapava também se apresentou no palco do teatro com a bisneta de Solano, Maria Trindade. Com muita irreverência, o músico transportou o público para a cultura africana, com seus tambores.
Em seu último poema escrito na cidade de Embu, no ano de 1969, época em que passara mal e fora transferido as pressas para o Rio, seu leito de morte, Solano escrevera:
INTERROGAÇÃO
Quando pararei de amar com intensidade?
Quando deixarei de me prender aos seres e coisas?
Quando me livrarei de mim?
Do que sou, do que quero, do que penso?
Quando deixarei de prantear?
No dia em que eu deixar de seu eu
No dia em que perder a consciência
Do mundo que idealizei…
Neste dia…
Eu sorrirei sem saber do que sorrio
Solano Trindade
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***Alexandre Oliveira: é formado em jornalismo pela Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação. Atual assessor da Câmara Municipal de Embu, repórter e desenvolvedor do site Fato Expresso [www.fatoexpresso.com.br]