**Por Allan Robert P. J.
Roberto: “Allan, vocês também comemoram o Natal no Brasil?”
… [Pausa constrangedora]
Allan: “Bom… O que é o Natal pra você, Roberto?”
Roberto: “O Natal, cara. Sei lá! A festa…”
Allan: “Sim, eu sei que é uma festa, mas o que exatamente se comemora? Qual o objetivo dessa festa?”
Roberto: “O Natal, cara! Tem todo ano, Papai Noel, presentes, uma mesa farta… O Natal, cara!”
Allan: “Por que nasceu essa festa? Por que se comemora o Natal? O dia da Mães é em homenagem às mães. E o Natal, quem ou o que homenageia.”
Roberto: “Cara, o Natal é o Natal!” Comemora o Papai Noel, a árvore de Natal, a troca de presentes, os tortellini que a minha mãe faz. Sem tortellini não é Natal. Apesar do frio filho da mãe, o Natal é legal. Natal é Natal, sei lá!”
Allan: “Roberto, você foi batizado? Fez primeira comunhão, Crisma? Frequentou as aulas de religião?”
Roberto: “Sim, sim, sim. Mas esses negócios de igreja não me interessam muito, não. Só vou a batizado e funeral… Ahn… a ressurreição de Jesus…”
Allan: “Nascimento, Roberto. Nascimento.”
Deixei o Roberto no estacionamento da empresa vasculhando as prórias divagações e, apesar do frio polar, fui pedalando para casa pelas ruas enfeitadas de milhares de microscópicas luzes azuis que piscam, arcos coloridos e imensos flocos de neve que iluminam a noite escura, às sete da noite.
Lembrei de como tudo começou. Sim, eu estava lá, quando a Igreja Católica resolveu apropriar-se de uma festa pagã contra a qual lutava, para defini-la como a data do nascimento do menino. A Igreja comandava muito naquela época e a data acabou se tornando a festa da família, da humildade, do recolhimento e da solidariedade.
13 de Dezembro – Mas o Natal italiano dura mais que o nosso Natal brasileiro. Lucia di Siracusa (a pronúncia é Lutchía) foi uma santa martirizada, torturada e que teve os olhos arrancados. Milagrosamente os olhos reapareceram no rosto da santa no dia seguinte, antes dela ser decapitada. Por isso a nossa Santa Luzia é a protetora dos olhos. No dia 13 de dezembro ela visita as casas das crianças obedientes, trazendo-lhes doces e pequenos presentes. Deve-se deixar um prato com biscoitos ou frutas e um copo de leite, pois ela vem de longe e deve estar cansada. Deixa-se, também, um pouco de palha e água para o burrico que a acompanha. Se na manhã seguinte o leite tiver sido tomado, os biscoitos mordiscados e a palha remexida, pode procurar que a bondosa santa Lucia deixou algo para as crianças que se comportaram.
26 de Dezembro – Santo Stefano (Santo Estevão) foi o primeiro mártir do Cristianismo, venerado como santo por todas as igrejas critãs que admitem o culto dos santos (Católica, Ortodoxa, Anglicana). O Sinédrio – a suprema assembleia de Jerusalém – o deteve sob a acusação de blasfêmia e o condenou à morte por apedrejamento. Entre os presentes à sua execução estava Paulo de Tarso, o futuro São Paulo, ainda como perseguidor de cristãos. A liturgia cristã é comemorada nos dias 3 de Agosto e 26 de Dezembro. A comemoração do dia 26 de Dezembro serve para recuperar-se da maratona gastronômica do Natal.
6 de Janeiro – Conta uma lenda que quando os três reis magos pararam em frente ao casebre, para pedir informações sobre o caminho que levava ao Messias recém-nascido, a velha negou-se a abrir a porta e a fornecer-lhes informações. Arrependida, preparou um punhado de doces e saiu com uma tocha na mão, mas já não encontrou os três. Decidiu, então, distribuir os doces às crianças que se comportaram bem durante todo o ano. Às mal-educadas, dava um pedaço do carvão da sua tocha, como advertência para o ano seguinte. A tradição manda incluir pedaços de carvão (de puro açucar, preto) entre os doces deixados nas meias penduradas nas lareiras ou janelas, ou sob a árvore de Natal, para lembrar que nem sempre se é cortês e educado. A arrependida senhora é conhecida como Befana.
25 de Dezembro – Mas o ponto alto deste período é mesmo o Natal. Na noite do dia 24 uma ceia leve, que aqui na região é constituida à base de tortelli de ricota, peixe e frutos do mar. Uma garrafa de vinho e pouca sobremesa. No dia seguinte acontece o almoço mais longo do ano. Mães, esposas, sogras, cunhadas e todas as mulheres da família passam dias preparando os tortelli para o grande dia. Tortelli é qualquer massa recheada, como os cappelletti e ravioli, mas cada família tem a sua própria receita. Na região onde moramos come-se tortelli in brodo, uma água rala obtida do cozimento de um galo capão, cebola, cenoura, salsão, um pedaço de carne e uma pitada de sal. Dependendo da região, os pratos que se seguem são mais ou menos pesados, como o capitone – enguias em conserva – cuja digestão só se conclui no ano seguinte. São servidos inúmeros outros pratos e milhares de doces. Tudo termina com o panetone, lá pelas tantas e depois de muito vinho ou espumante. Ou espumante e vinho. Quem sobrevive, abre os presentes e volta para casa.
No período entre os dias 13 e 24 de dezembro, Dia de Santa Luzia e véspera de Natal, uma aflição melancólica caracteriza o humor italiano. Filas intermináveis nas lojas, pessoas mal-humoradas que buzinam e avançam prepotentemente com seus automóveis, estacionam onde não devem e vão se acotovelar pelo melhor presente, o melhor zampone (outra iguaria gastronômica), o melhor enfeite ou o melhor torrone. Tudo em nome de um Natal perfeito e de paz. O sorriso de satisfação no dia 25 paga qualquer dedo quebrado, olho roxo, uma multa mais salgada ou indigestão.
E a Igreja, impotente, observa que a festa voltou a ser pagã.
Um Feliz Natal a todos!
Allan Robert P. J., carioca de nascimento, tem 51 anos, viveu em Embu (SP) por quase duas décadas e lá se casou com Eloá, em 1987. Mudou para Salvador (BA) onde estudou Economia e o casal teve duas filhas. De lá, foram para a Itália, onde vivem atualmente. Allan é micro empresário do ramo automotivo, e Eloá trabalha no ramo de alimentação. Ambos têm raízes (amigos e parentes) na ‘ponte’ Embu-Assis-SP. Allan é irmão dos advogados Bruce P. J. e Dawidson P. J., radicados em Embu. Dawidson já foi do primeiro escalão da Assessoria Jurídica da Prefeitura de Embu no governo Geraldo Puccini Junior (1993-96), e ambos já participaram da diretoria da subsecção da OAB de Embu”.