**Por Allan Robert P. J.
Minha filha lia: “A mesma ciência que manda o homem à Lua, não consegue resolver o problema da fome na África”. Comentou sentir-se triste e impotente. Expliquei-lhe que ela não está sozinha: o sentimento é coletivo, à exceção daqueles que vêem cenas como os estragos das enchetes no Rio e em São Paulo, desligam a Tv e saem para uma discoteca ou um jantar, como se tivessem visto um filme.
A migração de pássaros na Europa é algo que me fascina. Todos os anos os vejo partir e voltar. Eles não têm residência fixa: adaptam-se. O ser humano, não: preferimos mudar o ambiente, mesmo que essas mudanças levem os outros animais à extinção. Aos poucos, estamos construindo nossa própria guilhotina self-service. A morfologia do bicho homem no primeiro mundo começa a se adaptar à nova condição produzida pelo conforto moderno, mas num espaço de tempo tão curto que as novas doenças que virão podem dizimar esses dinossauros modernos.
A imensa capacidade humana de inventar novas tecnologias, não se repete em avaliar seus efeitos: produzimos armas que alimentam a violência urbana. Aquela que se volta contra todos, inclusive contra os fabricantes dessas armas; inventamos armas químicas que acabam por atingir políticos poderosos (Humm… Até que não é má idéia); criamos gado, fabricamos eletrodomésticos, desenvolvemos combustível e enlatamos gases, mas os resíduos dessas ações contribuem para o efeito estufa que muda o clima. Não bastam os vulcões, terremotos e furacões naturais? Quem consumirá esses produtos quando formos extintos? No entanto, continuamos a produzi-los.
O próprio 11 de setembro foi uma conseqüência natural da atividade humana, se considerarmos treinar guerrilheiros estrangeiros para lutar numa guerra estrangeira como atividade humana. Era óbvio que um dia eles se voltariam contra os seus mandantes. Ou deveria ser. Só um ingênuo acreditaria que, em posse de armas, treinamento e conhecimento, o grupo treinado pelos americanos para lutar contra os russos no Afeganistão iria eternizar-lhes o beija-mão.
Normalmente um acontecimento marca o início de uma era: a construção de um muro, uma guerra ou uma revolução, por exemplo. A Era da Impotência, não. Ela não começou com as cenas de 2001: antes disso a obesidade já era uma epidemia dos países ricos; o cinema, a literatura, a música e todas as formas de manifestação cultural já se haviam rendido aos apelos comerciais; os jovens já eram mal-educados; o comércio mundial já havia definido que países decidiriam os destinos do mundo e que países morreriam de fome. E alguém já havia sugerido utilizar alimentos transgênicos para matar a fome da África. A Monsanto apenas desconversou porque não achou alguém para pagar a conta. A Era da Impotência começou aos poucos, contando com a apatia humana.
Apesar de todos os avanços científicos e tecnológicos, apesar das críticas americanas à falta de preparação asiática para evitar ou minimizar os efeitos do tsunami de dezembro de 2006, vimos New Orleans repetir as cenas devastantes do sudeste asiático, menos de um ano depois, e Teresópolis e Franco da Rocha agora. Apesar das sondas em Marte, apesar dos novos celulares que só não fazem café (ainda), o trânsito das grandes cidades, as doenças que mais matam e a cultura do consumo inconseqüente, continuam problemas sem solução a curto, médio ou longo prazos.
A Era da Impotência começou aos poucos, contando com a apatia humana.
Nossos filhos vão crescendo nesse mundo produzido por nós, desenvolvendo uma nova cultura, aprendendo a consumir literatura, música e filmes nem sempre de qualidade, produzidos em quantidade industrial para satisfazer necessidades comerciais, vendidos por uma Tv cada vez mais voraz e mais distante da civilidade. O conceito do conforto moderno transforma-os em obesos, mal-educados e preguiçosos. A competição estimulada os faz entender que o ser humano é o único predador do ser humano, forçando-os a escolher ser caçador para não ser a caça.
Observando o pouco caso com os negros de New Orleans, com os árabes palestinos, com os estrangeiros nesta Europa ariana, vão aprendendo que a vida humana tem o mesmo valor do inseto esmagado. Não poderemos reclamar se eles escolherem ir à discoteca.
Allan Robert P. J., carioca de nascimento, tem 51 anos, viveu em Embu (SP) por quase duas décadas e lá se casou com Eloá, em 1987. Mudou para Salvador (BA) onde estudou Economia e o casal teve duas filhas. De lá, foram para a Itália, onde vivem atualmente. Allan é micro empresário do ramo automotivo, e Eloá trabalha no ramo de alimentação. Ambos têm raízes (amigos e parentes) na ‘ponte’ Embu-Assis-SP. Allan é irmão dos advogados Bruce P. J. e Dawidson P. J., radicados em Embu. Dawidson já foi do primeiro escalão da Assessoria Jurídica da Prefeitura de Embu no governo Geraldo Puccini Junior (1993-96), e ambos já participaram da diretoria da subsecção da OAB de Embu”.