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**Por Allan Robert P. J.
Volto à mesa para lembrar um dos principais traços da cultura desse povo, a própria comida. Dizer que na Itália se come como um deus não é um pleonasmo nem redundância, somente a constatação (de parte) do lado bom na moeda da emigração. Mas um novo estilo de vida ameaça destruir a importância da comida na vida da sociedade italiana. Dieta mediterrânea à base de vegetais, óleo de oliva e frutos do mar está virando almoço de velho. Aliás, almoçar em casa – uma tradição do cotidiano italiano – está virando coisa de aposentado, sinônimo de velho.
A geração que está no comando da sociedade italiana (o topo da cadeia alimentar) está se habituando a almoçar em restaurantes, antes destinados aos turistas e àqueles que se encontravam longe demais da própria casa. A geração que se prepara para assumir o poder e empurrar a anterior para o limbo da aposentadoria e aos almoços em casa, lota os fast food que pipocam por toda a península. Sentar-se à mesa de casa e comer em família é programa de fim-de-semana.
Uma pesquisa patrocinada pela associação dos supermercados constatou que mais de trinta por cento dos italianos têm no jantar a principal refeição. Outro dado relevante da mesma pesquisa identifica a mudança nos hábitos de consumo dentro de casa, e não só no almoço na rua. A venda de frutas caiu vertiginosamente nos últimos dez anos e já tem muito italiano que simplesmente não as consome mais, enquanto os pratos prontos ganham mais e mais espaço nas prateleiras e congeladores das lojas.
A nossa pequena Itália, sempre tão provinciana, observa inerte a globalização romper o dique das suas tradições. E a obesidade é a água que começa a se espalhar, mansamente, encharcando praças e jardins.
Se os jovens rebeldes preferem pizzas e hamburguers, os politicamente corretos de meia-idade protegem-se na tradição das massas. Mesmo os restaurantes chineses, há muito radicados na cultura gastronômica italiana, têm dificuldades em manter um movimento razoável durante o horário de almoço. Restaurante japonês é coisa nova, menos de dez anos. Árabe? Nenhum! Restaurantes ou bares com cardápios de outras nações, só tem vez à noite.
É curioso observar a atual resistência contra a culinária estrangeira, justamente por parte de um povo que adotou os hábitos alheios para formar a própria cultura. Mais curioso é ouvir os relatos de amigos que viajam a outros países e confessam terem se deliciado com a cozinha local. Ou seja, experimentar novidades pode, desde que não seja em casa. Talvez seja uma forma de preservar as próprias tradições ou um verdadeiro exercício de mutação cultural: No início se fecham e não admitem transformações vindas de fora. Com o tempo, selecionam as novidades e as adaptam à cultura local. No final assumem as mudanças como características próprias.
Como em qualquer outro país, as novidades vão sendo absorvidas devagar e conquistam mais adeptos. Hamburguer, aqui, deve ser muito bem passado. Para evitar queimá-lo, utilizam-se dois hamburguers finos, quase torrados e sem sal. A churrascaria brasileira, mesmo não tendo sofrido pressão para mudar, decidiu adicionar alecrim (rosmarino, em italiano) para atrair os resistentes gourmets locais. Aliás, alecrim e sálvia são os temperos da Itália, estão em quase todos os pratos. Da mesma forma que a dona de casa brasileira vai à quitanda comprar um maço de cheiro verde (salsa e cebolinha), a dona de casa italiana vai ao verdureiro comprar um maço de alecrim e sálvia. Pensando bem, nem a dona de casa brasileira vai tanto à quitanda, como nem a italiana vai tanto ao verdureiro. Enquanto ambas vão ao supermercado comprar um punhado de comida pronta, aproveitam para também comprar os respectivos temperos, tentando dar um toque pessoal àquela incógnita industrializada que será o jantar.
Novembro, mês do Ramadã. Os amigos muçulmanos fazem jejum durante todo o dia, podendo comer só depois que o sol se põe, o que naquela época do ano ocorre por volta das cinco da tarde. É a ocasião ideal para espezinhá-los. Os italianos já não comem somente presuntos e salames – alimentos proibidos na dieta muçulmana por serem feitos com carne de porco – revirando os olhos como quem prova uma delícia inigualável, basta comer. Salgadinhos, sanduíches, frutas, doces, chocolates (que voltam a ser produzidos em milhares de opções, com a chegada do frio) e todo e qualquer tipo de guloseima que possa ser devorada em minutos, aumentando a tortura alheia e a briga pessoal com a balança.
O provincianismo sempre foi uma defesa da história e hábitos de cada pequeno vilarejo italiano. A internet (sempre ela!), o excesso de tv, as oportunidades e facilidades em viajar como nunca (mesmo a trabalho), além dos fast food que se propagam como uma epidemia gordurosa, estão substituindo os velhos ares caipiras dos confins italianos por uma sensação cosmopolita nova e fresca. As grandes empresas agradecem e já começam a mirar no último bastião da resistência culinária italiana: a minestra dos aposentados.
**Allan Robert P. J., carioca de nascimento, tem 51 anos, viveu em Embu (SP) por quase duas décadas e lá se casou com Eloá, em 1987. Mudou para Salvador (BA) onde estudou Economia e o casal teve duas filhas. De lá, foram para a Itália, onde vivem atualmente. Allan é micro empresário do ramo automotivo, e Eloá trabalha no ramo de alimentação. Ambos têm raízes (amigos e parentes) na ‘ponte’ Embu-Assis-SP. Allan é irmão dos advogados Bruce P. J. e Dawidson P. J., radicados em Embu. Dawidson já foi do primeiro escalão da Assessoria Jurídica da Prefeitura de Embu no governo Geraldo Puccini Junior (1993-96), e ambos já participaram da diretoria da subsecção da OAB de Embu”.
otimo obrigado