** Por Allan Robert P. J.
Por aqui a epidemia do celular já passou. Quer dizer, transformou-se. Transformou-se numa ode à incomunicação. O uso indiscriminado do telefone celular já foi objeto de muita reclamação e não pretendo ser redundante. A minha atenção vai para um fenômeno que se difunde na mesma velocidade do consumo de celular pela camada mais jovem: a solidão coletiva.
Em longas caminhadas para fumar meu charuto ou simplesmente admirar a secular arquitetura italiana, tenho observado cada vez mais a ocorrência de uma atitude bizarra: grupos de jovens que conversam animadamente… com outras pessoas, pelo celular!
É triste e divertido. Noutro dia reparei um rapaz que fingia estar falando com alguém ao celular, enquanto controlava com o canto do olho a conversa animada do seu amigo, também ao celular. Quando o amigo acabou de falar e desligou a sua pequena maravilha, o primeiro também desligou a sua, esquecendo-se de despedir-se do amigo imaginário. Infelizmente não é uma cena rara.
Moro numa cidade fundada no ano 218 a.C. e poucas pessoas prestam atenção às suas formas, às suas construções, à sua história. Todos estão sempre muito ocupados ao telefone.
Existe um frenesi muito grande em torno da pergunta: “O que a gente vai fazer hoje à noite…?” Opções não faltam: discotecas, bares, restaurantes, shows, cinemas, ópera, teatros, quermesses de paróquias, etc. Em todo lugar, jovens que falam ao celular. Não que eu me sinta velho ou não tenha um celular, mas o meu telefone serve somente para o indispensável: avisar que vou me atrasar, chamar o guincho às quatro da manhã ou pedir a lista do supermercado que esqueci sobre a mesa da cozinha.
Na impossibilidade de serem famosos, visto a alta concorrência desses dias, os jovens italianos (e não sei se somente eles) procuram sentir-se importantes transmitindo pelo celular uma euforia típica de pré-festa, que, pelo jeito, nunca chega. Essa euforia é retransmitida pelos seus amigos e pelos amigos dos seus amigos, numa corrente de Santo Antônio que já deu oito voltas ao redor do mundo e ameaça não findar.
Isso sem falar nas terríveis musiquinhas! Conheço um sujeito que compõe sons para celular. É simplesmente impossível ouvir o mesmo som em dois celulares diferentes, assim como ouvir o mesmo som no mesmo celular por mais de quinze dias. Minhas filhas inseriram a melodia de “Atirei o Pau no Gato” no celular da minha mulher.
E, assim, proporcionando a vingança ao sádico fantasma de Graham Bell e para delírio de psicólogos e pesquisadores médicos que estudam os efeitos dos campos magnéticos sobre o ser humano, o final de semana se aproxima na Itália e, com ele, a pergunta “O que a gente vai fazer essa noite…?” se espalha pelos cafés, portas de escolas, ruas movimentadas e qualquer outro lugar onde haja um jovem e um celular. O que segue depois, é a barbárie.
**Allan Robert P. J., carioca de nascimento, tem 51 anos, viveu em Embu (SP) por quase duas décadas e lá se casou com Eloá, em 1987. Mudou para Salvador (BA) onde estudou Economia e o casal teve duas filhas. De lá, foram para a Itália, onde vivem atualmente. Allan é micro empresário do ramo automotivo, e Eloá trabalha no ramo de alimentação. Ambos têm raízes (amigos e parentes) na ‘ponte’ Embu-Assis-SP. Allan é irmão dos advogados Bruce P. J. e Dawidson P. J., radicados em Embu. Dawidson já foi do primeiro escalão da Assessoria Jurídica da Prefeitura de Embu no governo Geraldo Puccini Junior (1993-96), e ambos já participaram da diretoria da subsecção da OAB de Embu”.