Temos debatido com vigor sobre as questões do mundo árabe, mas concordo com os que afirmam que NÃO CONHECEMOS ESTA REALIDADE. É extremamente difícil enquadrar o que acontece lá sob a lógica do capital, ou a lógica revolucionária tradicional (insurgência popular, greve, crise sistêmica, etc). Uma das razões desta dificuldade é a forma como a CULTURA interfere como variável nesta equação.
Estou longe de entender o que ocorre no mundo árabe, mas como exemplo, na questão Palestina existe uma maioria SUNITA entre os muçulmanos de lá, e estes NÃO PREGAM UM ESTADO RELIGIOSO, ao contrário de vertentes XIITAS. Estou falando bobagem? Pois bem, o Kadafi pode não pertencer às vertentes mais radicais do islamismo, mas certamente não é a ‘flor do lácio’ que algumas análises sobre o conflito querem fazer parecer. Governa com mão de ferro. Foi aliado das esquerdas em outra conjuntura, agora cobra (e recebe) a fatura. Mas pouco sabemos sobre as condições de vida dos trabalhadores líbios para fazermos qualquer afirmação.
Que Obama e o Ocidente estão de olho no petróleo árabe, todos sabemos (te cuida Dilma, olha o pré-sal !!). Mas o que não se diz a respeito desta pandega é sobre o fator RELIGIOSO, que embola tudo.
Respeito aqueles que defendem (e praticam) o Islamismo. O que não dá para aceitar é a presença de Estados religiosos, seja no mundo árabe, seja aqui ou em qualquer parte. Aí incluo a fé cristã, por exemplo, que comandou meio mundo político por mais de mil anos (algo entre os anos 500 e 1700 d.C.), de forma desastrosa, e o sionismo, com forte influência no mundo judeu, tensionando ainda mais contra uma solução pacífica no conflito com os palestinos.
Estudando a História da África na Universidade de SP, vi um mapa demonstrando a penetração do islamismo no continente, no sentido norte-sul, entre os anos 650 d.C. aos dias atuais, e a substituição de CENTENAS de culturas e religiões locais, muitas vezes com o uso da força bruta, e sob um verdadeiro ‘banho de sangue’ (cabe aqui dizer que os ocidentais também chamam as religiões africanas de ‘cultos animistas’, ‘seitas’, ‘satanismo’, etc, já que ‘RELIGIÃO’ seria um monopólio do ‘mundo civilizado’, e eles igualmente produziram a invasão do cristianismo na África em substituição às culturas religiosas locais).
Não sou partidário da mistura de ‘fé’ e política. Pertenço a uma velha escola que defende o Estado laico (desde que POPULAR, ETAPÍSTICAMENTE FALANDO, E MAIS ADIANTE, SE POSSÍVEL E HOUVER CONDIÇÕES HISTÓRICAS PARA ISSO, SOCIALISTA). A fé, a religião, são DIREITOS INALIENÁVEIS DE QUALQUER POVO OU CULTURA, mas a exemplo dos governos, NÃO DEVEM SER IMPOSTAS SOB QUAISQUER PRETEXTOS, A QUEM QUER QUE SEJA (Nossos indígenas sabem muito bem o que é isso).
É engraçado ver pessoas fazendo raciocínios tortuosos para misturar realidade brasileira com o que anda ocorrendo no mundo árabe. Que algo MUITO GRANDE está ocorrendo por lá é ÓBVIO E VISÍVEL (melhor tentar ver pelo prisma da Al Jazeera do que pelo do Washington Post ou CNN). Não creio que sejam ecos de uma revolução socialista. No máximo é burguesa mesmo (pelo menos do ponto de vista local), no sentido da aspiração democrática em países recheados de Sheiks, Generais, Reis, Ditadores em geral, presidentes de Estados Religiosos (alguns eleitos democraticamente, é verdade), mas praticamente nenhum líder ELEITO SOBERANAMENTE PELO POVO NUM MODELO DE ESTADO LAICO, ao menos.
São fatos, não estou analisando o que está por trás de tudo isso. Mas quem crê na simples manipulação de populações inteiras de vários países (mais de dez com alguma turbulência no mundo árabe) está, no mínimo, não levando em conta todas as variáveis. A História movimenta-se, independente de nossa capacidade de previsão ou análise. Esta incerteza é maravilhosa, ainda mais para mim, que aos 50 hoje, já ouvi de tudo, até sobre um tal ‘FIM DA HISTÓRIA’, pouco antes de estourar a primeira Guerra do Iraque, ou mesmo do ataque às torres gêmeas do WTC (o famoso ataque do 11 de Setembro de 2001, que teria ‘encerrado’ o Século XX e ‘iniciado’ o XXI, na visão de alguns analistas).
Espero viver para ver o que vai acontecer no mundo árabe. Isto não é suficiente, mas daqui não podemos fazer muita coisa, mas PODEMOS E DEVEMOS FAZER ALGUMA COISA. Se o governo brasileiro não tiver uma política externa acertada sobre a questão do mundo árabe, temos todo o direito (e até o dever) de protestar. Mas não podemos fazer condenação a priori. Não vejo com bons olhos a insistência do Brasil em participar do corpo permanente do Conselho de Segurança da ONU, ainda mais com o ‘piloto’ Nelson Jobim à frente do barco.
Creio que a História não está em processo acelerado atualmente (pré-revolucionário), infelizmente. Acho que temos esta falsa sensação, em função de outro tipo de aceleração, a da COMUNICAÇÃO. Podemos saber sobre uma manifestação popular em TRÍPOLI, por exemplo, poucos minutos depois de estourar. Esta aceleração no processo de difusão da informação não pode nos iludir. Devolvo a ‘bola’ para os colegas com maior embasamento teórico e político sobre esta intrincada questão do conflito árabe atual. Agradecerei análises mais racionais e menos, digamos, ‘militantes’ (no sentido acrítico).
**Márcio Amêndola de Oliveira é Graduando em História pela Universidade de São Paulo (USP) [http://contextohistorico.blog.terra.com.br]; Coordenador de Documentação e Memória do Instituto Zequinha Barreto [www.zequinhabarreto.org.br]; Assessor de Comunicação da Câmara de Embu / MTB: 42.753/SP [www.cmembu.sp.gov.br]; Diretor do Site [www.fatoexpresso.com.br] – Contatos E-Mail: cme.marcio@terra.com.br