São Paulo – Jesse James, Billy the Kid, Buffalo Bill, Butch Cassidy … a lista de lendas do Velho Oeste é grande. Rango, protagonista da animação em cartaz nos cinemas brasileiros, deve se juntar ao bando — embora ele não seja, como os outros, um fora-da-lei. Na verdade, o camaleão é um ser estranho, nem bandido, nem mocinho, carrega em si uma ambiguidade típica daqueles capazes de se transformar conforme a necessidade.
Quando vemos o protagonista pela primeira vez, ele ensaia uma peça da qual participam uma boneca sem cabeça e um peixe de plástico. Quando o aquário onde estão todos cai do carro, se quebra e liberta Rango no meio do deserto, o camaleão precisa se reinventar — ou melhor, descobrir, quem realmente é.
No filme, dirigido por Gore Verbinski (da série “Piratas do Caribe”), que estreia em cópias dubladas e legendadas, seria possível substituir os animais, que interpretam os personagens, por atores de verdade, sem qualquer perda para a história. James Stewart daria um Rango melhor que John Wayne, diga-se de passagem.
Rango, cujo nome vem da palavra ‘durango’, e não da gíria para refeição, chega a uma pequena cidade chamada Poeira, que vive assombrada pelo fantasma da seca — tudo por conta de um prefeito que domina o abastecimento de água e com isso se mantém no poder há anos. Esta mera semelhança com a crise no Oriente pode ser acidental, mas, ainda assim, bem-vinda. Os animais depositam sua água num banco – ou seja, o líquido é uma metáfora para o dinheiro. Quando sabem da escassez, querem sacar todas as suas reservas, mas não conseguem, claro, porque não há água suficiente.
Nesse meio tempo, o protagonista, medroso e falastrão, conseguiu, pelas mãos do prefeito-ditador, o posto de xerife do local, ganhando admiração e confiança da população, que inclui baratas e toupeiras, entre outros seres. Falta apenas o amor de Feijão, a donzela nada desprotegida, dona de um sotaque caipira e muita vontade de salvar as terras de seu pai, que morreu.
Feijão é também uma personagem que se alinha em outra tradição cinematográfica: a órfã corajosa – entrando ao lado das recentes heroínas na mesma categoria de “Inverno da Alma” e “Bravura Indômita”. Sua aversão inicial a Rango, claro, vai se transformando aos poucos, mas ela continua caipira e durona até o final.
A trama de “Rango”, assinada por John Logan (“Gladiador”, “O Último Samurai”), homenageia os antigos faroestes, com seus pistoleiros solitários, cidades empoeiradas e a luta de um homem contra a corrupção do poder e da moral. Uma banda de corujas violeiras mexicanas funciona quase como um coro das tragédias gregas — comentando a ação e anunciando o possível destino do protagonista. Assim, ao mesmo tempo em que assume os clichês do gênero, o filme os subverte.
O que iluminará Rango e o fará compreender o seu papel na pequena cidade é o verdadeiro espírito do oeste — representado por um sujeito à la Clint Eastwood, com cara de poucos amigos, alguma amargura e muita sabedoria adquirida pela vida.
A produção caracteriza-se por uma atenção especial para detalhes, tanto dos cenários, quanto dos personagens. Estes, aliás, não se curvam à ditadura do cinema infantil, que em geral pede criaturas fofinhas e engraçadinhas. Em “Rango”, a bicharada é estranha, chega a ser feia mesmo, e não desperta simpatia num primeiro contato. Mas, com o bom humor e diálogos certeiros, eles ganham o público.
E como diz um personagem em um clássico do gênero, “O Homem Que Matou o Facínora”: “Se a lenda é maior do que a verdade, imprima-se a lenda”. Mas a verdade é que Rango entra para a história do Velho Oeste como uma lenda — estranha, é certo, mas ainda assim, uma lenda.
(Por: Alysson Oliveira – Rede Brasil Atual)
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