Allan Robert P. J.
Uma velha piada sobre os equívocos da humanidade:
Um homem e uma mulher se encontram no fim do mundo. Nada está inteiro, só ruínas. As formigas tomam conta de tudo, estão por toda a parte. O homem está sentado sobre os escombros de uma construção, nu. A mulher, também nua, se senta perto dele. Não dizem uma palavra, mas têm a consciência de serem os únicos sobreviventes humanos. Juntos observam as formigas. Milhões de formigas. De repente, uma voz que parece vir das nuvens fala num tom amigável:
– Um dia eu lhes disse que vocês herdariam a Terra…
O homem e a mulher se olham, se reconhecem, reconhecem o local e dizem:
– É verdade! Mas olhe o que nós fizemos. Isso aqui antes era o paraíso e nós o destruímos.
– …Sim, mas agora sabemos onde erramos e o que devemos evitar. Se pudéssemos ter uma outra chance…
A voz, constrangida, responde:
– Desculpem, deve haver algum engano. Eu me referia às formigas.
Comparar um estádio de futebol aos domingos (ou o Coliseu, séculos atrás) com um formigueiro é natural; assim como a saída do supermercado com formigas em volta de um torrão de açucar. Na realidade (mesmo que alguns tenham dificuldade em lembrar) somos animais e temos comportamentos similares. Portanto, nada de estranho. A analogia poderia ser com as abelhas, uma manada de búfalos ou um cardume de peixes. Ou um grupo de baleias (uma espécie de peixe-búfalo).
Não me surpreende o movimento frenético do ser humano, nem a movimentação constante de material e alimentos. Comparo sem admiração as nossas proezas arquitetônicas em cavar túneis ou construir prédios que mais parecem com entradas de formigueiros, afinal, as formigas fazem o mesmo sem máquinas ou equipamentos. Nossas estradas são cópias mal feitas das trilhas produzidas pelo movimento organizado delas, que, mais práticas, se adaptam às mudanças geográficas e não perdem tempo com cimento, asfalto e escoamento pluvial. Quando há necessidade, abandonam a velha trilha e partem em outra direção.
O que diferencia o homem dos animais é a capacidade de pensar (que poderia ter sido distribuída de forma mais homogênea, concordo), ter consciência da própria existência e modificar o ambiente para satisfazer às suas necessidades. E rir. Tínhamos um cachorro que ria e tomava cerveja, mas era somente uma exceção que confirmava a regra.
Depois de uma certa idade todos concordam que a vida é curta demais para ocupar-se de profundos conceitos filosóficos, mas não podemos perder de vista os valores que permitiram que a aventura humana se prolongasse até os dias atuais. E é essa a questão que tem passado despercebida e que atrai a minha curiosidade.
Lembro que tentaram ensinar-me sobre céu, inferno e purgatório quando era criança. Sinto-me velho como um esqueleto de dinossauro quando ouço alguém falar de céu e inferno hoje, pois aboliram o purgatório. O que se aprende hoje é que quem é bom vai pro céu e quem é mau vai pro inferno. Não há meio-termo nem um lugar onde purificar a alma para poder entrar no céu. O resultado é que após cometer o primeiro erro, o jovem já não se preocupa com o céu e opta por tirar o maior proveito deste mundo e de quem nele habita.
Como numa colônia, cada um tem uma função: operários vão em busca não só de alimentos, mas de tudo aquilo que pareça ser necessário à manutenção e ao crescimento do formigueiro. Os machos para fecundar a rainha e ela, a própria rainha, que irá gerar os novos operários que irão manter tudo funcionando. Quando a rainha não produz operários na velocidade desejada, morre e dá lugar a uma nova rainha. Esse é um conceito que ainda não assimilamos, mas que poderia ser útil.
Quando uma catástrofe se abate sobre o formigueiro, as operárias lutam até que o formigueiro seja completamente destruído, ou até que o tamanduá sacie a sua fome. Logo depois as formigas reconstroem tudo e a rotina se refaz. Formigas são incapazes de prever o apetite dos tamanduás ou de montar estratégias para desestimulá-los (colocar uma formiga envenenada na entrada, por exemplo). Apenas reagem quando há necessidade ou quando aparece o tamanduá.
Os jornais e TVs italianos despejam diariamente as imagens de uma guerra que começa a se alastrar. Trípoli e Manama, no entanto, parecem realidades longe demais, vendo as pessoas se preocuparem com o roteiro das férias que se aproximam. O retorno a uma determinada cidade será descartado porque o hotel não tinha ar-condicionado, da mesma forma que o paraíso no Mar Vermelho montado para os milhares de turistas europeus corre o risco de ficar vazio, por estar mais próximo à zona de conflito. Ou, em outras palavras, o calor incomoda.
A guerra e as partidas de futebol são distantes da maioria das pessoas. Confundem-se com as outras ficções apresentadas pela Tv e provocam efeitos similares: você pode ser contra ou a favor. Participar é para poucos.
A fantasia criada pelo Coliseu, pelos estádios, estradas e supermercados lotados, oferece a ilusão de que o formigueiro é eterno. Passada a catástrofe basta reconstruí-lo e a rotina será retomada. Divirto-me quando penso que estamos cada dia mais parecidos com as formigas, que não têm céu nem inferno, mas têm o tamanduá. Ou parecidos com um grupo de baleias, em constante mutação genética, cada vez mais gordos.
O que me assusta é que o ser humano começa a parecer diferente do ser humano.
Veja o vídeo: A guerra que você não vê (The War You Don’t See John Pilger) – legendado.
**Allan Robert P. J., carioca de nascimento, tem 51 anos, viveu em Embu (SP) por quase duas décadas e lá se casou com Eloá, em 1987. Mudou para Salvador (BA) onde estudou Economia e o casal teve duas filhas. De lá, foram para a Itália, onde vivem atualmente. Allan é micro empresário do ramo automotivo, e Eloá trabalha no ramo de alimentação. Ambos têm raízes (amigos e parentes) na ‘ponte’ Embu-Assis-SP. Allan é irmão dos advogados Bruce P. J. e Dawidson P. J., radicados em Embu. Dawidson já foi do primeiro escalão da Assessoria Jurídica da Prefeitura de Embu no governo Geraldo Puccini Junior (1993-96), e ambos já participaram da diretoria da subsecção da OAB de Embu”.