Allan Robert P. J.
Em Salvador, lembro das pessoas que chegam em uma fila, ficam ali o suficiente para que chegue um outro e pedem para guardar o lugar alegando ter alguma outra coisa a fazer. Tornam depois de vinte minutos e, com a maior cara de pau, retomam o que seria o seu lugar na fila. Não raro (direi até que com uma larga frequência) o sujeito que pensava ser o quinto da fila descobre ser o décimo-oitavo. No início você estranha, mas depois se habitua aos costumes locais e já não se importa. Após alguns poucos anos resolvi quebrar a corrente: quando alguém à minha frente pedia para guardar o lugar, eu avisava que se saísse da fila não o deixaria voltar. E não deixava. No início as pessoas estranhavam. E depois, também.
Na Itália as pessoas são mais acostumadas às filas (resquícios do tempo da guerra, dizem) mas sempre procuram um modo cortês de furá-las. À exceção dos pedágios nas estradas durante o verão. Nessas ocasiões, os fura-filas aparecem por todos os lados e provocam a revolta dos que aguardam a vez. Ocorre de os fura-filas serem obrigados a parar pouco mais adiante, por causa dos engarrafamentos que proliferam nas férias e serem surrados por alguns motoristas menos pacientes. Ninguém se oferece como testemunha da agressão, quando a polícia chega (ela chega sempre, ainda que tarde) pois todos tem vontade de fazer o mesmo.
As agências bancárias tem poucas filas, uma vez que é possível fazer quase tudo por telefone, fax, internet, etc. Mas também porque muita gente prefere guardar o dinheiro embaixo do colchão. Literalmente. Nos supermercados é como em qualquer lugar: filas, carrinhos pra todo lado, a família que faz compra unida, enfim, o inferno. Não existe empacotador e na maioria dos supermercados você deve empacotar a própria compra. E pagar pelo saco plástico (biodegradável desde 1º de Janeiro de 2011).
Nos museus você não só deve enfrentar a fila em silêncio, como tem que pagar para entrar. E geralmente os museus são divididos em áreas, onde você terá de pagar novamente. Bilheteria de cinema e teatro: fila. Balcão da loja de material de construção: fila. Caixa de qualquer loja: fila. Caixa do café ao meio-dia: fila. Entrada da discoteca: fila. Correios (que também funcionam como banco): fila. Nos hospitais e órgãos públicos: fila. Filas, filas e mais filas.
Como a mão-de-obra custa caro por estas bandas (um operário que trabalhe oito horas por dia, cinco dias por semana, ganha, em média, €$ 1.100), é normal encontrar pequenos bares, lojas, boutiques e até cinemas onde só trabalha uma pessoa. E você deve aguardar paciente e civilizadamente a sua vez. Ou ouvir um monte de desaforos do cliente que está sendo atendido e da pessoa que o atende.
Nos tempos da guerra-fria (agora parece que a guerra esquentou, né?) contava-se que na Rússia um grupo de brasileiros parou à frente de um poste, formando uma pequena fila. Meia hora depois, cansados da brincadeira, tinham medo de ir embora, pois uma fila monstruosa se formara atrás deles. Os russos eram tão habituados às filas que entravam nelas sem perguntar. Aqui, as pessoas só não fazem fila pra comer, pois são acostumadas a fazer reservas nos restaurantes. Uma mania de gente civilizada.
Isso sem contar o trânsito das grandes cidades como Milão, ou das cidades turísticas como Florença. Ou, ainda, as estradas no período de férias. Mas para quem já enfrentou a fila da balsa para Ilhabela, em São Paulo, ou qualquer rua dos Jardins (Sampa) na hora do rush, isso aqui é fichinha.
A organização das filas não falha. Existe um emissor de tiquet numerado, onde você pega um papelzinho assim que chega e fica aguardando. Um painel eletrônico mostra o número da vez e emite um sinal sonoro para chamar a sua atenção. O painel informa o caixa ou guichê ao qual você deve se dirigir. Não tem como furar a fila. Quer dizer, tem. Os brasileiros aprenderam a pegar dois, três tiquets e ficar esperando a chegada de algum conhecido para presentear. Da mesma forma, procuram pelos amigos nos órgãos públicos. Até o consulado brasileiro em Milão trabalha com os tais tiquets.
Há alguns anos estive em Salvador e quase fui vítima de uma fura-filas. Naquele estilo baiano: “vou ali, volto já. Pode guardar o meu lugar…?”. Obviamente informei à senhora em questão que ela perderia o lugar e ela se indignou.
…E eu estava na fila do acarajé!
**Allan Robert P. J., carioca de nascimento, tem 51 anos, viveu em Embu (SP) por quase duas décadas e lá se casou com Eloá, em 1987. Mudou para Salvador (BA) onde estudou Economia e o casal teve duas filhas. De lá, foram para a Itália, onde vivem atualmente. Allan é micro empresário do ramo automotivo, e Eloá trabalha no ramo de alimentação. Ambos têm raízes (amigos e parentes) na ‘ponte’ Embu-Assis-SP. Allan é irmão dos advogados Bruce P. J. e Dawidson P. J., radicados em Embu. Dawidson já foi do primeiro escalão da Assessoria Jurídica da Prefeitura de Embu no governo Geraldo Puccini Junior (1993-96), e ambos já participaram da diretoria da subsecção da OAB de Embu”.
Quando vier a Sampa, vem em casa. Fora o problema de quizilas, vou pensar em como driblar, minha mulher faz o acarajé, eu forneco a cachaca, tudo sem filas e de gratis. O ruim é só a companhia, minha, pois Elis é maravilhosa. Traz Eloah pra ter tricotagem, ou ninguem vai poder falar de futebol saudosismo e muié…
O da Dona Laura, continua tumultuado…