Allan Robert P. J.
A família Agneli está para a Itália assim como… Bem, assim como a família Agneli está para a Itália. É difícil uma comparação, neste caso. Poderia dizer “assim como os Kennedy para os Estados Unidos”, mas seria minimizar o poder político da família italiana. Poderia, ainda, compará-la à família real brasileira, mas seria forçar um glamour que nunca tivemos. Muito do que a Itália é hoje, deve aos Agneli. Assim como Chatô* fazia aprovar leis no Brasil que o beneficiavam, os irmãos Gianni e Umberto Agneli contaram com o auxílio do Congresso Italiano cada vez que a empresa fundada por Edoardo Agneli (pai de ambos) necessitou.
A morte de Umberto Agneli em 2004, dezesseis meses após a morte do grande líder da Fiat, o irmão Giovanni, encerrou a saga da mais importante e influente família italiana contemporânea. As irmãs, filhos sobreviventes e sobrinhos não têm força para manter a hegemonia herdada.
Os irmãos Agneli transformaram a empresa de família no maior e mais importante grupo industrial do país. O vazio deixado pela perda de Umberto provocou uma enorme dúvida quanto à condução da empresa, já cambaleante, minimizada, em parte, com a escolha relâmpago de Luca Cordero de Montezemolo como novo presidente. Montezemolo, além de eterno presidente da Ferrari, acabara de ser eleito presidente da Federação Industrial Italiana. Mas a saída de cena do último Agneli abalou de forma definitiva o ânimo da nação italiana.
“Nevou? Governo ladrão!”
Outro fator que tem contribuído para a sensação de fim de festa que vem enfrentando a Itália é a atual penúria econômica causada pela valorização do euro. Aqui se diz: “Nevou? Governo ladrão!” Não se pode creditar a queda das exportações italianas somente aos erros do Governo, mas é mais divertido aproveitar a oportunidade para criticá-lo. Neste momento o primeiro-ministro Silvio Berlusconi parece indefeso como um sapo levando pauladas: buscando uma brecha para escapar, nem se lembra de criticar os hábitos de consumo da população. O italiano gosta de afirmar que consome alimentos genuinamente italianos, mas todo o resto deve ser produto estrangeiro. Americano, de preferência.
Além disso, é difícil levar a sério um país onde haja leis que permitam o falimento de times de futebol. Principalmente em se tratando do país que inventou a filosofia do “pão e circo”. O time da Fiorentina faliu há alguns anos e o nome oficial não pode ser utilizado pelo time que se formou a partir do seu espólio. O time do Napoli também depositou um pedido de auto-falência, anos atrás. E para meter o dedo na ferida, gostaria de lembrar que os grandes craques do futebol italiano ainda são os estrangeiros. Os jovens talentos italianos têm muito pouco espaço para crescer no mar de estrelas de outras nacionalidades. Além da avalanche dos gansos e patos brasileiros que continuam chegando, outros sul-americanos e estrangeiros de toda a parte vêm jogar aqui. Saadi Kadafi, o filho do coronel líbio, jogou no Perugia (“jogou” é bondade da minha parte).
O eterno escândalo do futebol nunca foi novidade: Jogadores, dirigentes e até árbitros são investigados pela temível Guardia di Finanza por manipulação de resultados em algumas partidas. O medo da Finanza se justifica quando se sabe que ela só entra em ação após ter recolhido provas do delito. A investigação é mera formalidade. A lembrança da Copa de 1982 vem à tona, com Paolo Rossi que tornava aos campos após dois anos impedido de jogar por ter participado numa maracutaia idêntica, à época. Jornais e televisão aproveitam qualquer oportunidade como treino para o verão, quando a diversão será flagrar jogadores e outros vips em locais badalados em companhia de outros(as) vips ou candidatos(as), em situações comprometedoras. O corre-corre dos jornalistas só será menor que o corre-corre dos vips que terão pouco tempo para não serem flagrados.
Os últimos grandes ídolos do futebol italiano aproveitam para engrossar o caldo que entristece o prato do quotidiano italiano: a maioria está no fim da carreira e deve se contentar com muitas horas passadas nos bancos, como reservas, sem ver jovens italianos que os substituam. Há muito os treinadores são obrigados a trabalhar com os jogadores escolhidos pelos patrocinadores, numa prática muito conhecida por nós, brasileiros. E eles, os velhos ídolos, sabem terem se distanciado do perfil traçado pelos grandes anunciantes.
O ciclismo – uma grande paixão italiana – está minado pelo dopping. Em todas as competições atletas são presos por uso de substâncias proibidas. Marco Pantani (o Pirata) morreu sozinho em um flat na cidade de Rimini em condições suspeitas, após ter abandonado carro e celular em Milão. A indiscrição de agentes que investigavam o caso deixou escapar que um pó branco teria sido encontrado próximo ao atleta. Cristina, a ex-namorada suíça de Pantani, por quem ele tinha enorme devoção, declarou numa entrevista (coagida sob sabe-se lá quais argumentos) que se distanciou do ídolo quando, após três meses consumindo drogas ao lado dele, deu-se conta do tamanho do abismo em que caía. Declarou: “Eu usava droga com a euforia dos novatos. Marco as consumia em doses industriais.” Pobre Pirata…
Os Agneli eram os verdadeiros reis da Itália, muito mais que aqueles da Casa Savoia. Berlusconi pretende sê-lo. Paolo Rossi e Pantani ocuparam o trono por breves períodos. Hoje o rei é Ganso, que ainda nem foi contratado pelo Milan, o time do primeiro-ministro Silvio Berlusconi. A imagem de um Ganso comportado e educado – ao contrário do ex-imperador Adriano – está bem dentro dos padrões do marketing das multi. Aos descendentes dos Agneli, restou o glamour.
*Chatô – Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo (1892-1968), megaempresário de comunicação brasileiro, dono dos Diários Associados, foi o homem mais influente da mídia brasileira por décadas, entre os anos 1930-1960. Criou o primeiro canal de TV no Brasil (Tupi, 1950). Fundou o MASP – Museu de Artes de São Paulo. Durante o governo de Getúlio Vargas, Chatô chegou a cunhar a frase: “Se a lei é contra mim, vamos ter que mudar a Lei”. No auge de seu poder, chegou a ter 34 jornais, 36 emissoras de rádio, 18 estações de televisão, uma agência de notícias, uma revista semanal (O Cruzeiro), uma mensal (A Cigarra), várias revistas infantis e uma editora.
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**Allan Robert P. J., carioca de nascimento, tem 51 anos, viveu em Embu (SP) por quase duas décadas e lá se casou com Eloá, em 1987. Mudou para Salvador (BA) onde estudou Economia e o casal teve duas filhas. De lá, foram para a Itália, onde vivem atualmente. Allan é micro empresário do ramo automotivo, e Eloá trabalha no ramo de alimentação. Ambos têm raízes (amigos e parentes) na ‘ponte’ Embu-Assis-SP. Allan é irmão dos advogados Bruce P. J. e Dawidson P. J., radicados em Embu. Dawidson já foi do primeiro escalão da Assessoria Jurídica da Prefeitura de Embu no governo Geraldo Puccini Junior (1993-96), e ambos já participaram da diretoria da subsecção da OAB de Embu”.