* Allan Robert P. J.
Quem nunca comeu queijo com goiabada levante o dedo lambuzado. Carlo Petrini, fundador e presidente da entidade Slow Food, é uma daquelas pessoas que acreditamos só existirem nos filmes. Para defender tradições culinárias, ele conversa com pessoas tão diversas quanto o príncipe da Inglaterra em seu castelo, e pastores chineses produtores de queijo de leite de iaque. Trata-se de um progressista que acredita num estilo de vida menos estressante, mas nem por isso passiva ou somente contemplativa, onde a importância não está apenas no resultado final do que se põe à mesa, mas no ritual das tradições encontradas em todo o percurso, do campo ao prato.
Aluno aplicado por obrigação do ofício e prazer, fui desenvolvendo uma afinada capacidade como provador de queijos italianos. Não apenas os produtos DOP (Denominação de Origem Protegida), mas também os queijos regionais, de produção artesanal e consumo restrito a pequenas localidades. E, acreditem, existem pequenos tesouros a serem garimpados por toda a península italiana. De nada adiantaria citar nomes de produtos que jamais serão encontrados no mercado brasileiro, mas a idéia do queijo com goiabada mostra um caminho a ser percorrido.
Quando no Brasil, participei de algumas noites de queijos e vinhos, onde todos se empanturravam de dezenas de queijos diferentes e se embriagavam de vinhos nem sempre de qualidade. Meus professores e tutores provavelmente teriam uma crise histérica digestiva, caso deparassem com uma daquelas mesas. Eles aconselham, enfaticamente, um máximo de quatro tipos de queijos. O que não encurta o programa entre amigos.
Inicialmente, escolha quatro tipos de queijos com características muito diferentes, como uma mozzarella de búfala, um queijo de cabra suave, um pecorino maturado e um último queijo com sabor decididamente mais forte, como um Bito. Na impossibilidade do pecorino e do Bito, substitua-os por um queijo de Minas bem curado e um pedaço de Grana Padano. Mas não restrinja a lista, o importante é a seqüência. Não encontra a mozzarella de búfala? Substitua-a por algo muito suave. Torce o nariz para queijos de cabra? Experimente com camembert ou brie. Também não tenha medo de incluir um Stilton, um Roquefort ou um Gorgonzola, mas tenha o cuidado de deixá-los por último. Ou seja, os de sabor mais delicado serão servidos primeiro, deixando os mais marcantes por último. E não me perguntem sobre vinhos. Estou me tornando conhecedor de queijos, o vinho deixo por conta dos amigos enólogos.
Um queijo pode ser degustado como se degusta um vinho, desde que ambos sejam de qualidade. Aliás, o processo de degustação aproveita as mesmas expressões em ambos os produtos. O ideal seria ter a forma inteira do queijo, mas se você não estiver interessado em tornar-se um provador de queijos, pode contentar-se com apenas um pedaço dele. Caso esse pedaço se encontre em uma embalagem a vácuo, retire-o da embalagem original, enrole-o em uma folha de papel manteiga ou papel forno e deixe-o na parte menos fria da geladeira por pelo menos um dia, para perder o cheiro e o sabor do plástico. Da mesma forma, deve ser retirado da geladeira uma hora antes de ser consumido.
Prove o queijo servido em fatias que contenham todas as informações, com um pedaço da crosta (caso haja), para poder perceber as diferenças entre as diversas partes do produto. Antes de levá-lo à boca, procure descrevê-lo através dos aspectos visíveis, descobrir perfumes que serão confirmados – ou não – e discuta-os com os amigos. Uma vez saboreado, analise a textura, consistência, referências iniciais que desaparecem e o sabor residual uma vez deglutido. Reconhecida a qualidade e analisadas as características, insista no queijo, dessa vez com o vinho. Tenha um pequeno arsenal de geleias, mel de diversas flores, frutas (pêra ou nozes com Gorgonzola é um hábio por aqui) e até uma garrafa de Sambuca ou Arak.
Com exceção da mozzarella de búfala, que tem um sabor extremamente delicado (ou de uma burrata pugliese, por exemplo), não tenha receio de servir-se de uma fatia daquele queijo de cabra com um anel de mofo cremoso, com uma colher de geleia de laranja e um fio de Sambuca, mas lembre-se de parar antes de se empanturrar: os outros estarão olhando. E é claro que se o queijo levar um pouco de geleia ou mel, o vinho também muda. Um Passito ou um outro vinho licoroso é ideal nessas situações. Repita a operação degustativa com cada queijo e você verá que a noite pode tornar-se traiçoeiramente curta.
Alguém esperava uma lista definitiva? Desculpe, não existe. Poderia sugerir algumas seqüências extremamente pessoais, mas seria difícil achar, no Brasil, produtos como o Cacciocavallo Silano DOP, produzido na Calábria, um Pecorino della Garfagnanna (Toscana), um Caprino di Cavalese (Trentino Alto Adige), uma Paglierina (Piemonte), um Ragusano DOP (Sicília) que está entre os meus preferidos, ou mesmo o famoso Bra d’alpeggio DOP, produzido na região de montanha da província de Cuneo, em Piemonte. E não tenha dúvida: uma fatia de queijo Minas meia-cura com goiabada é muito chique. Carlo Petrini um dia descobrirá essa nossa tradição e irá lutar pela sua preservação.
**Allan Robert P. J., carioca de nascimento, tem 51 anos, viveu em Embu (SP) por quase duas décadas e lá se casou com Eloá, em 1987. Mudou para Salvador (BA) onde estudou Economia e o casal teve duas filhas. De lá, foram para a Itália, onde vivem atualmente. Allan é micro empresário do ramo automotivo, e Eloá trabalha no ramo de alimentação. Ambos têm raízes (amigos e parentes) na ‘ponte’ Embu-Assis-SP. Allan é irmão dos advogados Bruce P. J. e Dawidson P. J., radicados em Embu. Dawidson já foi do primeiro escalão da Assessoria Jurídica da Prefeitura de Embu no governo Geraldo Puccini Junior (1993-96), e ambos já participaram da diretoria da subsecção da OAB de Embu”.