A Cleptocracia em vigor

Os casos de corrupção em Taboão da Serra, Campinas, nas obras da Copa de 2014 e do Rodoanel são apenas sinais de uma doença maior no tecido social brasileiro

*Márcio Amêndola

Segundo a Wikipédia, a enciclopédia livre da internet, “a palavra Cleptocracia, de origem grega, significa literalmente “Estado governado por ladrões”. A cleptocracia ocorre quando uma nação deixa de ser governada por um Estado de Direito imparcial e passa a ser governada pelo poder discricionário de pessoas que tomaram o poder político nos diversos níveis e que conseguem transformar esse poder político em valor econômico, por diversos modos.
O Estado passa a funcionar como uma máquina de extração de renda ilegal da sociedade, isto é, da população como um todo, em contraposição à máquina de extração de renda legal, o sistema de cobrança de impostos, taxas e tributos dos Estados que vivem em um regime não cleptocrático.

Todos os Estados tendem a se tornar cleptocratas se não ocorrer um combate real pelos cidadãos, em sociedade. Em economia, a capacidade de os cidadãos combaterem a instauração do Estado cleptocrático é fortemente correlacionada ao capital social da sociedade. A fase “cleptocrática” do Estado ocorre quando a maior parte de sistema público governamental é capturada por pessoas que praticam corrupção política”.
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Cleptocracia)

Os acontecimentos políticos verificados em Taboão da Serra e Campinas, com a prisão de funcionários públicos que deveriam zelar pela cobrança dos impostos e até de vereadores que participaram do ‘butim’, são apenas algumas das arestas desse imenso iceberg que se transformou a política da corrupção no Brasil.

Certa vez, ao entrevistar um candidato a prefeito de uma cidade da região Sudoeste da Grande São Paulo (agora iluminada pelos holofotes da imprensa nacional), o cidadão ‘surtou’ na minha frente, ao ser perguntado do porque desejar tanto o governo da cidade, ao que ele respondeu, para meu espanto, mostrando uma caneta em suas mãos: “Está vendo essa caneta, Márcio? Quem tem esta caneta, tem o poder, o po-der! Eu quero esta caneta, com ela vou mudar o mundo!”. Fiquei particularmente assustado. Pior que isso, só um outro candidato da mesma cidade, que na mesma ocasião, ao apresentar seu cão pastor alemão de cor negra (raça chamada de ‘capa-preta’) à nossa assustada repórter Mariângela Graciano, o chamou de ‘Mandela’, afirmando ser uma ‘homenagem’ ao líder contra o Apartheid na África do Sul. Delírios e racismos à parte, este tipo de gente acaba se elegendo e decidindo sobre o destino dos cidadãos em municípios, Estados e até Países.

Agora, com a escolha do Brasil para sediar a Copa do Mundo de 2014, os noticiários demonstram a incapacidade do Brasil em sediar tal evento devido aos atrasos em praticamente todas as 12 sedes escolhidas nos Estados, onde nenhum dos estádios está nem perto de ser concluído, seja nos que serão reformados ou construídos. Aí penso: ora, pois, o atraso faz parte de todo esse jogo de cena dos corruptos da tal Cleptocracia das Fifas e CBFs da vida. Quanto mais atraso, mais ‘obras emergenciais’ e mais corrupção. Qualquer brasileiro, por mais humilde e sem instrução que seja, sabe que não se gasta UM BILHÃO DE REAIS pra se fazer um estádio de futebol, que dirá uma simples reforma como a do Maracanã, no Rio de Janeiro.

Ou seja, seremos ROUBADOS, TUNGADOS, AFANADOS, mas não simplesmente por ‘Estados Governados por Ladrões’ apenas, porque onde há corrompidos, há corruptores. Neste caso, as grandes construtoras brasileiras, onde a palavra ‘propina’ é de uso corrente, e onde ninguém fica mais ruborizado ao preparar malas ‘zero-zero-sete’ recheadas de dinheiro para o butim da semana, do mês, do ano.

Com UM BILHÃO DE REAIS se construiu meio Rodoanel. Quer dizer, o Trecho Oeste, porque o Trecho Sul já custou 5 BILHÕES DE REAIS, porque, afinal de contas, os cleptocratas aprimoram sua técnica com a repetição. Que importa se algumas vigas da rodovia irão cair sobre a cabeça dos incautos, se ‘meia dúzia’ (tradução, meio milhão) de árvores vão ser derrubadas, em nome do progresso e da ‘comissão’? E assim segue a nave do Brasil, mais alguns bilhõezinhos de nossos impostos são enterrados nos buracos de alguns maracanãs da vida, e assistimos a tudo estarrecidos.

O que os cidadãos precisam fazer é descruzar os braços e exigir da justiça e do ministério público mais ação e menos letargia. Porém, ao ver Pimenta Neves ser conduzido carinhosamente à prisão, onde permanecerá por longos DOIS ANOS por matar uma jovem pelas costas, covardemente, após 11 anos do crime praticado; ao ver jovens de classe média aguardando alegremente em liberdade anos a fio, por terem ateado fogo e matado mais um mendigo (quem se importa?); ao ver deputados ruralistas APLAUDINDO o assassinato de um casal de ativistas ambientais do Pará, chego a duvidar que exista alguma saída pela via institucional para esse estado de coisas.

A democracia, nos moldes que a praticamos levará realmente a sociedade a algum lugar? Buscar o verdadeiro Estado Democrático e de Direitos previsto em nossa Constituição exige mais que discursos, mais que intenções. O problema está no recrutamento dos verdadeiros e honestos cidadãos que desejam se alistar para esta espinhosa missão.

 

 

(Márcio Amêndola é jornalista, estudante de História-USP, coordenador de Documentação Histórica do Instituto Zequinha Barreto e editor do Fato Expresso Online)