A Itália é uma península, um pedaço de terra que se aventura no mar. Há um bocado de tempo era um amontoado de ilhas, até que o mar foi se retirando e as ilhas se transformaram em montanhas. Onde antes havia o fundo do mar, agora existem cidades. Duas as consequências nos dias de hoje: a qualidade da água e um estreito relacionamento com o mar.
A neve que cai nas montanhas não penetra fundo no solo ao derreter, permanecendo muito pobre em sais minerais. Essa é a água mineral que se consome por aqui. Quase enlouqueci até achar uma que matasse a minha sede. As planícies contêm um alto teor de calcário, obrigando ao uso de água desmineralizada em ferros de passar a vapor e de produtos anti-calcário em máquinas de lavar louça e roupa. Beber da torneira não causa pedras nos rins, mas tem um sabor desagradável.
Já a ligação com o mar se vive de diversas formas, mas a principal é na cozinha. É um erro achar que a culinária italiana é restrita a massas. E aqui vai uma amostra. O cacciucco é uma sopa de peixes (não faça caretas!) muito saborosa e fácil de fazer. É quase um ensopado com um pouco mais de caldo.
Cacciucco Livornese (Porção para 6 pessoas):
2 kg de peixes pequenos, incluindo umas poucas sépias* e dois polvos pequenos;
0,5 kg de tomates bem maduros;
3 dentes de alho;
2 pimentas malagueta vermelhas;
½ copo de vinho branco;
6 fatias de pão pugliese (pão italiano redondo);
2 copos de azeite de oliva;
Água;
Sal.
Use a sua criatividade. Os peixes utilizados não nadam no nosso mar, mas não chegam a ter um sabor particular. São peixes fáceis de encontrar e que custam pouco. Scorfano (uma espécie de peixe escorpião), capone, palombo, piccole cicale, tracine, são todos peixes pequenos com pouca espinha. Considerando uma média de 300 gr por peixe, basta um de cada tipo. Você vai precisar ainda de um pouco de sépia e de polvos pequenos (caso não os encontre, substitua por um polvo médio cortado em partes pequenas).
Corte à metade um dente de alho, toste as fatias de pão na frigideira, esfregue o alho em ambos os lados e divida as fatias em seis pratos fundos. Em uma caçarola larga ponha o azeite de oliva, o alho amassado e a pimenta em pedaços. Quando o alho estiver começando a dourar, coloque a sépia, o polvo e deixe cozinhar em fogo baixo por alguns minutos com a tampa. O tempo de cozimento varia de acordo com o tamanho do polvo. Quando este adquirir uma consistência macia, estará cozido. Acrescente o vinho e deixe evaporar um pouco, junte o tomate sem pele e sem sementes, um pouco de água e sal. Quando começar a ferver coloque os peixes cortados em pequenos pedaços. Deixe mais alguns minutos e sirva nos pratos, sobre as fatias de pão.
Quando Atlântida desapareceu no fundo do mar, levou consigo tesouros e segredos da civilização que nela vivia, assim como as Maldivas um dia levarão os sonhos de muitos turistas. No caminho inverso, a Itália trouxe algumas relíquias do mar quando emergiu. Encontrar fósseis marinhos no norte do país é comum, assim como o consumo de água mineral de montanha é a saída para preservar o paladar. E um prato de cacciucco acompanhado de um bom vinho tinto (não dou a menor bola para a regra de vinho branco com peixe) é uma herança digna de um grande império.
*Sépias são moluscos marinhos parentes do polvos. Como defesa expelem um líquido Nero (negro), que também se usa para cozinhar chamado… Nero di sepia!
**Allan Robert P. J., carioca de nascimento, tem 51 anos, viveu em Embu (SP) por quase duas décadas e lá se casou com Eloá, em 1987. Mudou para Salvador (BA) onde estudou Economia e o casal teve duas filhas. De lá, foram para a Itália, onde vivem atualmente. Allan é micro empresário do ramo automotivo, e Eloá trabalha no ramo de alimentação. Ambos têm raízes (amigos e parentes) na ‘ponte’ Embu-Assis-SP. Allan é irmão dos advogados Bruce P. J. e Dawidson P. J., radicados em Embu. Dawidson já foi do primeiro escalão da Assessoria Jurídica da Prefeitura de Embu no governo Geraldo Puccini Junior (1993-96), e ambos já participaram da diretoria da subsecção da OAB de Embu”.