Allan Robert P. J.
Numa troca de e-mails com um amigo, citei o livro “Zen e a Arte de Manutenção de Motocicletas”, do Robert M. Pirsig. Um daqueles livros que passavam de mão em mão na minha adolescência. Nele, alguns personagens se precaviam: “Ele sabe lidar com aquilo…”. “Aquilo” era a tecnologia da época.
Às vezes me identifico com aqueles personagens, avaliando o quanto nos distanciamos da palavra animal para sermos cada vez mais próximos da outra: racional. Não, não será um papo natureba, incentivando a andar nu e a só comer verduras cruas. É mais um cair de ombros impotente.
Além da constatação da minha dificuldade em lidar com tudo que tenha mais de seis botões (play, ff, rwd, stop, eject e on-off) ou possua conceitos abstratos. Tenho plena capacidade de compreender e avaliar conceitos concretos: um prato de feijoada é um prato de feijoada! Corolário: em dez minutos será um prato vazio. Taí um conceito do qual me orgulho em compreender como poucos! O curioso é que decidi estudar Economia, argumento abstrato que sempre me fascinou.
A Província de Milão espalhou milhares de câmeras em locais sob risco. Semáforos, bancos, consulados, prédios públicos e mais um monte de outros pontos de vigilância bisbilhotando tudo vinte e quatro horas por dia. Quem os controla? Como se não bastasse a sensação no cangote de estar sendo observado, a moda esquizofrênica big-brotheriana foi parar no satélite: há alguns anos a mesma província mede o volume de tráfego em tempo real, através da movimentação dos celulares. Mesmo os celulares desligados são captados e servem para informar o fluxo de veículos em qualquer horário. Informações que seriam fornecidas aos próprios usuários por preços módicos. Então, tá!
Num dos números da versão italiana da revista Sport Week, o esquiador Emilio Previtali (www.freeridespirit.com) dava algumas informações sobre o seu projeto de descer o Himalaia em snowboard. Com uma pequena mochila para acomodar alguns apetrechos tecnológicos que possibilitariam transmitir trechos da descida, esperava atrair os tão necessários patrocinadores. Prancha de snowboard leve (menos de um quilo) e adaptada a qualquer tipo de neve; corda de kevlar de sete milímetros de diâmetro; Arva system, um instrumento que permite localizá-lo caso seja soterrado por alguma avalanche; telefone celular satelitário, com conexão a 19.6 bps; palm top para gerenciar a navegação via web e para descarregar imagens e vídeos; máquina fotográfica digital de 5 megapixel, capaz de registrar não somente fotos, mas filmes e voz. Tudo isso interligado para possibilitar transmissões ao vivo, com alimentação através de um painel solar e pesando menos de um quilo. Não sei se a aventura me impressiona mais que o equipamento, ou o fato de tudo isso já estar obsoleto.
Depois dos localizadores para automóveis, que permitem acompanhar a movimentação de caminhões, mas que não impedem o furto de cargas, chegou o tempo de localizadores de pessoas, com micro chips implantados sob a pele. Mas esses também são incapazes de livrar seus portadores da violência. No país da pizza margherita são os cães que utilizam micro chips implantados sob a pele, com um código de barras (outra tecnologia enraizada no nosso quotidiano) contendo todas as informações sobre a origem e propriedade do animal. O que também não evita que eles sejam abandonados pelos seus donos no início do verão. Outro micro chip: o que transmite sinais nervosos diretamente do cérebro e permite a paraplégicos pequenas ações, numa espécie de telepatia on-line, tecnologia wireless. Um amigo perguntou se poderia substituir o viagra.
Todas as grandes lojas distribuem cartões fidelidade, que oferecem descontos e ofertas exclusivas. Não somente para estimular o consumidor a concentrar suas compras, mas, também, para montar o perfil padrão da clientela e enviar malas diretas, além de vender os dados cadastrais a terceiros. Um maluco da cidade (dizem que é maluco, eu ainda estou na fase de observação) vive sem dados: Tem um trailler de sanduíches e atende pelo apelido de “Beppe”. Não possui telefone, conta em banco nem cartão de crédito. Só paga em dinheiro e olha atentamente antes de tocar um produto no supermercado: tem medo de deixar suas impressões digitais ou gotas de suor, que podem fornecer seu DNA. Compra todos os produtos que toca. Trabalha de luvas. Sempre.
O engenheiro eletrônico norte-americano Mitch Altman inventou um objeto interessante que ele batizou de “TV-B-Gone”. Na realidade é um controle-remoto capaz de desligar todos os televisores nas proximidades em, no máximo, sessenta e nove segundos. Altman afirma que “uma televisão ligada em local público é como o fumo passivo”. A engenhoca é pequena como um chaveiro e possui um único botão. Segundo o inventor, ninguém – até o momento – teria se lamentado das tvs desligadas. Por quinze dólares o brinquedinho pode ser adquirido pela internet. Apesar de ser notícia velha, descubram onde comprar e me mandem um de presente. Esse é fácil de usar.
Não bastasse a tecnologia invadir e facilitar nossas vidas, privando-nos de descobertas e curiosidades simples, transformando-nos em seres capazes de desenvolver obesidade mental, agora a tecnologia revolta-se contra ela mesma. A guerra entre robôs começou antes mesmo daquela entre máquinas e homens. Por via das dúvidas, vou desencaixotar minha Lettera 22.
**Allan Robert P. J., carioca de nascimento, tem 51 anos, viveu em Embu (SP) por quase duas décadas e lá se casou com Eloá, em 1987. Mudou para Salvador (BA) onde estudou Economia e o casal teve duas filhas. De lá, foram para a Itália, onde vivem atualmente. Allan é micro empresário do ramo automotivo, e Eloá trabalha no ramo de alimentação. Ambos têm raízes (amigos e parentes) na ‘ponte’ Embu-Assis-SP. Allan é irmão dos advogados Bruce P. J. e Dawidson P. J., radicados em Embu. Dawidson já foi do primeiro escalão da Assessoria Jurídica da Prefeitura de Embu no governo Geraldo Puccini Junior (1993-96), e ambos já participaram da diretoria da subsecção da OAB de Embu”.