Cobrança de pedágio no trecho sul do Rodoanel começa nesta quarta, mas projeto original não previa cobrança
Na quarta-feira (24/8) começa a ser cobrado pedágio na pista Sul do Rodoanel, entre Embu das Artes e Mauá, rodovia que, quando finalizada, interligará todas as estradas que chegam à cidade de São Paulo. O valor será de R$ 2,50 – para carros de passeio. Atualmente, já existe cobrança de pedágio no trecho Oeste.
O consórcio SPMar, responsável pelo trecho, afirma que serão instaladas outras cinco antenas de celulares para tentar acabar com uma das principais reclamações na estrada: a falha de sinal, causando sérios problemas de segurança em várias partes do percurso. O mesmo consórcio iniciou, há uma semana, as obras do trecho Leste da rodovia. O trecho autorizado para construção até agora, tem apenas 1,5 km.
No momento em que aumenta a cobrança de pedágio no Rodoanel, é interessante rever o discurso do governo do Estado – que está nas mãos do mesmo grupo político (leia-se PSDB) há 17 anos – ao longo do tempo. O projeto original da estrada nunca previu a cobrança de pedágio. Em primeiro lugar, seria injusto, já que o público prioritário do Rodoanel era previsto para ser majoritariamente composto por veículos que já estão em rodovias, ou seja, já pagaram pedágios. Além disso, era importante que houvesse um incentivo para o uso do Rodoanel, já que se houvesse pedágio caminhões poderiam optar por continuar usando as vias de dentro da cidade de São Paulo para chegar às rodovias.
Promessas
Corroborando esse projeto, até 2005 não houve sombra da ideia de cobrança de pedágio no Rodoanel. Em entrevista à Folha em agosto de 2002, por exemplo, o então governador e candidato à Presidência Geraldo Alckmin (PSDB) afirmou categoricamente em entrevista à Folha de São Paulo que não haveria cobrança de pedágio na via. “Eu vou dizer que não vai ter [pedágio no Rodoanel] não é para ser agradável não. É porque eu sou coerente. Onde a concessionária faz a obra, não tem dinheiro do orçamento, é o pedágio que paga. Essa é a lógica da concessão. Não vai ter pedágio [no Rodoanel] porque a obra está sendo feita com recursos do Estado e do governo federal”. Afirmou Alckmin.
Naquele mesmo ano, no entanto, surgiu no governo a necessidade de atrair a iniciativa privada para a construção do Rodoanel, a fim de garantir fluxo de caixa e evitar atrasos, que têm marcado a obra até hoje. Só que, para evitar o desgaste político de quebrar a promessa de não cobrar pedágio na pista em pleno ano eleitoral, aventou-se a possibilidade de o governo bancar o pedágio, e não o usuário. Desconhece-se qualquer outra rodovia que use esse método. A ideia era tão heterodoxa que não vingou. Note-se que não houve qualquer debate sobre a pertinência da cobrança em relação ao que significa o Rodoanel para uma cidade. A possibilidade de espantar usuários jamais foi debatida em público.
Em 2006, a ideia de instalação dos pedágios começou a ser oficialmente debatida. Por diversos motivos, as vozes que se levantaram contra a ideia foram facilmente sobrepostas pelo argumento economicista padrão: não há dinheiro público para a obra. O interessante é que, no início, em plena crise econômica dos anos 90, havia dinheiro público. Já na metade final dos anos 2000, época de recuperação da economia e consequente aumento da arrecadação pública, esse dinheiro sumiu. O pedágio foi aprovado sem dificuldades, mesmo com a ‘descoberta’ de uma lei que impede a cobrança de pedágio em um raio de 35 quilômetros da Praça da Sé, marco zero da cidade de São Paulo.
Parece justo, mas não é !
O governo do estado conta com problemas estruturais da região metropolitana de São Paulo para justificar o pedágio sem qualquer sombra de culpa. O primeiro é que, sem qualquer controle público, as margens de diversas rodovias, notadamente a Castello Branco e a Raposo Tavares, viraram bairros de classe alta. Endinheirados de São Paulo, cansados da ‘falta de segurança’ e da falta de espaço na cidade, migraram para cidades vizinhas, criando condomínios fechados como Alphaville e Granja Vianna. O modelo, extremamente bem sucedido, povoou as rodovias com mansões. Obviamente, as favelas ao redor desses condomínios também cresceram, já que onde há ricos, há demanda para empregos como faxineiras, jardineiros e afins. Essa realidade jogou nas rodovias muito mais veículos do que ela era capaz de suportar.
Se na própria Capital o transporte público é precário, nas cidades vizinhas ele é inexistente. Uma das mais práticas maneiras de chegar à cidade de São Paulo é de carro. O aumento do uso do Rodoanel por veículos particulares de moradores próximos fez com que o pedágio parecesse justo. Enquanto isso, o investimento em transportes coletivos (Metrô, Trens) na Região Metropolitana anda a passos de tartaruga nos governos do PSDB.
Além disso, a explosão no número de carros em São Paulo – mais de 7 milhões só na capital – fez com que o custo de um caminhão parado em congestionamentos fosse maior do que o preço do pedágio. Dessa forma, mesmo que haja a cobrança, é mais vantajoso pagar. Posto dessa forma, parece justo. Não é. A prática está mais para o aproveitamento de um problema público para lucro privado. A cobrança só faria algum sentido se o valor arrecadado fosse usado para a melhoria do transporte coletivo, como acontece, por exemplo, com o pedágio urbano em Londres. Todo o dinheiro arrecadado vai para o sistema de ônibus, que melhorou sensivelmente desde a instalação da restrição de circulação. A maneira como são exploradas as rodovias no Estado, no entanto, impede que o pedágio tenha um caráter social. Ele serve apenas para o lucro privado.
(Por: Thalita Pires, Rede Brasil Atual)