Allan Robert P. J.
Amélia não é um nome que se encontra fácil por estas bandas. Eu não conheci nenhuma até agora. Abnegação e cumplicidade? Não diria. A mulher italiana está mais para Nelson Rodrigues que para Vinícius de Moraes.
No bar da cidade onde costumo tomar o café depois do almoço, as balconistas costumam ser mulheres, hábito comum na Itália. Entre meio-dia e meia e as duas da tarde os bares ficam inacessíveis. Entra-se, pede-se um café (que pode ser acompanhado de uma grappa) e dois minutos depois cede-se o lugar a um dos muitos que aguardam pacientemente a vez. São operários, motoristas e funcionários dos escritórios das diversas empresas vizinhas. Homens e mulheres que dividem não apenas o mesmo balcão, mas também um salário e emprego iguais, pesado ou não.
A igualdade vai além do emprego e do bar: falar palavrão e contar detalhes, numa roda de amigos, sobre uma noite quente entre lençóis, não é prerrogativa masculina. O discurso feminista seguiu um rumo próprio desde o primeiro sutiã queimado na península italiana.
Entre os italianos, pesa a imagem da mulher fácil sobre as brasileiras. Inútil tentar esclarecer que onde houver turista existirá alguém pensando em um modo fácil para convencê-lo a deixar ali todo o dinheiro. De preferência, com a promessa de voltar (com mais dinheiro). Prostitutas têm um olhar acostumado a identificar quem não é do local. E quando uso o termo prostituta, não me refiro somente a quem troca sexo por dinheiro, mas também quem aluga a própria companhia em troca de uma noite agradável, um jantar, uma bebida ou outra experiência que normalmente não teria acesso com a mesma facilidade. Sei que é um conceito um pouco vasto, mas temos que nos adaptar às mudanças.
Ouvindo as conversas pelos corredores, entre os amigos ou no bar, concluo que a mulher italiana é bem mais acessível do que a brasileira. Pelo menos aquela brasileira que não se enquadra no parágrafo anterior. Contribuem para reforçar a falsa imagem, o jeito amável da nossa gente, as prostitutas em cidades turísticas, a mensagem que o nosso governo sempre vendeu do Brasil turístico, com fotos de paisagens lindas e uma mulata sempre presente (contrastando com cartazes de outros países – como México e Egito – em que aparecem somente as paisagens), a maioria das brasileiras que encontramos por aqui.
Vejo a mulher brasileira como uma batalhadora, alguém que luta pelos próprios sonhos, que defende a união da própria família e sonha com o príncipe encantado. O tal príncipe, na versão italiana, deve ser rico, muito rico. O casamento italiano de hoje é uma convenção. A mulher italiana que permanece casada, o faz por falta de opções. Ou porque ficou caro demais manter uma casa sozinha.
O mesmo linguajar, os mesmos empregos, as mesmas possibilidades, a mesma liberdade. Tudo isso contribuiu para tornar a mulher italiana muito parecida com o homem italiano. Muitas nem chegam a se casar e garantem serem felizes assim. Motoristas, operárias ou faxineiras: todas têm a mesma aparência solitária e independente dos seus pares masculinos. No mesmo bar, o mesmo café, a mesma grappa.
É muito comum o homem italiano fazer programas e viagens desacompanhado. Num pacato vilarejo de montanha, conheço um comerciante que viaja ao Brasil com os amigos uma vez por ano. Todos são casados. Juram que é pelo programa… digamos, geográfico. As respectivas esposas pouco se importam e gozam a liberdade reconquistada. Provavelmente em companhia.
As italianas estão descobrindo que não precisam gastar em viagens ao exterior para aproveitar-se do caráter doce e quente dos estrangeiros. Todos os anos uma horda de africanos, sul-americanos e migrantes de outras plagas, aportam nos leitos mornos italianos. Quais serão as conseqüências? Ainda é cedo para decifrar. Ma uma curiosidade começa a chamar a atenção: as mulheres italianas que se rendem à convivência de parceiros de outras raças procuram adaptar-se ao modo de vida deles. Contrariando a própria família, sociedade e religião.
Vinícius, que viveu em Roma, talvez não encontrasse na Itália de hoje a inspiração para sua obra, melosamente romântica. Já Nelson Rodrigues faria a festa.
**Allan Robert P. J., carioca de nascimento, tem 51 anos, viveu em Embu (SP) por quase duas décadas e lá se casou com Eloá, em 1987. Mudou para Salvador (BA) onde estudou Economia e o casal teve duas filhas. De lá, foram para a Itália, onde vivem atualmente. Allan é micro empresário do ramo automotivo, e Eloá trabalha no ramo de alimentação. Ambos têm raízes (amigos e parentes) na ‘ponte’ Embu-Assis-SP. Allan é irmão dos advogados Bruce P. J. e Dawidson P. J., radicados em Embu. Dawidson já foi do primeiro escalão da Assessoria Jurídica da Prefeitura de Embu no governo Geraldo Puccini Junior (1993-96), e ambos já participaram da diretoria da subsecção da OAB de Embu”.