São Paulo – O Brasil concentra quase um décimo das mortes por homicídio ocorridas no mundo. Segundo estudo divulgado nesta quinta-feira (6) pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), foram registrados no país 43.909 assassinatos de um total de 468 mil no mundo todo. A população brasileira corresponde a menos de 3% dos habitantes do planeta.
“Temos 34,5 milhões de jovens de 15 a 24 anos de idade. Mais ou menos 19% desses jovens não estudam nem trabalham”, adverte Julio Jacobo Waiselfisz, que é o coordenador do Mapa da Violência do Brasil, um estudo feito anualmente. Em edições anteriores, o levantamento havia detectado os mesmos problemas apontados pela agência da ONU. “São na maioria jovens negros, da periferia, com baixo índice de escolaridade. São o caldo de cultura da criminalidade, da droga, que é o único caminho que a sociedade lhes deixou aberto.”
Os dados utilizados no levantamento dizem respeito ao ano de 2009 e foram fornecidos pelo Ministério da Justiça. Eles mostram que os crimes têm caminhado dos estados mais populosos em direção a pontos antes relativamente tranquilos. Alagoas, Pará, Rondônia e Mato Grosso são alguns dos que registram os piores índices. Waiselfisz explica que se trata de um fenômeno visto a partir da década de 1990. Os municípios fora das regiões metropolitanas começam a ter mais crimes registrados. Contrabando em fronteiras, crescimento de novos polos industriais e novas frentes de desmatamento explicam o deslocamento de eixo, somados a uma melhoria nos serviços de registros de dados em cidades menores.
Na América do Sul, a taxa é de 15,6 homicídios por 100 mil habitantes, quase o dobro da média mundial. Há grandes disparidades regionais. No Brasil, são 22,3, contra 33 por 100 mil na Colômbia e 49 por 100 mil na Venezuela. Na outra ponta estão o Chile, com 3,7 mortes, o Suriname, com 4,6, e o Peru, com 5,2, sempre em relação a cada 100 mil moradores.
Em números absolutos, a Colômbia fica na segunda posição regional, com 15.459 assassinatos, contra 13.985 da Venezuela. O que chama atenção da ONU é a grande mortalidade entre jovens do sexo masculino, bem diferente do que se vê no restante do mundo. A taxa de crimes entre os 20 e os 24 anos responde por 16% do total, seguida pelas faixas de 25 a 29 anos (14%) e de 30 a 34 (11%). “São jovens de classes muito baixas que abandonaram seus estudos porque as famílias não podem mantê-los. Como não têm estudo, não têm acesso ao trabalho. São jovens que não têm nenhum tipo de acesso às estruturas sociais”, lamenta o Jacobo Waiselfisz.
Por outro lado, a ONU elogiou a atuação do Brasil quanto às campanhas de desarmamento realizadas a partir de 2003 e às leis mais rígidas para o uso de armas. O relatório indica que estas políticas, somadas às adotadas localmente, explicam a forte redução da taxa de criminalidade em São Paulo, que passou de 20,8 homicídios por grupo de 100 mil habitantes em 2004 para 10,8 em 2009. “A diminuição dramática dos homicídios cometidos em São Paulo, a cidade mais populosa do Brasil, mostra que muito pode ser feito por meio de medidas preventivas e repressivas, tendo como foco fatores de risco específicos”, anota o estudo.
Para Jacobo Waiselfisz, a explicação passa por diferentes vertentes que acabam por se encontrar. Em uma ponta, houve uma melhoria do sistema de segurança pública do estado a partir do fim da década de 1990, em especial por conta de pressões da sociedade civil. Em outra, a criação do Plano Nacional de Segurança Pública e do Fundo Nacional de Segurança Pública contribui para dar recursos ao combate à criminalidade. Soma-se a isso a reação de vários municípios da região metropolitana de São Paulo, que antes lideravam os rankings nacionais de homicídios e que passam a adotar políticas ousadas, com resultados rápidos.
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, anunciou nesta quinta que a nova etapa da campanha do desarmamento recolheu 25 mil armas em todo o país desde maio, 12% delas de tipo pesado, como fuzis e metralhadoras. O estado de São Paulo ficou em primeiro lugar da lista, com 6.579 armas recolhidas, seguido pelo Rio Grande do Sul, com 3.165, e pelo Rio de Janeiro, com 2.950. Ao todo, há 1,8 mil postos para entrega das armas.
Além de defender o desarmamento no combate aos homicídios, o ministro considera que fazem falta ações integradas, em especial para combater a impunidade. Além disso, ele considera que cada estado deveria criar unidades específicas para investigação deste tipo de crime – calcula-se em menos de 10% o índice nacional de solução de casos de assassinatos. “São grandes os desafios que todos aqueles que governam, seja no âmbito federal ou estadual, têm o dever de enfrentar de forma conjugada, superando entraves políticos e buscando soluções necessárias para a sociedade brasileira.”
Esta semana, o antropólogo Luiz Eduardo Soares, ex-secretário Nacional de Segurança Pública, criticou a omissão dos sucessivos governos federais em ter uma política forte de combate aos homicídios. Embora se trate de uma questão que diz respeito às corporações de segurança estaduais, o autor de Elite da Tropa considera que é preciso que o Executivo nacional tome o controle da articulação de iniciativas. “Para um presidente da República, não é um bom negócio avocar a si essas responsabilidades, tornando-se protagonista de uma área problemática, que dá resultados a longo prazos. Esse é um processo de 10, 20 anos para chegar um ponto mínimo de racionalidade.”
(Por: João Peres, Rede Brasil Atual)