Marcelo Freixo promete voltar e prosseguir luta contra milícias. Sociólogo defende proteção maior a combatentes de grupos paramilitares formados por policiais
Rio de Janeiro – Primeiro nome de uma lista de pessoas marcadas para morrer por tentarem agir contra o poder das milícias que atuam em parte do Rio de Janeiro, o deputado estadual Marcelo Freixo será obrigado a deixar o Brasil com sua família ainda nesta semana. Freixo foi convencido pela Anistia Internacional a seguir com seus familiares para a Europa. O dia exato da viagem e o país de destino são mantidos sob sigilo. Para o sociólogo Ignacio Cano, o principal risco é de os policiais que compõem as milícias considerarem a decisão como uma vitória. Ativistas defendem a federalização do caso.
O parlamentar foi presidente da CPI das Milícias, que em 2008 indiciou 225 pessoas – entre policiais civis e militares, bombeiros e políticos – e levou parte delas à cadeia. Houve um recrudescimento das ameaças contra sua vida após a confirmação de sua pré-candidatura à prefeitura da cidade pelo PSOL. Aliado a isso, o assassinato da juíza Patrícia Acioli (morta por policiais militares em setembro), contribuiu para a decisão.
As ameaças contra Freixo acontecem há três anos, mas sua situação começou a ficar mais séria no começo de setembro, quando a Coordenadoria de Inteligência da Polícia Militar divulgou a descoberta de um plano para matá-lo. Segundo as investigações, o ex-cabo da PM Carlos Ary Ribeiro, mais conhecido como Carlão e suspeito de ser um dos matadores da milícia que atua na zona oeste do Rio, receberia R$ 400 mil para executar o deputado. Nas semanas seguintes, o Disque-Denúncia e o Ministério Público receberam uma série denúncias sobre outros planos contra Freixo.
Em 28 de setembro, por exemplo, um grupo de milicianos teria se reunido na Cidade de Deus – favela onde está instalada uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) – para tramar o assassinato do deputado. Em 13 de outubro, outro encontro, realizado em um conjunto habitacional do bairro de Campo Grande, teria reunido 50 líderes de milícias que praticamente controlam a zona oeste do Rio para tramar detalhes de um plano de execução. Naquele mesmo dia, a possibilidade da morte do deputado, segundo as investigações, teria sido “comemorada” em um grande churrasco realizado por membros das milícias no bairro de Vila Cosmos.
As investigações confirmaram a veracidade das denúncias e, diante de quadro tão assustador, só restou ao parlamentar a opção de se afastar do perigo iminente. “O emocional da minha família está abalado. Trata-se de uma máfia que já matou uma juíza e não medirá esforços para matar um deputado”, disse Freixo ao jornal O Globo, reclamando por até agora não ter recebido por parte da Secretaria de Segurança Pública (SSP) do governo do Rio mais detalhes sobre as investigações.
O tempo em que Freixo permanecerá no exterior também é mantido sob sigilo, mas o deputado promete voltar logo e não dá sinais de que pretenda desistir do objetivo de chegar à prefeitura do Rio: “Vou deixar o país, mas não é um recuo. Não é um arrependimento por ter denunciado as milícias. Vou voltar e continuar a luta contra os milicianos”, disse.
“Obrigação do Estado”
Um dos principais analistas do fenômeno das milícias no Rio de Janeiro, o sociólogo Ignacio Cano, que atua no Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), lamenta a situação vivida por Marcelo Freixo e lembra o martírio da juíza Patrícia Acioli (executada em 11 de agosto) para exigir uma maior presença do poder público. “A proteção das pessoas que estão exercendo sua função, especialmente daquelas que estão colocando a si mesmas em risco para lutar contra o crime organizado, é obrigação do Estado”, diz.
Cano afirma que a garantia dos direitos básicos de Freixo “é também uma necessidade social” para o Rio de Janeiro e o Brasil: “Se nós permitirmos que aqueles membros do Judiciário ou do Legislativo que estão fazendo bem seu trabalho e combatendo o crime sejam intimidados, então não restará para nós nenhuma esperança como sociedade. É muito importante que o deputado e qualquer outra autoridade que venha a ser ameaçada em função do seu trabalho receba proteção no maior nível possível para que não se sinta intimidado”.
O sociólogo lamenta ainda que a ida de Freixo para o exterior possa ser percebida como uma sinalização positiva para os criminosos e negativa para aqueles que tentam combater o avanço das milícias. “É um sinal muito ruim de que eles conseguem ainda exercer uma função política através da intimidação das autoridades públicas. É um sinal muito ruim para a sociedade e é muito importante que a proteção do deputado seja incrementada”, avalia.
“Ele vai voltar”
Ex-deputado federal e um dos principais dirigentes nacionais do PSOL, o jornalista Milton Temer quer que as investigações sobre as denúncias contra Marcelo Freixo sejam assumidas pelo governo federal. “É fundamental que o Freixo saia do país nesse momento e também que exista uma investigação federal. Existem relatos, vídeos inclusive, mostrando que o governador Sérgio Cabral e o prefeito Eduardo Paes tiveram contato com as denúncias, mas que, concretamente, nada pôde ser feito”, diz.
Sobre a falta de segurança para o deputado no âmbito estadual, Temer cita um episódio ilustrativo. No dia em que o Freixo recebeu na Câmara dos Vereadores o título de cidadão honorário do Rio de Janeiro, em 10 de outubro, foram entregues a ele documentos da inteligência da Secretaria de Segurança Pública comunicando, por ofício assinado, que haviam localizado operações definidas de milícias tentando matá-lo. “Naquele mesmo dia, no entanto, foi lida uma declaração oficial da assessoria de imprensa da secretaria negando haver qualquer denúncia com respeito a ameaças ao Freixo”, conta Temer. “Isso mostra que nem tudo é estável na secretaria, que a estrutura é muito contaminada”, diz.
Há quem tema o abandono do projeto político representado por Freixo, mas Temer garante que o PSOL continua apostando em seu deputado. “Ele continua pré-candidato e vai voltar antes do que muita gente pensa. Mas o mais importante no momento é garantir a sua segurança e a de sua família.”
(Por: Maurício Thuswohl, especial para a Rede Brasil Atual)