Estudantes protestam numa manifestação em Roma, cujo slogan é: “Não ao governo dos bancos!”
O economista Mario Monti, notório defensor do mercado livre, assumiu o cargo de primeiro ministro italiano para cumprir uma tarefa que não depende dele: salvar a Itália – e a Europa – da bancarrota. Monti é amigo íntimo do ex-primeiro ministro italiano de esquerda Romano Prodi, e alto expoente das comissões europeias que tratam de Economia, tendo sido batizado “o homem dos poderes fortes” Por Marco Panella, líder dos radicais da esquerda, apelido que foi lembrado nesses dias por Umberto Bossi, líder da extrema direita italiana.
O novo primeiro ministro italiano é bem visto por banqueiros e grandes indústrias, mas não era um político até 16 de Novembro último, quando foi nomeado senador vitalício, num subterfúgio que faz parte das prerrogativas do presidente da república e que permitiu ao congresso aceitá-lo como chefe de governo. Porém, o voto de confiança do congresso italiano – necessário para que o novo primeiro ministro assumisse – que produziu a quase aclamação de Monti à frente do novo governo (556 votos a favor e 61 contra, na Câmara dos Deputados, e 281 votos a favor e 25 contra, no Senado), não deve criar falsas ilusões.
A alternativa à demissão de Sílvio Berlusconi era a dissolução do Congresso pelo presidente da república e a convocação de novas eleições, o que provocaria trágicas consequências neste momento delicado da economia europeia, além de colocar em risco a reeleição de diversos componentes da casta política.
Apesar dos líderes ocidentais (cujas economias correm enormes riscos em caso de falência do Euro) terem aplaudido a decisão veloz por um governo Monti, o novo primeiro ministro não tem o consenso nem mesmo na Itália. “Manter as aparências” é a tônica do momento, à exceção do partido Lega Nord, que se declarou oposição. No momento em que o Senado votava a confiança ao governo Monti, estudantes e polícia se enfrentavam numa manifestação em Roma, cujo slogan era “Não ao governo dos bancos!”. Foi impossível alcançar o acordo desejado por Mário Monti, em ter expoentes dos principais partidos da direita e da esquerda italiana (PDL e PD) no novo governo, a fim de garantir apoio político. O governo técnico toma posse e os partidos políticos lavam as mãos.
Incapazes de soluções que permitam tirar a economia ocidental da atual crise, a classe política entrega o governo aos técnicos, esperando por poções mágicas ou, pelo menos, por um bode expiatório. O perigo desse gesto de Pilatos é transferir a interesses apolíticos a gestão não apenas de uma nação, mas de todo um sistema financeiro, sem intermediários. Um governo técnico deverá fazer as contas com aspectos que nada tem a ver com ideologias e que são suscetíveis a lógicas de interesses – no caso, econômicos – sem compromisso com a democracia. O paradoxo da pós-democracia é que ela acaba sendo uma negação ao discurso democrático, nas mãos dos centros do poder econômico.
Cai, assim, a máscara democrática, já identificada por Margaret Canovan, respeitável estudiosa inglesa sobre o populismo. Canovan chamou a atenção do paradoxo da democracia representativa, lembrando que no termo “democracia” está implícita a ideia da vontade popular e do governo pelo povo. Contudo, o instrumento representativo imaginado como sendo o melhor modo para gerir a capacidade de se auto governar, acabou se transformando no modo para manter longe do poder o cidadão comum; o povo distante da gestão política. Com um governo técnico uma nova página da história política europeia é escrita, a casta política corre o risco da extinção e a resignação será amainada apenas por um punhado de estudantes em uma praça qualquer do mundo.
A situação apolítica criada na Itália poderá provocar consequências negativas, independente dos resultados obtidos. Se o primeiro ministro Mario Monti concluir a atual legislatura, em 2013, e conseguir salvar a Itália da débâcle que arrastaria a Europa e o Euro, ainda assim a economia europeia precisará de alguns anos para se restabelecer (esperando que um outro país não quebre antes), a política terá sucumbido ao poder econômico – desta vez, sem máscaras – e o povo deverá resignar-se aos novos (?) donos do poder. Se, ao contrário, o governo Monti fracassar, a casta política voltará à ribalta, arquivando para sempre o capítulo da tecnocracia. Resta a saber se haverá algo a ser governado.
(Allan Robert P. J. da Itália, Especial para o Fato Expresso Online)