*Maria José da Silva
Prólogo
Esta pobre resenha não tem por objetivo resgatar reputações ou atenuar responsabilidades. Também, por certo, não se trata de vir a público defender tolerância para a corrupção ou impunidade para corruptos. Trato de chamar atenção da sociedade civil e das autoridades competentes e isentas sobre aspectos não pouco relevantes de fatos fartamente publicados, porém, pouco refletidos. Quero falar de coisas sobre as quais, quiçá por justificável e generalizada paúra ante ao abuso de poder, temos fingido publicamente ignorar.
Até agora não se viu publicada uma linha a respeito da manipulação do notório processo político-policial em curso na cidade de Taboão da Serra, no qual identifico indícios veementes do aparelhamento de funções de Estado por grupos partidários a serviço de interesses eleitoreiros.
Quem poderia imaginar que a prisão em flagrante de um exservidor do Cadastro Imobiliário da Prefeitura sob a acusação de inserir informações cadastrais falsas, cancelar créditos de IPTU e baixar dívidas em troca de propina, em 18 de março, daria início a uma encenação que mistura à realidade elementos de ficcionais de farsa, comédia e tragédia?
O absoluto sucesso de público da produção que continua em cartaz é resultado de um conjunto de fatores. Primeiro o enredo, baseado em fatos reais, tem forte apelo popular. É uma trama entretecida de intrigas políticas, lances de ação policial e drama judiciário. O roteiro de suspense, recheado de anticlimaxes, mantém a audiência mesmerizada à espera de surpreendentes desfechos. O profissionalismo dos atores, tanto os veteranos quanto os estreantes, também é digno de menção.
No título grandiloqüente, a parte que denomina o campo policial trai a reivindicação de uma pretensa filiação aos clássicos gregos. Contudo, essa fumaça de autoproclamada erudição não significa falta de criatividade. Operação Cleptocracia e sua cauda legislativa, a CEI, não se reduz a maniqueísmos ordinários e simplistas. Bem e mal, perfeitamente amalgamados, confundem os espectadores menos avisados da platéia bestializada que assiste ao desempenho, nem sempre impecável, de mocinhos e bandidos intercambiáveis, protagonistas secundados por uma legião de coadjuvantes, alguns inocentes, úteis ou não.
Dadas suas proporções épicas e seu desfecho ainda ignorado, bosquejarei com humildade nascida das limitações de inteligência e estilo apenas os três primeiros atos da Operação Cleptocracia & CEI, uma co-produção da Delegacia Seccional e Câmara Municipal de Taboão da Serra, sob auspícios do apoio pouco discreto de autoridades estaduais. À falta de imaginação e talento próprios, tomo por inspiração e empréstimo ao imortal conterrâneo Jorge Amado os subtítulos de sua trilogia “Subterrâneos da Liberdade” para ajudar compor as idéias centrais de cada ato.
Ato I – Ásperos tempos: demagogia oportunista
É notória a inapetência dos parlamentares brasileiros, em geral, e dos vereadores taboanenses, em particular, para exercerem seus deveres e prerrogativas. Preferem o silêncio obsequioso diante do Executivo, em troca de cargos e negócios no governo, atendimento de pleitos não-republicanos em benefício próprio ou de suas clientelas e outras transações inconfessáveis.
Assim, o anuncio da descoberta da roubalheira na Prefeitura de Taboão da Serra e a prisão de Márcio Carrá não foi motivo suficiente para os vereadores atinarem da oportunidade de exercitar, após décadas de arreglos com o Poder Executivo, uma inédita atividade fiscalizatória. O fato não foi digno, sequer, de um requerimento de informações, comprovando a referida apatia e desinteresse da Câmara para assuntos espinhosos.
Tivessem arrestado metade dos servidores da Prefeitura ou um terço de autoridades do Poder Executivo, não se veria prurido nos vereadores. A repentina conversão dos “nobres edis” (forma de tratamento que dispensam uns aos outros) em paladinos da ética e da moralidade pública ocorreria mais de quarenta dias após a prisão em flagrante e início das investigações policiais. A vocação republicana apareceu depois da espetacular batida policial nas dependências da Câmara, no dia 03 de maio, que resultou na prisão preventiva de três deles minutos antes do início da sessão parlamentar (Elói/PMDB, Arnaldinho/PSB e Carlos Andrade/PV). A ação contou com ampla cobertura da imprensa, previamente notificada pelas autoridades policiais responsáveis, o que permitiu a emocionante cobertura e transmissão televisiva em tempo real.
Após este esculacho, na acepção do termo, o Poder Legislativo reagiu. Ainda na condição de Líder de Governo dos agora “cleptocratas”, o vereador Paulo de Souza Félix fez uso de sua verve desabrida durante a sessão especial realizada no dia 06 de maio em defesa da proposta de criação de uma Comissão Especial de Investigação – CEI. Em sua peroração alertou os pares da infausta situação em que estavam metidos. “O Poder judiciário está funcionando. O executivo e a polícia também. Cada um está cumprindo o seu papel. A câmara infelizmente estava adormecida. Agora, nós temos que cumprir o nosso papel e fazer o legislativo funcionar também”. Do alto da tribuna o político profissional que acumula seis mandatos afirmou, sem constrangimentos algum pelo reconhecimento da histórica omissão, que “a câmara agora vai cumprir o seu papel de fiscalizar” (Jornal Na Net, Sandra Pereira e Rafael Rezende, 7/05/2011).
Nesta mesma oportunidade uma ex-liderança parlamentar dos “cleptocratas” e membro quase sempre fiel de sua base de apoio, vereador Olívio Nóbrega, expressou emocionado o sentimento causado pela ferida aberta no brio dos parlamentares após a sessão cadeia. O igualmente hexamandatário Olívio, de modo um tanto pouco lisonjeiro para com seus colegas enjaulados, afirmou compungido: “fomos atingidos, humilhados, mas não estamos de joelhos, sobraram homens honrados aqui” (Portal Otaboanense, Rose Santana, 07/05/2011).
A admoestação racional de Paulo Félix, então líder da suposta “organização criminosa” integrada por secretários, vereadores e servidores do Executivo e Legislativo, somada ao apelo emocional do colega Olívio Nóbrega, convenceu a Câmara a instaurar, no mesmo dia, uma CEI para apurar os fatos que a esta altura eram notícia nacional, objeto de investigação policial e processo judicial. Sem dúvida, um ferrolho novinho para a velha porta já arrombada…
Esta súbita, oportuna e conveniente conversão capitaneada pelos decanos da instituição após a prisão de seus pares eméritos (os vereadores presos eram ex-presidente, vice-presidente e secretário da Mesa Diretora), no entanto, não convenceu observadores atentos e interessados no desenvolvimento da trama. O Chefe dos Investigadores da Delegacia Seccional de Taboão da Serra e general-de-brigada da Operação Cleptocracia, Ivan Jerônimo da Silva, declarou que a propalada “Estrada de Damasco” dos passarinhos fora da gaiola não passava de uma manobra tática de autodefesa. Com sua linguagem rebarbativa declarou que os acuados camaristas “através da CEI têm que demonstrar que não estão ligados com o crime” (Jornal Na Net, Sandra Pereira, 12/08/2011).
A posterior simbiose dos trabalhos que resultaria na Operação Cleptocracia & CEI e que incluiria a prisão de mais um dos vereadores (Natal/PP), se encarregaria de mostrar que a avaliação do chefe Jerônimo não estava longe da verdade. Com um agudo senso de sobrevivência política, o vereador Paulo Félix/PSDB foi fundamental para o aprimoramento da sintonia fina dos objetivos nem sempre convergentes da instituição policial e das lideranças políticas envolvidas. Esta sensibilidade tem garantido no correr das investigações uma evidente linha de preservação de interesses.
Ato II – Agonia da noite: arbítrio e manipulação
Para bem avaliar o desenvolvimento deste ato é preciso ter em conta que desde 2005 a Polícia Civil tinha conhecimento de denúncias de fraude semelhante àquela que resultou na prisão de Márcio Carrá em 2011. Em 2005 a Prefeitura encaminhou ao 1º Distrito Policial informações de processos administrativos que resultaram em duas denúncias do Ministério Público contra exfuncionários, por crimes cometidos no período compreendido entre 1997 e 2004 (Processos nº 982 e nº 2212/2008 da Vara Criminal de Taboão da Serra).
As investigações da Prefeitura sobre fraudes envolvendo oCadastro Imobiliário e a Dívida Ativa, entregues à polícia em 2005, indicaram expressamente o ex-funcionário Turíbio de Castilho Jr. como chefe do esquema.
Turíbio Jr. é o mesmo Binho que foi preso preventivamente em 04/05/2011 por obra da Operação Cleptocracia. Em liberdade sub judice, Binho é nada menos que o ex-Chefe do Departamento de Cadastro da Prefeitura entre janeiro de 1997 e janeiro a 2005, ocasião em que foi denunciado por munícipes à Ouvidoria Municipal e demitido, como consta do Inquérito Policial nº 509/2005, do 1º DP. Este inquérito, curiosamente, manteve-se estacionado em algum escaninho e até hoje nunca rendeu, sequer indiciamentos, muito menos processos judiciais, buscas e apreensões ou prisões.
É curiosa também, no mínimo, a questão que fazem os próceres da Operação Cleptocracia & CEI de fixar o termo inicial das investigações, inapelavelmente, no ano de 2005. As informações dos documentos oficiais, não desmentidas ou esclarecidas formal ou informalmente, dão conta de que a Polícia Civil taboanense conhecia desde meados de 2005 a denúncia fundamentada sobre a existência de um esquema de fraudes na Prefeitura, supostamente chefiado por alto ex-funcionário que viria a ser preso em 2011 sob acusações semelhantes às de 2005, porém, em um novo e estrepitoso inquérito restrito ao período do governo designado apelativa e genericamente como uma cleptocracia.
Os caminhos tortuosos e pouco transparentes por que seguem os inquéritos policiais dão motivo de sobra para perguntas que não querem calar e principiam a se expressar abertamente. Vou aqui formulá-las, amparada nos direitos e garantias da liberdade de pensamento e de expressão.
Por que a polícia civil, sabendo desde 2005 das denúncias sobre o esquema na Prefeitura não investigou, prendeu e arrebentou os supostos responsáveis senão após 18 de março de 2011?
Por que não impediu aos criminosos deitar novas raízes na Prefeitura e na Câmara, quando agora sabemos que mais de meia dúzia dos presos em 2011 trabalhava na Prefeitura antes de 2005, incluindo o Binho, já delatado, demitido e não incomodado pela polícia durante sete anos?
Quais os interesses por trás da aparente inércia e falta de interesse em investigar efetivamente um problema conhecido desde 2005, tanto mais quando este comportamento é contrastado à fúria persecutória e à pirotecnia deflagradas de 2011?
A coincidência temporal do previsível estardalhaço das investigações tardias com o período de início das articulações político-partidárias para as eleições do ano de 2012 teria sido meramente casual?
As respostas não estão nas interpretações, mas, nos fatos e fatos teimam em se revelar. A incestuosa associação de poder político, interesse partidário e aparato policial, transformou a Operação Cleptocracia & CEI em palco de sinistras maquinações. Vamos aos fatos.
De início, claros sinais factuais de ambigüidade política e nenhuma transparência da CEI nos foram dados pelos vereadores Alexandre Depieri/PSB e Paulo de Souza Félix/PSDB. O primeiro, após deixar seu partido (do governo cleptocrata) sem representação ao renunciar à função de Relator da CEI e ceder seu lugar ao vereador Paulo Félix, tentou barrar a comissão judicialmente, aparentemente por ceder a fortes pressões ou por absoluta fraqueza de convicções (o que dá na mesma…). Em seguida, misteriosamente, desistiu da ação judicial antes do julgamento da mesma.
Favorecido por Depieri, na mesma sessão em que assumiu a relatoria da CEI Félix trocou as vestes de Líder de Governo “cleptocrata” e vestiu a roupagem de oposição, assumindo os trabalhos da comissão criada para investigar uma suposta “organização criminosa” liderada na Câmara por ele próprio mesmo fevereiro de 2009.
Seguindo a partitura no ritmo “vamos livrar nossa cara”, sob a regência de vereador noviço, Cido da Farmácia/DEM, a CEI realiza sessões transmitidas ao vivo pela Internet, Nestas, assistimos um patético desempenho do presidente Cido, claudicante em matéria regimental e complacente com os decanos Félix e Olívio, aos quais não nunca se peja de devotar explicito temor reverencial. A tecnologia permite acompanhar o espetáculo estrelado dos vereadores, ora visivelmente acuados, ora exasperados, diante de testemunhas juramentadas e não menos estupidificadas pelo tratamento de réus que lhes é dispensado, embora, na qualidade de testemunhas, compareçam desassistidas de defesa técnica. Resta aos depoentes o martírio de escutar a massa de impropérios assacados pelos donos da palavra, sem direito ao contraditório.
Guindado à relatoria da CEI, Paulo Félix passou a protagonizar indiscutivelmente os trabalhos, notabilizando-se por inquirições maldosas que primam pela costumeira arrogância diante dos fracos e pela fraqueza de ânimo ante aos poderosos, a exemplo de sua conduta durante as oitivas de policiais. Aliás, sua forma peculiar de cooperação com a polícia tem merecido reparo dos próprios pares, os quais em reuniões privadas ou à boca pequena, pespegaram-lhe o mesmo apelido de seu célebre homônimo, o camisa 10 do Santos e da Seleção Brasileira.
Com a CEI montada e em pleno se aperfeiçoou a entropia da Operação Cleptocracia & CEI. O trabalho policial revelou-se mais sensível aos holofotes da imprensa e aos interesses políticos que aos métodos científicos de investigação e aos ditames da legalidade. Esta sensibilidade, instantaneamente captada pelos membros da CEI, sinalizou a conveniência de estabelecer-se o contubérnio que combina e compartilha diatribes, sem preocupação sobre eventuais conseqüências danosas ao patrimônio moral dos cidadãos, inocentes úteis ou não, engolfados nas vagas do processo. Em alguns casos, como veremos, o interesse na apuração dos fatos e na justa penalização de culpados curva-se ao objetivo precípuo de simples desmoralização pública de membros do governo investigado.
Exemplo prático do modus operandi da colaboração profícua entre instituições, na Operação Cleptocracia & CEI são constantes “levantadas de bola” de Paulo Félix ou de seu partner Olívio Nóbrega destinadas a incriminar ou amedrontar testemunhas durante oitivas na Câmara, sob o olhar cúmplice do presidente Cido e sob a omissão complacente dos demais membros. Às “levantadas” seguem-se as rápidas “cortadas” do chefe Jerônimo, sob a forma de diligências que terminam em inquirições “espontâneas”, realizadas na calada da noite, logo após as oitivas, nas dependências da Delegacia Seccional (Jornal Na Net, Karen Santiago, 10/06/2011).
O chefe dos investigadores patenteou sua reciprocidade. Garantiu aos membros da CEI revelações exclusivas sobre andamentos dos inquéritos a se cargo. Jerônimo afirmou publicamente: “quanto às novas investigações estão sendo bem conduzidas, no tempo certo avisaremos das novidades” (Portal OTaboanense, Eduardo Toledo, 18/08/2011). Essas palavras não deixam de causar certa surpresa em alguns investigados cujos advogados sequer têm regular acesso aos autos dos inquéritos. Também ensejam certa incompreensão da sociedade, não menos espantada com o envolvimento direto de quatro colegas dos membros da CEI no escândalo e dois outros com citações nos relatórios policiais do investigador, incluindo o relator Félix.
Esta colaboração suscita preocupações. Em ao menos dois casos, pedidos de prisão de servidores foram reiterados por Jerônimo após negativas fundamentadas do Ministério Público e do Judiciário. Num deles, por fatalidade ou não, o objeto da sanha prisional foi um servidor com estreita ligação funcional a inimigos políticos declarados de Paulo Félix.
O fato dos relatórios policiais chegarem às redações dos jornais e televisões, além de subirem para Internet antes mesmo do conhecimento das autoridades que oficialmente deveriam avaliar sua consistência chegou a ser objeto de questionamento de um dos membros mais ofuscados da CEI, vereador Wagner Eckestein/PT. Jerônimo, o autor dos relatórios, alegou candidamente à comissão não ser ele responsável pela divulgação e desconhecer quem realiza repetidamente essa proeza. Tanto o vereador que perguntou quanto os demais presentes, não se sabe se por excesso de cuidado ou pleno convencimento, deram-se por satisfeitos com a resposta.
A conjugação do “poder policial” com o poder político não está limitada às articulações paroquianas. Ao contrário, das ações e declarações dos agentes políticos e policiais emergem indícios claros de que os acordos de interesses envolvem estratos mais altos.
Denúncias públicas e lamúrias privadas sobre o direcionamento político-partidário das investigações levaram o chefe Jerônimo à conclusão de que há “um plano para taxar (sic) a operação de política. Estamos fazendo a investigação dentro da lei, apartidária, tanto é que foram presas diversas pessoas, inclusive do PMDB, do deputado Caruso de quem sou amigo e de toda a família”. O investigador, orgulhoso de suas relações pessoais, detalhou os laços que o ligam ao deputado do PMDB: “O Caruso é meu amigo pessoal. É meu compadre e não vejo nenhuma ilegalidade nisso” (Jornal Na Net, Sandra Pereira, 12/08/2011).
Tratando-se de Taboão da Serra, o nome do Deputado Estadual Antonio Caruso/PMDB não aparece por acaso. Nos bastidores da política estadual é conhecida a influência do deputado na Delegacia Seccional da cidade. Permitam neste ponto um parêntese para esclarecimento daqueles que ignoram os fundamentos da realpolitik: a influência exercida por Caruso não é nada incomum e, dentro de alguns limites, absolutamente legítima. Faz parte da relação dos Poderes Executivos com o Legislativo, no caso, do Governo do Estado com a base parlamentar que lhe garante a governabilidade na Assembléia Legislativa.
Contudo, nestas plagas, para além das questões relativas às indicações políticas para cargos de chefia que garantem a governabilidade, Caruso teria revelado a um antigo companheiro taboanense de partido a chave de entendimento do desenrolar dos fatos pretéritos, presentes e futuros da Operação Cleptocracia & CEI. Segundo conta o correligionário, o deputado teria dito que o PMDB local marcharia nas próximas eleições com candidatura a vice-prefeito na chapa encabeçada pelo PSDB, mesmo partido do vereador Paulo Félix. Mais, o deputado teria afirmado jubilosamente que desta vez ganhariam as eleições por WO, que para os não iniciados é a abreviação da palavra inglesa walkover, significando a vitória da equipe quando o adversário está impossibilitado de competir por não ter um número mínimo de jogadores necessários para a partida ou, ainda, por seu não comparecimento na data e hora marcadas para a disputa.
As revelações de Caruso feitas ao seu compaheiro de partido parecem dar sentido à birra da Operação Cleptocracia & CEI em restringir as investigações, contra todas as evidência, ao período pós-2005. Investigações sobre o período anterior (por exemplo, 1997/2004, período em que Binho chefiou o Cadastro Imobiliário) poderiam respingar em pessoas ligadas a Fernando Fernandes/PSDB ou implicar até mesmo o próprio. Os esclarecimentos também ajudam elucidar o esforço policial e político para comprometer nas investigações todos os nomes (daí o WO?), sem exceção, ligados ao atual governo que possam apresentar-se como adversários viáveis eleitoralmente na disputa com a chapa PSDB/PMDB.
A consistência da trama é reforçada pelas últimas nãocoincidências de eventos da Operação Cleptocracia & CEI que reforçam a verossimilhança da chave de interpretação oferecida. No dia 13/09, data em que seria votado pedido de impeachment do Prefeito Evilásio Farias/PSB por suposta cumplicidade omissiva ou comissiva com o esquema de corrupção investigado, os operadores da Operação Cleptocracia & CEI deram mostras de coordenação. Pela manhã e tarde a polícia civil de Taboão cumpriu, com costumeiro estilo e cobertura midiática, mandado de busca e apreensão na casa da vice-prefeita Márcia Regina/PT. À noite do mesmo dia, sob pressão da mobilização potencializada pelo noticiário, a Câmara rejeitou o pedido de cassação do prefeito. Coincidentemente, como outros eventos desta trama, no dia anterior o vereador Paulo Félix recebeu, também com direito à ampla repercussão na imprensa regional, convite de filiação ao PMDB local, cujo diretório foi dissolvido e encontra-se em fase de reestruturação sob a liderança do Deputado Caruso (Portal Otaboanense, Eduardo Toledo, 13/09/2011).
Evidências cada vez mais explícitas de direcionamento políticopartidário na Operação Cleptocracia & CEI começa a colocar em xeque a honestidade de propósitos e os reais objetivos de seus dirigentes e operadores.
Ato III – A luz no fim do túnel: fortes são os poderes da Justiça e do Povo
Depois de suas declarações infelizes na imprensa que motivaram representações contra si em diversas instâncias da Polícia Civil, Governo Estadual e outras instituições estaduais e federais, o chefe Jerônimo ofereceu, no mais recente de seus relatórios disponíveis na Internet, ligeiro sinal daquilo que poderia, em tese, ser interpretado como uma percepção da necessidade de coarctar suas ações para garantir o sucesso de seu trabalho e o respeito aos direitos e deveres expressos na lei e no código deontológico de seu serviço. Assim, no final da peça que leva indefectíveis marcas de seu estilo, Jerônimo afirma: “De outro lado, nosso juízo entende que será mais saudável acrescentarmos outros nomes ao término da investigação, se for o caso, ao invés de eventualmente termos que excluir algum inocente”.
Infelizmente, na prática, o investigador só reforça a insegurança jurídica e a desconfiança política inauguradas com a mancebia resultante nesta híbrida Operação Cleptocracia & CEI. Sua fala não se coaduna com preceitos do Estado Democrático de Direito brasileiro que estabelece competências e formalismos rígidos ao exercício do dever-poder das autoridades e servidores do Estado. Cabe indagar aos juristas se existe amparo legal que legitime a autoatribuição de competência do chefe Jerônimo para formular “juízos” antecipados de “salubridade” dos rumos e objetos investigados ao seu encargo na qualidade de investigador. Nesta Operação Cleptocracia & CEI, aparentemente, foram suspensas algumas garantias constitucionais e modificados alguns deveres e competências funcionais da polícia. Neste tópico lembro que operações policiais da Polícia Federal, a exemplo da Satiagraha e mais recentemente a Boi Barrica, foram anuladas em virtude de procedimentos policiais ilegais durante as investigações, acabando por beneficiar suspeitos da prática de crimes.
Da formulação de juízos arbitrários, como vimos, já resultou constrangimento ilegal de dois servidores de reputação ilibada e sem antecedentes criminais. Estes, a despeito da opinião do Ministério Público que não enxergou em suas condutas nenhum indício de crimes, foram alvos de dois malsucedidos pedidos de prisão da lavra do investigador chefe, agora preocupado com a “salubridade” da investigação.
Contudo, há uma aparente mudança qualitativa do quadro taboanense a indicar um ligeiro despertar de consciências quanto ao problema da transposição dos limites no exercício da atividade policial. O vereador Valdevan Noventa/PDT, após ser ameaçado de prisão por meio da imprensa caso tente disputar novas eleições, partiu para o ataque e representou o investigador Jerônimo na Corregedoria da Polícia Civil. Não está em questão aqui defender ou atacar a idoneidade do vereador. O fato é que ninguém pode afirmar impunemente, muito menos um policial, que alguém pode ser preso “no momento certo (…), na hora em que cometer um deslize”. Uma afirmação desse tipo, saída da boca de um policial, deixa no ar um sem número de questões que põem sob suspeição a atuação da Delegacia Seccional (Jornal Na Net, Sandra Pereira, 12/08/2011).
Mais um foco de insurgência apareceu, agora em face da cauda legislativa. O jornalista Mário de Freitas, Secretário de Comunicação da Prefeitura, antes do início de sua segunda inquirição na CEI, à qual compareceu prudentemente acompanhado de advogado após especulações que davam conta de que sairia da oitiva diretamente para o indiciamento criminal, argüiu incidente de suspeição contra o relator, afirmando que “há indícios claros de que Paulo Félix fez ao menos três baixas [irregulares de IPTU]”. De fato, apesar de seu bom relacionamento com a polícia, o vereador foi citado “nove vezes no relatório policial que apura as fraudes do imposto predial” (Bar & Lanches Taboão, David da Silva, 06/11/2011).
Outra maculada que ousa questionar a perversão do princípio constitucional da presunção de inocência praticado pela apocalíptica Operação Cleptocracia & CEI foi a Vice-prefeita Márcia Regina/PT. Após ter sua casa vasculhada pela polícia, Márcia abriu espontaneamente seu sigilo telefônico, bancário e fiscal perante a polícia e afirmou aquilo que deveria ser óbvio desde o início: “sou inocente e quem tem que provar o contrário é a polícia” (Jornal Na Net, Sandra Pereira, 15/09/2011). A análise do relatório que deu margem à aos mandados contra Márcia é objeto de inédito questionamento da metodologia e das conclusões do chefe dos investigadores, açulando os ânimos de seus defensores atrabiliários (Fato Expresso, Márcio Amêndola, 16/09/0211).
E assim, termina o terceiro ato.
Epílogo
Os trabalhos continuam, porém, a exaustiva repetição de expedientes já manjados, o esgotamento dos recursos administrativos regulares de investigação, a inevitável fadiga da mídia, da sociedade e da própria corporação policial com as disputas eleitoreiras, poderão circunscrever os trabalhos policiais aos limites que nunca deveriam ter sido ultrapassados, a bem da boa aplicação da justiça e do Estado Democrático de Direito.
Espero sinceramente que o Poder Judiciário, por meio dos processos judiciais em curso ou nos que virão ser instaurados, com sua dinâmica e recursos próprios, condene com rigor os corruptos e absolva os injustiçados de maneira inequívoca, se injustiçado houver.
Espero também que o povo, com sua sabedoria que desafia juízos eruditos, julgue nas urnas, na sua justa medida, aqueles que aparecem bem ou mal, pouco ou muito, na trama desta encenação.
Cuido, porém, que os reais interesses por trás, por cima e por baixo dos panos talvez nunca sejam totalmente desvelados, por conveniência de uns ou temores de outros, apesar das pistas e das pegadas marcadas, acidental ou displicentemente, durante a representação dessa história ainda inconclusa.
(*Maria José da Silva, Mazé, é Assistente Social, cursa o 8º semestre de Direito, bolsista do ProUni – Artigo especial para o Fato Expresso)
Muito boa a matéria! Com diz aquele outro jornal de papel, “se o pombo não fala”…