Allan Robert P. J.
O fim do ano se aproxima e junto com ele as festas, confraternizações, brindes, jantares… Um perigo à saúde e uma ameaça à balança.
Um amigo convidou-me para um almoço na sua casa de montanha. O local fica na província, o que significa que não é longe. Aliás, Bettola nem chega a ser na montanha, como imaginamos nós, com neve o ano inteiro e uma paisagem bucólica. É somente um dos muitos pontos altos desta terra de geografia acidentada. Porém, no inverno tem neve pra xuxu, um vegetal que não existe por aqui e que é difícil de explicar.
Pecorino (queijo de leite de ovelha) com pimenta, presunto e salames de montanha, salada de fungos frescos, alcachofras cozidas e grelhadas e torta de gorgonzola. Como em qualquer filme italiano, tem sempre alguém que enche o meu prato e diz: “Come…!” Quando achei que tinha feito bonito, provando um pouco de cada coisa e que havia deixado um espaço para a sobremesa, lá vem a massa: ravioli de erbette, um vegetal que não existe por aí e que é difícil de explicar. A massa, na realidade, é para dar uma pausa no rodízio de sabores e preparar o espírito para o prato principal, polenta com javali. Depois doces, licor, café e muita conversa.
Tudo isso já não é uma maratona para mim. Afinal, estou treinando há anos. A novidade é que não consegui convencer o meu amigo que o acompanharia no vinho com muito prazer, e não tive como recusar a cortesia que a sua preocupação me reservou. Não sabendo que cerveja iria me agradar, comprou vários tipos e colocou para gelar. Serviu-me na temperatura justa, que, para mim, significa estar perto do congelamento e procurou não deixar o meu copo abaixo da metade nem um minuto. A prova da cerveja também não chegou a ser uma dificuldade. Porém – tenho uma certa aversão a esta palavra; acredito que ela já provocou grandes conflitos – o italiano bebe vinho; o meu amigo é italiano e eles não admitem que você não prove o vinho deles. Pior: o meu amigo é um conhecedor de vinhos e faz questão de demonstrar. E fez questão que eu provasse todos. E eram muitos. Italiano é assim, doido para agradar e receber bem. Você vai, come, bebe, elogia, conversa um pouco e vai embora. E depois convida para pagar a gentileza.
Na Itália? Fique com os vinhos. Deixe a cerveja para a intimidade de casa ou beba quando estiver sozinho.
Terra de sabores delicados, Piacenza produz embutidos (salames, copas, etc.), queijos e vinhos. Alguns são tão leves que precisam de uma certa experiência e insistência para ser apreciados. Só não consegui deixar-me convencer pelo vinho tinto frisante de sabor muito suave, que é a tradição local. Só me satisfaço com um vinho com personalidade. Até o tortelli di zucca já consigo apreciar. Tortelli é qualquer tipo de massa com recheio (capeleti, ravioli, etc.), à exceção de lasanha, caneloni e gnocchi. Zucca é abóbora em italiano.
Esta é também a época em que os amigos, clientes, fornecedores e bajuladores trazem o vinho caseiro para ser degustado e aprovado. A regra é mais ou menos assim: se o produto precisa de aprovação, aprove-o. E depois cuspa. O sujeito chega com cinco garrafas? Hummm…! O “amigo” traz a garrafa e vai logo esclarecendo que a safra do ano passado não era tão boa como ele esperava e… Invente uma desculpa urgente e só volte à empresa no fim do dia, quando as outras vítimas já tiverem feito o trabalho sujo de virar a garrafa até o fim (no copo ou na pia).
Mas, às vezes, o vinho consegue demonstrar toda a sua superioridade sobre a cerveja. O grande momento do Natal italiano é o almoço do dia vinte e cinco. Em Piacenza a tradição nos oferece uma massa in brodo, que vem a ser um tortelli de carne sem sal, boiando em um caldo conseguido a partir da fervura de um pedaço de carne, frango, uma cenoura inteira, uma cebola inteira, um talo de salsão e uma pitada de sal (que pode ser conseguido de forma mais saborosa com um simples cubinho de caldo Knor). No final deve-se comer também a carne usada no caldo. O sabor é idêntico a escaldado de peru ou salada de xuxu. Nestes momentos, a única salvação é a garrafa de vinho tinto que nos lembramos de levar. Depois, é cair no assado de porco com farofa e vinagrete, também nosso e que faz nossos anfitriões revirarem os olhos como num lardo de colonnata. E a cerveja estupidamente gelada.
**Allan Robert P. J., carioca de nascimento, tem 51 anos, viveu em Embu (SP) por quase duas décadas e lá se casou com Eloá, em 1987. Mudou para Salvador (BA) onde estudou Economia e o casal teve duas filhas. De lá, foram para a Itália, onde vivem atualmente. Allan é micro empresário do ramo automotivo, e Eloá trabalha no ramo de alimentação. Ambos têm raízes (amigos e parentes) na ‘ponte’ Embu-Assis-SP. Allan é irmão dos advogados Bruce P. J. e Dawidson P. J., radicados em Embu. Dawidson já foi do primeiro escalão da Assessoria Jurídica da Prefeitura de Embu no governo Geraldo Puccini Junior (1993-96), e ambos já participaram da diretoria da subsecção da OAB de Embu”.