Allan Robert P. J.
Sabe aquela feira de bairro que acontece uma, duas vezes por semana, onde se pode comprar frutas e verduras frescas e onde se fala mal da vida dos outros? Pois é, aqui não tem! Não que o italiano não fale mal da vida dos outros, mas a feira da região onde moramos não vende alimentos. Vende de tudo, menos frutas e verduras. E se chama “mercato”. “Il Mercato”. Todas as quartas e sábados as barracas lotam o centro da cidade e oferecem boas e más oportunidades. Ocupando a Piazza Cavalli e a Piazza Duomo, as duas principais praças da cidade, interligadas por uma rua comercial exclusiva aos pedestres, a feira acolhe uma infinidade de pequenos comerciantes, alguns italianos e muitos estrangeiros.
Noutro dia um policial pediu-me para descer da bicicleta: no meio da feira é proibido o trânsito de qualquer veículo. Tive mais sorte que muitos. Descobri, através de uma edição histórica do jornal Libertà comemorativa aos seus cento e vinte anos, que um sujeito foi julgado e multado em duas mil liras por transitar de bicicleta em alta velocidade no centro da cidade, em fins do século dezenove. Menos que um outro, multado por chicotear forte demais o cavalo que puxava a sua carroça: três mil liras. Parece que as bicicletas têm longa tradição na sociedade piacentina. Assim como as multas…
A chinesa nos atende sorrindo, apesar de termos ido solicitar a troca de um agasalho esportivo, curto demais para uma menina em infinita fase de crescimento. Ela sabe que dentro de dois meses tornaremos para um outro agasalho. O preço? Um quinto do valor na loja de artigos esportivos.
Sapatos, bolsas, bijuterias, panelas, ferramentas, perfumes, roupas e todo tipo de quinquilharia produzida na China ou em Nápoles (uma espécie de Paraguai local). Em geral, mercadoria descartável, mas tem também mercadoria boa com preços de ocasião. O vendedor de sapatos esclarece: “Esse tênis é igual aquele famoso lançado nesta semana. Cópia idêntica! Só a marca e o preço são diferentes”. Barracas, mesmo, são poucas. Os caminhões ou furgões chegam às quatro e meia, cinco da manhã. Abre-se a lateral e o veículo se transforma em estantes, prateleiras e balcão. O único trabalho é arrumar a mercadoria. Não faltam nem mesmo as bancas de artesanato, montadas pelos remanescentes dos hippyes.
Nos dias de feira, boa parte do comércio da zona fecha, exceto aos sábados, dia de grande movimento. Nas outras áreas o comércio fecha às tardes de quinta-feira, para poder funcionar aos sábados à tarde sem ferir a carga horária semanal dos empregados. A Pizzaria D’Orologio (a minha preferida) na Piazza Duomo, não abre para almoço às quartas-feiras. Deve estar perdendo uma ótima oportunidade, pois não há opções. O labirinto de barracas, chineses e bugigangas costuma separar famílias. E não existe nenhum lugar aberto onde se possa comemorar o reencontro.
No aniversário das cidades e vilarejos, ou no dia do padroeiro, costumava-se fazer uma feira com exposição de tratores, algum artesanato e comida local. Mas isso não era suficiente para atrair um público que compensasse todas as despesas das prefeituras. Aos poucos, abriu-se a oportunidade da participação de pequenos comerciantes da província. Pronto! Adeus festa caipira! Os tratores continuam lá, mas são os únicos representantes de um tempo que se foi. As feiras são todas iguais. Muda somente a sua dimensão, pelo fato da “festa” ser mais ou menos tradicional. A feira de Santo Antonino, em Piacenza, é muito famosa e ocupa todo o Passeggio Publico, uma longa rua arborizada destinada aos pedestres. As ruas adjacentes começam a ser ocupadas pelas barracas que aumentam a cada ano. É impossível visitá-la inteira e estar vivo ao final do dia. Dura somente o dia 4 de junho.
A senhora, dona de uma elegância discreta, caminha silenciosa entre malas e bolsas expostas; duas jovens escolhem animadas a mochila com a cor da roupa; o dono da barraca de casacos de pele dispensa às baixinhas equatorianas um tratamento de rainha: elas são as suas melhores clientes. Um casal de anciães já comprou peças de fogão, tênis para criança, um xale, um colete e estão negociando a compra de um cobertor; um rapaz espera o vendedor terminar o embrulho para presente de um vidro de perfume; Dom Anselmo, o pároco da catedral, passa indiferente.
A desenvoltura das pessoas em pechinchar, comprar e levar para casa as mercadorias em sacos plásticos reaproveitados, cria um tipo de solidariedade silenciosa. São as mesmas pessoas que frequentam as lojas caras das ruas chiques. Ocasionalmente se ouvem desculpas improvisadas, quando dois conhecidos se encontram no meio da feira: “Estou programando pintar a casa…”
Dia de feira, folga de camelô. Como não têm licença, os africanos desaparecem com medo do maior controle da polícia e das denúncias dos feirantes. Só os vendedores de castanha assada circulam livremente. Isso, de meados de setembro até o dia de finados, que, como manda a tradição, marca o fim do período da castanha no Norte.
Ao meio-dia a mercadoria começa a ser recolhida. Às quatro da tarde a limpeza pública já deixou tudo como no dia anterior. Resta apenas a certeza da transitoriedade das coisas. E a impressão de que também nós somos descartáveis.
Hum…
Acho que uma barraca de pastel seria um bom negócio.
**Allan Robert P. J., carioca de nascimento, tem 51 anos, viveu em Embu (SP) por quase duas décadas e lá se casou com Eloá, em 1987. Mudou para Salvador (BA) onde estudou Economia e o casal teve duas filhas. De lá, foram para a Itália, onde vivem atualmente. Allan é micro empresário do ramo automotivo, e Eloá trabalha no ramo de alimentação. Ambos têm raízes (amigos e parentes) na ‘ponte’ Embu-Assis-SP. Allan é irmão dos advogados Bruce P. J. e Dawidson P. J., radicados em Embu. Dawidson já foi do primeiro escalão da Assessoria Jurídica da Prefeitura de Embu no governo Geraldo Puccini Junior (1993-96), e ambos já participaram da diretoria da subsecção da OAB de Embu”.