Allan Robert P. J.
Às oito horas o dia começa a amanhecer; às cinco da tarde é já noite. As plantas sofrem com as poucas horas de sol sem entrar em letargo por causa do calor dos aquecedores, nos vasos dentro de casa. Algumas não resistem. E não só elas. O nosso relógio biológico gira sem ponteiros. Fome de madrugada (que no meu caso ocorre também nos outros meses) sono durante o dia e uma insônia coletiva. As pessoas resistem à tentação de ficar na cama nos fins-de-semana, para que a vida não se transforme num eterno compromisso profissional. Ruas, lojas e cafés lotam. A fila do cinema só pode ser evitada com a reserva feita por telefone (lembrem-se: o italiano é craque em organizar o próprio lazer. Anos de experiência).
Dia oito de dezembro é feriado nacional na Itália, é dia santo. E isso me faz lembrar que é, também, o início das Festas de Largo em Salvador, dia de Nossa Senhora da Conceição da Praia. A festa é comemorada em frente ao Mercado Modelo, com a lavagem das escadas da igreja da santa. Aliás, cabe uma retificação: não é o início das festas, mas apenas o marco de um novo ciclo, uma vez que as tais festas não têm fim. Começa com a Festa da Conceição, tem o ponto alto na colina sagrada com a Lavagem do Bonfim e terminam mais ou menos na última quinta-feira antes do Oito de Dezembro seguinte. Falta apenas oficializar o feriado eterno em Salvador, o que não seria má idéia.
O sol de Salvador ajuda a aquecer minhas lembranças, mas eu vivo no presente. O meu presente é o inverno, o frio, sabores e perfumes diferentes daqueles da minha infância. A primeira neve já caiu, ainda tão tímida, que se desfez com os primeiros raios de sol. A Corso (Corso Emanuele II, a rua chique da cidade, a vinte metros de casa) está toda iluminada, com lâmpadas que formam desenhos de milhões de flocos de neve. O comércio funciona até as nove da noite. Algumas lojas fecham às seis e reabrem às nove, ficando abertas até às onze. O movimento é intenso, mas não frenético.
Na Piazza Cavalli, como em todos os anos, a feira de Natal começou dia 25 de Novembro. Vende de tudo: livros a preço de sebo, artesanato, luvas e roupas de lã, doces (torrones!) e uma variedade infinita de objetos para presente. As barracas são grudadas umas às outras, formando longos corredores sob o frio cortante. Poucas têm música, mas o clima de festa domina feirantes e clientes. À tradicional árvore de Natal formada por pequenas lâmpadas, foi incorporada uma de verdade, enorme! Os vendedores de castanhas assadas vão vencendo a tradição e conseguem ultrapassar o dia de finados, normalmente a data que marca o fim do consumo do produto. Começam a assemelhar-se às festas de Salvador… E um perfume de vinho quente se espalha pelos ângulos e cantos da praça. A via dei Calzolai (Rua dos Sapateiros), também no centro, foi decorada com arcos de luzes, formando à noite um túnel iluminado que conduz à praça, centro de toda atividade.
Nesta época, os supermercados se enchem das chamadas frutas exóticas. É possível encontrar carambola por três euros a unidade; um par de maracujás por cinco euros; uma manga, dois euros e assim por diante. Até o abacate é considerada uma fruta exótica, ao contrário do abacaxi, que pode ser encontrado o ano inteiro e em abundância. Os amigos menos tímidos se desculpam pelo mau jeito e nos perguntam que parte comer de cada fruta. Pequenos diabinhos voam frenéticos em volta da minha cabeça, quando a pessoa não é exatamente um amigo e (juro!) às vezes me perturbam tanto que não consigo recordar das respostas dadas.
Mas é também esse o período de um dos meus passeios favoritos: sairmos todos juntos para tomar chocolate quente. Os bares com mesas na calçada (ou na rua mesmo) há muito colocaram os aquecedores para fora, sob um toldo ou outro tipo de proteção. São equipamentos a gás, com uma forma que lembra um cogumelo e que impedem o congelamento dos clientes. Sentamos numa mesa próxima ao aquecedor, pedimos o chocolate, tão denso que precisa ser tomado a colheradas, quente até o fim. Um vento frio se faz sentir em todas as partes que não estiverem protegidas pelo grosso casaco. As mesas ao lado estão sempre cheias e o mesmo ritual da colher se repete.
Longe do calor, das praias e das festas a que estava acostumado, dezembro vai ganhando um outro significado. O volume de trabalho nos faz esquecer um pouco as guerras, crises e os pequenos problemas cotidianos. O frio nos aproxima e nos oferece a oportunidade de conversar e escutar mais. Caminhamos abraçados. A branca neve contribui para espalhar uma sensação de tranquilidade. O vapor que sobe das chaminés transforma a paisagem urbana numa pieguice bucólica, que só contribui para o clima quente dentro da gente. Do alto dos beirais, as pombas encolhidas observam mudas ao movimento constante.
Dezembro. Paz.
**Allan Robert P. J., carioca de nascimento, tem 51 anos, viveu em Embu (SP) por quase duas décadas e lá se casou com Eloá, em 1987. Mudou para Salvador (BA) onde estudou Economia e o casal teve duas filhas. De lá, foram para a Itália, onde vivem atualmente. Allan é micro empresário do ramo automotivo, e Eloá trabalha no ramo de alimentação. Ambos têm raízes (amigos e parentes) na ‘ponte’ Embu-Assis-SP. Allan é irmão dos advogados Bruce P. J. e Dawidson P. J., radicados em Embu. Dawidson já foi do primeiro escalão da Assessoria Jurídica da Prefeitura de Embu no governo Geraldo Puccini Junior (1993-96), e ambos já participaram da diretoria da subsecção da OAB de Embu”.