Allan Robert P. J.
John Theodore Dawidson. Este é o nome que ocupa o espaço reservado ao avô paterno na minha certidão de nascimento. Não o conheci, não sei a cor dos seus olhos nem se ele era doce e agradável como todos os avôs costumam ser. Seja como for, ele foi o responsável por eu me chamar Allan (állan). Como se não bastasse, meus irmãos chamam-se Dawidson, Cecil e Bruce. Já imaginaram a confusão desses nomes em meio a um mar de josés? Durante toda a minha vida fui chamado de ális, álem, Wallace, Aldo, ála, alá, álo, alaín e, ódio dos ódios, alã.
Já pensei em mudar de nome, o problema é que não encontrei nenhum que me agradasse. Existe uma infinidade de nomes bonitos, sonoros e que eu escolheria para um filho, mas não consegui descobrir um nome que quisesse adotar. Com o passar do tempo vou me afeiçoando ao nome que escolheram pra mim. Começo a acreditar na possibilidade de levar esse nome até os últimos dias. Por pura indecisão.
Quando trabalhei com meu pai na construtora, descobri a mania de algumas pessoas em juntar os nomes do casal para formar o do filho, como Sonélio. Sei de um bocado de operários com nomes diferentes, como Euríquedes ou Nauro. Isso sem falar nas diversas cibalenas e cafiaspirinas espalhadas pelos interiores visitados pelo Projeto Rondon. Na mesma época, conheci um vizinho que os pais e irmãos chamavam de Cráudio e que eu chamava de Cláudio. Um dia ele me parou, mostrou-me a carteira de identidade e disse: “Eu me chamo Cráudio!”. Nome é uma questão delicada.
Tem aquela do sujeito que se chamava Joaquim Merda e todos o aconselhavam: “Num caso como o seu o juiz autoriza na hora! Mude de nome…!” Até que um dia ele chegou no bar e anunciou: “Mudei de nome. Agora eu me chamo Manoel Merda!”
Na Itália é hábito dar nomes humanos aos próprios animais. Ettore, Arturo e Leopoldo estão entre os preferidos. E o amigo Aurino, um artista que escolheu o Embu e que foi pintar as asas dos anjos, presenteou a própria filha com uma cadelinha que ele mesmo batizou de Tua-mãe. “Fulana, vai tirar Tua-mãe do meio da rua!”. E morria de rir.
Chamo minhas filhas Bianca e Luiza de Margarida e Gertrude, Marinalva e Rosália, Cosquinha e Dodói ou o que vier na cabeça. Se eu me chamasse José teria a enorme vantagem de que ninguém erraria meu nome. Mas um monte de gente me chamaria Zé. Menos na Itália, onde certamente me chamariam Beppe, corruptela de Giuseppe, o Zé deles. Nomes italianos são uma questão delicada. Andrea e Simone são nomes masculinos por aqui. Os correspondentes femininos seriam Andreina e Simona.
Já tive diversos apelidos. Meu tio Firmino me chamava de carrapatinho, porque vivia grudado nele. Meus irmãos, que achavam que eu fosse alemão por causa dos cabelos brancos (que estão retornando!), me deram apelido e sobre apelido: Alemão Cascudo Carrapato Barrigudo. No pré-primário (tinha isso naquele tempo), me chamavam de Russo. Quando morava no Posto 5, em Copacabana, saíamos da praia e parávamos na lanchonete; todos pediam Coca-cola, e eu, guaraná. Ficou Guaraná por um bom tempo. Fui morar em São Paulo e virei Carioca. Como vivia lá e cá, o que pegou mesmo foi Cigano. Mestre Adílson (Camisa Preta) do Grupo Bantus de Capoeira me chamava de Satã, porque eu batia rindo, quando ainda era possível subir o morro do Pavãozinho para jogar capoeira. Em Sampa, mestre Grande chamava-me de Carioca Branco, para diferenciar do outro, Carioca Preto. Depois, acabou adotando – pelo mesmo motivo – Satã. Mas os amigos insistiam em Cigano.
Entre meu nome pronunciado errado e um apelido, fico com o apelido. E isso me faz pensar sobre chamar-me José (nome do meu sogro amigo). Como a letra j não existe no alfabeto italiano e eles não sabem lidar com ela, eu acabaria criando um outro problema. Eles me chamariam de iosê, alegando que a letra é latina e que eles chamam de i longo. Dizem iuventus, iunior e iuliano. Ou me chamariam de rosê, acreditando tratar-se de espanhol. Zé seria uma pronúncia impossível para eles, que não entendem a diferença entre e aberto e fechado. Acabaria Beppe mesmo.
E ainda tem aquela do sujeito com o balconista que lhe pergunta o nome: “Mamanoel”, responde. O balconista pede que o repita e ele: “Mamanoel”. O balconista se desculpa e confessa estar na dúvida se ele é gago; o sujeito diz: “Eu não, mas meu pai era. E o escrivão do cartório era um filho-da-puta!”
Se meu avô se chamasse João Teodoro da Silva, talvez minha vida seria menos complicada. Nessa crise de identidade que dura há muito tempo, tenho analisado o dilema hamletiano com mais atenção. Confesso que todas as questões alimentam uma dúvida que se mostra voraz e insaciável. Alguém aí tem um nome para me emprestar? Alguma sugestão? Se a próxima carta eu assinar Zé, sou eu mesmo, o Allan. Quer dizer, o ex-Allan, o Zé. Quer dizer…
**Allan Robert P. J., carioca de nascimento, tem 51 anos, viveu em Embu (SP) por quase duas décadas e lá se casou com Eloá, em 1987. Mudou para Salvador (BA) onde estudou Economia e o casal teve duas filhas. De lá, foram para a Itália, onde vivem atualmente. Allan é micro empresário do ramo automotivo, e Eloá trabalha no ramo de alimentação. Ambos têm raízes (amigos e parentes) na ‘ponte’ Embu-Assis-SP. Allan é irmão dos advogados Bruce P. J. e Dawidson P. J., radicados em Embu. Dawidson já foi do primeiro escalão da Assessoria Jurídica da Prefeitura de Embu no governo Geraldo Puccini Junior (1993-96), e ambos já participaram da diretoria da subsecção da OAB de Embu”.