Nos mudamos para São Paulo no dia 23 de dezembro de 1967. Meu pai nos aguardava ansioso, na bela casa da Rua Américo Brasiliense, em Santo Amaro. Ao lado da casa havia uma igrejinha de madeira digna de um filme. No gramado da casa, quatro bicicletas novas. Deveriam ser os nossos presentes de Natal, mas meu pai estava realmente muito ansioso. No dia seguinte saiu apavorado a comprar novos presentes. O Natal, então, tinha gosto de rabanada, nozes, castanhas portuguesas e frutas como pêssego, ameixas e outros sabores esquecidos na minha infância.
Em 1976, com dezesseis anos, fui com minha mãe e meus irmãos passar o Natal em Macaé, casa dos meus avós. Lembro do meu avô, então um ancião a caminho do último quarto de século, com os olhos estalados, boca aberta ofegante, procurando a saída da própria casa, fugindo da multidão que se tornara a família reunida para a festa combinada. Depois daquele Natal decidi que não iria mais àquela convenção familiar, de gente que se encontrava uma vez por ano para saber da vida uns dos outros. Minha mãe não insistia, pois no fundo entendia e creio que ela mesma ia somente por ser o período mais tranqüilo para encontrar os próprios pais e os inúmeros irmãos juntos.
No Natal seguinte ofereci minha boa vontade ao amigo Cláudio, que desde sempre faz doces alemães deliciosos e que nessa época tem um volume de trabalho absurdo. Fui prontamente aceito, pois já o ajudava ocasionalmente aos fins-de-semana. Acabamos virando sócios nos doces. O Natal ganhou o perfume dos strudels, fludens e outros aromas; o sabor das tortas silvanas e as cores das florestas negras, misturando-se com os enfeites da árvore de Natal. Nossas jornadas tornavam-se pesadas, com toneladas de maçãs a descascar, doces sendo produzidos em escala industrial por apenas duas pessoas por até quinze horas seguidas de trabalho. O dia vinte e três começava às cinco da manhã e só terminava às três, quatro da tarde do dia vinte e quatro. Dopados de cansaço, dormíamos até às oito da noite, acordados pelos respectivos despertadores, e saíamos para algum restaurante de desgarrados. Ainda cansados, mas com a prazeirosa sensação do dever cumprido e a certeza de termos deixado sorrisos em muitas casas.
Depois, casei e mudei para Salvador. Passei a comemorar o Natal em respeito às tradições da Eloá, mas continuava achando-o uma festa melancólica, com sentimentos um tanto hipócrita, das pessoas que tornam-se boas e caridosas sob o estímulo do clima criado pelo comércio. Em 92 nasceu a Bianca, quase quatro meses antes do Natal. E foi aí que minha idéia de Natal começou a mudar. Quando, em 95, nasceu a Luiza, o Natal já havia se transformado na nossa festa mais importante, mas confesso que por razões diversas às que deram origem à comemoração.
Com o tempo e muito treinamento, estou aprendendo a dizer “saúde” quando alguém espirra, a dizer “obrigado” quando alguém me diz “saúde”. Estou aprendendo a ser mais tolerante, a entender o que é importante aos que me rodeiam, mesmo que eu ache deselegante. Permaneço indignado com o excessivo teor comercial da festa (com o qual eu contribuo enchendo as meninas e a Eloá de presentes), com a exclusão dos mais humildes de uma festa que deveria ser humilde, mas mudei minha visão sobre o Natal.
Hoje o Natal é o momento de lembrar dos amigos, dos irmãos e dos meus pais, todos tão distantes. Mas é, também, um momento de reflexão, de recarregar as baterias e de desejar que esse espírito de comunhão possa atingir a todos, independentemente da religiosidade da festa. Sob o frio do inverno italiano recém-chegado, desejo a todos a mesma alegria que minhas filhas terão ao abrir os presentes pela manhã; o mesmo clima de dever cumprido e o perfume de strudel do Cláudio; e uma multidão de pessoas com quem dividir bons sentimentos, mesmo que essas pessoas estejam longe como nós.
Feliz Natal!!!
**Allan Robert P. J., carioca de nascimento, tem 51 anos, viveu em Embu (SP) por quase duas décadas e lá se casou com Eloá, em 1987. Mudou para Salvador (BA) onde estudou Economia e o casal teve duas filhas. De lá, foram para a Itália, onde vivem atualmente. Allan é micro empresário do ramo automotivo, e Eloá trabalha no ramo de alimentação. Ambos têm raízes (amigos e parentes) na ‘ponte’ Embu-Assis-SP. Allan é irmão dos advogados Bruce P. J. e Dawidson P. J., radicados em Embu. Dawidson já foi do primeiro escalão da Assessoria Jurídica da Prefeitura de Embu no governo Geraldo Puccini Junior (1993-96), e ambos já participaram da diretoria da subsecção da OAB de Embu”.