Os jornais brasileiros não anunciaram a falta de frio na Europa, estão mais preocupados com os BBBs e futebol. A temperatura na Itália está acima da média do período, por causa dos ventos que vem da Africa. Como resultado, algumas anomalias puderam ser observadas nos eventos que marcam essa estação do ano: flores que só apareceriam na primavera começaram a pontilhar as ruas e campos, enquanto uma espécie migratória de borboletas que deveria retornar no início da próxima estação, fez o caminho de volta e deu um colorido inesperado nesta época do ano.
Ninguém noticiou, mas com a temperatura negativa desses últimos dias, creio que as borboletas não tiveram tempo de perceber o ligeiro equívoco e, as que se arrependeram e tentaram retornar, conseguiram chegar, no máximo, ao sul da Itália, onde devem ter sido recepcionadas pela neve.
Você que está lendo agora essa carta, deve estar pensando: “O que esse cara tá falando? Frio? Temperatura negativa…? Que diabo de isso é isso? Nesse clima de euforia de pré-carnaval; a expectativa com o novo Governo; a paralisia que ocorre nesse período, que faz com que o ano termine antes do Natal, mas só recomece depois do Carnaval e alguém vem falar de frio? O termômetro se enche de vermelho pra me dizer que chegamos a 40 ºC, na sombra!” Acorda, ô meu! (diriam os paulistas) Sai dessa, meu rei! (os baianos) Qualé, bró! (cariocas). A intenção é essa mesma. Mostrar uma realidade diversa. Experimente olhar para o termômetro e imagine-se vestindo uma camiseta de mangas compridas, depois uma malha de lã, meias grossas, calças, casaco e luvas. Eu fiz essa experiência no verão e tive calafrios. Espero que você também, ou um de nós não é normal.
Difícil mesmo, é acostumar-se com a ditadura da moda: todo mundo usa preto no inverno. Não uma peça ou um casaco, mas tudo preto. Da mesma forma que no verão todos os homens usam calça pescador com cordinha na barra. Não ouse sair diferente, as reações podem ser perigosas. Noutro dia usei um sapato de camurça bege: as pessoas mostravam-se horrorizadas e indignadas. Cheguei a temer o linchamento. Vermelho? Nem pensar! Achar meias marrons neste período requer investimento alto: teria que pegar um avião. O outro lado da moeda é que finalmente achei as meias pretas, que somem das prateleiras no resto do ano. Já comprei dez pares.
Aprendemos a sair de casa, independente dos humores do tempo. As ruas são sempre cheias de movimento. As pessoas saem, inclusive a pé, mesmo que seja só para um café ou chocolate quente. Um cinema. O italiano é habituado a planejar tudo: Quinta, aquele bar novo; sexta, jantar no restaurante predileto; sábado, pizza e discoteca. E saem sem considerar o frio, chuva ou mesmo neve.
Com a aproximação do Carnaval (nem sei quando é!), me encho de esperanças de que o azul e branco da minha Portela volte, enfim, a brilhar. Penso nos muitos Carnavais passados em Salvador e comparo com as manifestações da festa aqui em Piacenza: o baile infantil no salão paroquial e as chiaccihere (pronuncia-se kiákiere), um tipo de biscoito frito, coberto com açúcar de confeiteiro. Nunca tive vontade de ir a Veneza, pois não entendo o Carnaval contemplativo; além disso, lá é tudo muito caro nessa época (nas outras, também) e falta estacionamento. Vou fingindo que não sei que do outro lado do Atlântico, mais ao sul, o tempo esquenta. Amanheceu na Itália. Vou fazer um café e acordar minhas três meninas (mãe e filhas). São seis e meia, 23 ºC, eu aqui de bermudas e camiseta, olhando a fina neve que cai lá fora, começo a pensar nas chiaccihere.
**Allan Robert P. J., carioca de nascimento, tem 51 anos, viveu em Embu (SP) por quase duas décadas e lá se casou com Eloá, em 1987. Mudou para Salvador (BA) onde estudou Economia e o casal teve duas filhas. De lá, foram para a Itália, onde vivem atualmente. Allan é micro empresário do ramo automotivo, e Eloá trabalha no ramo de alimentação. Ambos têm raízes (amigos e parentes) na ‘ponte’ Embu-Assis-SP. Allan é irmão dos advogados Bruce P. J. e Dawidson P. J., radicados em Embu. Dawidson já foi do primeiro escalão da Assessoria Jurídica da Prefeitura de Embu no governo Geraldo Puccini Junior (1993-96), e ambos já participaram da diretoria da subsecção da OAB de Embu”.