*Eliseu Rosendo Nuñez
Há cerca de 8 anos centenas de pobres sem moradia invadiram um terreno ocioso de propriedade do mega-especulador financeiro Naji Nahas, que foi à falência depois de causar enorme rombo em milhares de aplicadores da bolsa de valores, devido a fraudes financeiras.
Dias atrás, após uma decisão judicial que atendeu ao pedido de reintegração de posse, por parte da massa falida, o governo federal, diante da total omissão do governador paulista Geraldo Alckmin para com o drama social das 1.600 familias, ou cerca de 5.000 moradores da área agora chamada de Pinheirinho, em São José dos Campos, resolveu propor a compra da área para deixar a população onde estava.
Segundo noticiado pela imprensa, o governo federal negociava com o governador Alckmin a contrapartida do Estado, com a realização de infra-estrutura (água, saneamento básico, etc), e com o Prefeito, também do PSDB, Sr. Eduardo Cury, a regularização do novo bairro. As referidas negociações incluíram os deputados Carlos Giannazi e Ivan Valente do PSOL e o Senador Eduardo Suplicy do PT, que tentavam adiar a ordem de reintegração de posse, junto ao Tribunal de Justiça de São Paulo, até que o acordo supracitado se concluísse, de modo a evitar a tragédia social que viria a seguir.
Pois bem, o que fez o governador tucano? Ignorando as negociações acima, e a vida de 1.600 famílias, entre as quais centenas de crianças, idosos, mulheres grávidas, etc, mandou as tropas da PM desalojarem essas pessoas à força, como vimos pela TV e imprensa.
O que me causa espécie, é a total insensibilidade da maior parte da classe média paulista, que se diz cristã, e que se omite e faz de conta que não está acontecendo nada, ou pior, quando se manifesta é para defender a ação do governo do PSDB, sob argumentos frágeis como: “o governador está apenas cumprindo a lei”, ou a juíza que determinou a remoção apenas cumpre a lei”.
Ora, além de insensível e preconceituosa (atitudes nada cristãs) essa parte da classe média, formadora de opinião e que elegeu o PSDB nos últimos 18 anos no Estado de SP, engole essas teses sem questioná-las, como se fossem verdades absolutas, incorrendo em grave erro humanitário e jurídico.
Em primeiro lugar, lembro que num caso como esse, envolvendo centenas de famílias excluídas da sociedade dos direitos sociais, o Estado tinha a obrigação de fazer cumprir o mandamento da Lei Maior do país, qual seja, a Constituição Federal que diz:
Art. 5°…..
XXIII – a propriedade atenderá a sua função social;
XXIV – a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição;
Portanto, a obrigação legal (além da moral, ética e humanitária) do Governador e do Prefeito, era a de desapropriar aquele terreno, que vale apenas 15 milhões de reais (equivalente a 15 apartamentos de classe média alta em SP), para manter cerca de 1.600 familias onde moram há 8 anos.
Quem descumpriu a lei mais importante do país, portanto, foram o governador Alckmin e o Prefeito, ambos tucanos.
Quanto às ordens judiciais proferidas pelos juízes Rodrigo Capez (do Tribunal de Justiça de SP e irmão do deputado do PSDB Fernando Capez) e a juiza Márcia Faria Mathey, do fórum de São José dos Campos, além de açodadas, não levaram em conta o previsto na Lei de Introdução ao Código Civil, que diz textualmente:
Art. 5º – Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.
Será que as referidas ordens judiciais levaram em conta os fins sociais e as exigências do bem comum?
Conclui-se, pois, que tanto o poder executivo (governador e prefeito) quanto o Judiciário descumpriram a lei, ou a interpretaram da forma mais conservadora e elitista possível, privilegiando o interesse econômico em detrimento do social e humanitário, como quase sempre ocorre neste país.
Enquanto isso, os interesses da classe média continuam sendo o BBB, o carnaval e o futebol…
(*Eliseu Rosendo Nuñez – Advogado)
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