Allan Robert P. J.
Antonio: branco do Sul da Itália. 49 anos, casado, quitandeiro. Discursa sobre tudo, de política a construção civil, de economia a futebol. Seu hoby é a eletrônica. Garante que todas as fábricas de pneus pertencem à italiana Pirelli. Ensina que a qualidade inigualável do gado italiano produz o melhor leite, o melhor queijo e a melhor carne do mundo. Sua principal característica é a disponibilidade para consertar aparelhos elétricos ou eletrônicos dos amigos, a quem ele recebe com o sorriso complacente dos seres superiores. Da última vez que nos encontramos, ensinou que semente da laranja não serve pra nada: esclareceu que as laranjeiras só se reproduzem por mudas retiradas de uma árvore adulta.
Jazz: negro da Costa do Marfim. 31 anos, solteiro, formado em sociologia e economia, trabalha como operário. Fala pouco, tem uma aparência intimidadora, apesar da baixa estatura. Conta que no seu país a diversidade de línguas é um dos pontos fortes: cada tribo tem seu próprio idioma, mas com o fluxo de estrangeiros desenvolveram o hábito de aprender diversas línguas. Além do francês, a língua oficial, fala fluentemente inglês, espanhol e italiano. Pretende ficar pela Europa. Sua principal característica é um sorriso fácil, espontâneo e infantil. Da última vez que nos encontramos, fez questão de mostrar um velho ciclomotor que acabara de comprar que, com o frio desses dias, o obriga a andar enrolado em um cobertor.
Rosaria: branca do Sul da Itália. 43 anos, casada, faxineira. Imagem folclórica do italiano: estoura por qualquer motivo, gesticula, fala alto com um carregado sotaque napolitano. Duzentos palavrões por dia. É a cota. Como qualquer italiano, tem celular e deu um outro para a filha de treze, quinze anos. Recarrega o telefone com €$ 10,00 por semana. É a cota. Quando acaba a carga, entra no escritório e pede para telefonar à filha, controlando a saída da escola e orientando sobre os serviços da casa. Três vezes na quinta-feira e quatro na sexta. É a cota. Sua principal característica é o hábito de xingar, de forma escandalosa, qualquer um que a atrapalhe ou que ouse provocá-la. Da última vez que nos encontramos, contou-me que mudara para um convento, após a surra que o marido ofereceu a ela e à filha. Ela, a filha e o filho de sete anos: os três no convento. É a cota.
Omar: negro da Somália. 45 anos, viúvo, casado, formado em economia, trabalha como operário. Na Itália se pronuncia “ômar”. Ex-funcionário menor do governo do seu país, fugiu para a Itália há vinte anos para não ser morto pelos inimigos políticos do governo de então. Não conseguiu trazer a família, mulher e cinco filhos. Quatro filhos e a esposa morreram na guerra, tentando escapar. Seu tio, patriarca do clã, decidiu que com a morte da mulher, a irmã dela tomaria o lugar de esposa de Omar, como é o hábito. Desta forma, a cunhada de Omar assumiu a identidade da irmã, pegou o único filho dele que sobreviveu, transferiu-se para Adis Abeba e de lá conseguiu, através da Igreja, uma autorização para entrar na Itália. Agora eles tem um segundo filho, nascido na Itália. Seu filho maior, de 18 anos, come pouco, vive doente e constantemente desanimado. Omar parou de beber e adora discutir futebol. Sonha em voltar. Sua principal característica é o olhar perdido, que tenta disfarçar com brincadeiras em dialeto piacentino. Da última vez que nos encontramos, pediu-me conselhos sobre a saúde do filho e anotou minha sugestão de óleo de fígado de bacalhau e mel com própolis, além do médico, é claro.
Marco: branco do Centro-norte da Itália. 38 anos, casado, chefe de departamento. Voz grave, um metro e noventa, cento e cinquenta quilos, óculos grandes e olhos estalados: assusta. Mas é o que chamamos “uma flor de pessoa”: fala mansa, andar lento e arrastado. Seu hoby é ganhar das máquinas de vídeo-pôquer. Ganha sempre. Certa vez, contou-me que era perseguido pelo tenente, quando prestava o serviço militar. Pegava os piores serviços e fazia plantões no frio durante as festas. Depois de seis meses resolveu por um fim na situação. Estava no escritório do quartel fazendo faxina quando o tenente entrou e passou por ele. Aproveitou a ocasião e passou lentamente a mão na bunda do tenente, que se virou e fixou-o, assustado. Ele, sério, deu com os ombros e abriu os braços, como a dizer: “foi mais forte que eu…” No dia seguinte o tenente transferiu-se para o Sul. Sua principal característica é uma profunda capacidade de avaliar as pessoas, como qualquer psicopata. Da última vez que nos encontramos, ele estava de férias e levou-nos um generoso pedaço de focaccia para acompanhar o cafezinho das dez.
Maurice: negro da Nigéria com cidadania italiana. 36 anos, casado, representante. Vai à igreja todos os dias, tem carro japonês de fazer inveja aos ex-colegas operários. Cordial, educado e com pose de dândi, é mais italiano que muitos italianos. Está desenvolvendo um projeto comercial binacional, com o objetivo de ajudar seu povo de forma sustentada e dinâmica. Amigo fiel e divertido. Sua principal característica é a ingenuidade e um sorriso fácil de menino. Da última vez que nos encontramos, foi em uma festa de criança. Ele era quem mais se divertia.
Gianni: branco do Centro-norte da Itália. 63 anos, casado, empresário. Responsável chefe de família, preocupava-se em trabalhar e educar bem os filhos. Há 19 anos conheceu o Brasil com uns amigos. Quando voltou, trouxe na bagagem duas mulatas e as alojou em um confortável apartamento, deu carro, crédito no supermercado do amigo, jóias e casacos de pele. A aventura não durou muito, pois ele descobriu que podia variar. As moradoras do tal apartamento não são mais as mesmas, aliás, nunca são as mesmas. Seu irmão e sócio precisa controlá-lo para que suas besteiras não tenham dimensões catastróficas. Mas bem que ele tenta. Sua principal característica é uma alegria contagiante estampada na face bem barbeada, perfumada e tratada. Da última vez que nos encontramos, contou que está fazendo um curso de computação para empresários. E que depois do curso sai com os amigos.
Killy: negra do Senegal. 24 anos, solteira, sem formação definida, desempregada. Não a conheço, mas sei que está fazendo um curso de computação para empresários.
**Allan Robert P. J., carioca de nascimento, tem 51 anos, viveu em Embu (SP) por quase duas décadas e lá se casou com Eloá, em 1987. Mudou para Salvador (BA) onde estudou Economia e o casal teve duas filhas. De lá, foram para a Itália, onde vivem atualmente. Allan é micro empresário do ramo automotivo, e Eloá trabalha no ramo de alimentação. Ambos têm raízes (amigos e parentes) na ‘ponte’ Embu-Assis-SP. Allan é irmão dos advogados Bruce P. J. e Dawidson P. J., radicados em Embu. Dawidson já foi do primeiro escalão da Assessoria Jurídica da Prefeitura de Embu no governo Geraldo Puccini Junior (1993-96), e ambos já participaram da diretoria da subsecção da OAB de Embu”.