Allan Robert P. J.
John Kennedy dizia que para agradar a muita gente basta ser muito superficial. O leque das preferências pessoais se alarga ou se estreita de acordo com o grau da resistência a mudanças de cada um. Muitas vezes perde-se muito pelo simples fato de recusar-se a provar algo novo.
Como todo carioca, feijoada para mim deve ter rabo, orelha e pé de porco. E feijão preto. A feijoada baiana é feita com feijão fradinho e tem carne de vaca no meio. Já aquela sergipana tem de tudo: quiabo, abóbora… Podiam ao menos mudar o nome do prato, por respeito ou compaixão. Eu bem que tentei, mas não consegui gostar das modificações. Isso apesar do feijão gordo da Toca do Sapo, em Lauro de Freitas (BA), que é servido nas manhãs de sábado. Tem lugar de honra na minha memória gastronômica e até medalha, pela cerveja estupidamente gelada que o acompanha, às sete da manhã.
É a tal resistência às mudanças que gera as tradições, às vezes para lembrar, outras para não deixar esquecer. No mundo inteiro as famílias se encontram em pequenas reuniões informais e esses encontros costumam ocorrer nos dias de repouso, quando se aproveita para estreitar os laços entre parentes. Na Itália não é diferente. As famílias se reúnem aos domingos para o que podemos chamar de “pequena maratona gastronômica”.
Os mais antigos se lamentam do pouco tempo que os mais jovens têm dedicado à família, preferindo a companhia dos amigos e as intermináveis conversas ao celular. Dizem que o advento da televisão exterminou o hábito das conversas, que serviam para informar e formar os filhos. O dominical jogo da tômbola (bingo familiar) já não tem mais espaço nem graça e os jovens aprenderam a responder aos pais e idosos de forma pouco respeitosa.
Os mais jovens alegam que domingo é dia de recuperar as energias, até porque, vem logo após a noite de sábado. Entendem as conversas dos velhos como notas dissonantes na realidade virtual em que vivem e preferem os play station e game boys à tômbola. Encontraram um modo de se expressar que lhes permite maior auto-confiança e auto-afirmação e não pretendem abrir mão daquilo que consideram a conquista do próprio espaço.
Voltando ao tema do domingo, o que me agrada mesmo é a mania que os italianos têm de fazer um almoço lento, de horas. Nos outros dias funciona assim: uma entrada, que pode ser queijo (preferivelmente Parmigiano Reggiano), primeiro prato (em geral uma massa ou risoto), segundo prato de carne com algum contorno (legumes) ou um prato com salames, copas e presuntos; sobremesa e… Parmigiano Reggiano!
No domingo a coisa muda: toda tia, filha, sogra ou cunhada prepara um primeiro e um segundo prato, além da sobremesa. Cada uma capricha na própria especialidade. E você, nobre convidado, deve provar um pouco de tudo para não desagradar ninguém. Aconselho não aceitar mais de um convite por mês. O estômago pode até resistir, mas o fígado não. A ala masculina se preocupa em providenciar os mais raros e diferentes vinhos. E você, nobre convidado…
Domingo é dia de missa, futebol e ressaca. Mas é, também, dia de passear na beira do rio, tomar sorvete napolitano e provar sabores diferentes. As roupas são preparadas cuidadosamente no sábado, para perderem o cheiro de armário. Tudo precisa ser meticulosamente planejado, para que não se perca a menor oportunidade de gozar a folga. Os parques de diversão funcionam em ritmo de Carnaval na Bahia: frenéticos, elétricos e sonorizados. Museus, restaurantes, cinemas e todos os pontos turísticos, das cidades turísticas ou não trabalham com horário e pessoal extras. Domingo é o dia das festas das cidades e vilarejos, que – geralmente – se resumem a uma feira monstruosa com todo tipo de mercadoria, de malhas peruanas a trator, além de muita comida e vinho.
Já havia escrito que não basta aprender a língua para integrar-se ao novo país. É preciso entender, conhecer e aceitar a cultura local. Somente vivendo como romano você poderá ser aceito pelos romanos. Talvez por isso sempre fui visto com certa desconfiança pelos baianos, pois fazia questão de ser carioca ou paulista, como se isso me fizesse superior. Na realidade, me identifico mais com o povo baiano que com qualquer outro, mas sempre gostei de pirraçar, provocar. E sempre critiquei a feijoada baiana.
Pensando bem, John Kennedy era extremamente popular entre os americanos. Fazia questão de esconder a frágil saúde para mostrar-se como ícone de uma nação e tinha uma (quase) unanimidade de aprovação em todos os seus atos. Agradava a muita, muita gente.
**Allan Robert P. J., carioca de nascimento, tem 51 anos, viveu em Embu (SP) por quase duas décadas e lá se casou com Eloá, em 1987. Mudou para Salvador (BA) onde estudou Economia e o casal teve duas filhas. De lá, foram para a Itália, onde vivem atualmente. Allan é micro empresário do ramo automotivo, e Eloá trabalha no ramo de alimentação. Ambos têm raízes (amigos e parentes) na ‘ponte’ Embu-Assis-SP. Allan é irmão dos advogados Bruce P. J. e Dawidson P. J., radicados em Embu. Dawidson já foi do primeiro escalão da Assessoria Jurídica da Prefeitura de Embu no governo Geraldo Puccini Junior (1993-96), e ambos já participaram da diretoria da subsecção da OAB de Embu”.