Deveria ser terminantemente proibido baixar pela internet a nova produção do diretor Martin Scorsese, “A Invenção de Hugo Cabret”. A exceção seria o internauta provar ter, em casa, uma telona como a do cinema, e a tecnologia 3D disponível. Para o bem tanto do espectador, como do filme, que estreia nessa sexta-feira (17) no Brasil.
Campeão de indicações ao Oscar 2012 (11 no total), “Hugo” começa despretensioso, como mais uma produção infanto-juvenil, semelhante a muitas que já foram realizadas e que permitem uma viagem no tempo. Mas, aos poucos, se transforma numa das mais surpreendentes e encantadoras homenagens a um dos inventores da sétima arte, o ilusionista francês Georges Méliès, que realizou centena de curtas-metragens, entre eles, “Viagem à Lua”, de 1902.
Muitas dessas produções inaugurais são apresentadas pela primeira vez com o auxílio da tecnologia 3D e com os quadros pintados à mão como acontecia na época. Também é de encher os olhos, e muito difícil de não se emocionar, quando Martin Scorsese carrega o espectador para uma das primeiras exibições do documentário “A Chegada do Trem na Estação”, realizado pelos irmãos Auguste e Louis Lumière, em 1895, e que é considerado o marco inaugural do cinema. Há também uma homenagem ao grande comediante Harold Lloyd, com cenas do clássico “O Homem Mosca”, de 1923.
A história é protagonizada pelo garoto órfão de 12 anos, Hugo Cabret (muito bem interpretado por Asa Butterfield), que mora no interior do relógio na central de trem em Paris, na França. Nada mais apropriado para um filme que homenageia o cinema. Desde que perdeu o pai e foi abandonado pelo tio, ele acerta sempre os ponteiros para evitar que seja descoberto pelo guarda (vivido pelo comediante britânico Sacha Baron Cohen, que aparece leve e sem pesar no humor, como é seu costume), que manda as crianças abandonadas que encontra para o orfanato.
Ao mesmo tempo em que comete pequenos furtos numa loja de brinquedos, Hugo também tenta consertar uma espécie de homem máquina deixado pelo pai, até como modo de recuperar a memória dele, mas para isso precisa encontrar uma chave. Porém, a história de Hugo começa a mudar quando é descoberto pelo ranzinza dono da loja de brinquedos da estação – numa atuação soberba de Ben Kingsley. Surpreso com a desenvoltura e invencionice do garoto, o senhor resolve levar embora o caderno de desenhos do menino e, por isso, é perseguido por ele pelas ruas de Paris.
É quando conhece a afilhada do senhor, Isabelle (Chloe Moretz), e os dois se envolvem numa incrível aventura, que mistura fatos históricos e reais (incluindo um pesadelo de Hugo de um trem invadindo a estação) com a história inaugural do cinema, incluindo fatos bastante imaginários, delirantes e, justamente por isso, incríveis e arrebatadores.
Sem revelar muito mais da trama, correndo sérios riscos de estragar a surpresa do espectador, é possível afirmar que “Hugo”, baseado no romance de Brian Selznick, é daqueles filmes que já nascem com lugar assegurado tanto na história do cinema e também no espaço afetivo de todos que o assistirem. Será impossível deixar as salas impunemente. Afinal, Martin Scorsese utiliza duas chaves mágicas que transformam esse num filme realmente encantador e inesquecível.
A primeira delas é a mistura da tecnologia mais badalada do cinema atual – o 3D –, sabendo aproveitar (rara exceção) os efeitos dramáticos proporcionados por ela; com os recursos da narrativa clássica e também trechos de filmes indispensáveis em qualquer aula de cinema que se preze. A segunda é se valer de uma linguagem aparentemente infanto-juvenil para atingir todas as faixas etárias com a mesma força, pois todo mundo já foi criança um dia e sonhou com um mundo de fantasias, tantas vezes proporcionado e alimentado pelo cinema.
Por: Guilherme Bryan, especial para a Rede Brasil Atual