Velha piada dos tempos da Guerra-fria: Dois operários trabalham em uma avenida de Moscou. O primeiro faz um buraco de meio metro de profundidade com uma cavadeira. O segundo espera dois minutos e tapa o buraco com a terra que o outro havia retirado. Caminham três metros e repetem a operação. Um passante pergunta o que eles fazem e um dos operários esclarece: “Somos os responsáveis pela arborização de avenidas: um cava, outro coloca a muda da árvore e o terceiro fecha o buraco. O sujeito que coloca a árvore ficou doente, mas nós continuamos a fazer a nossa parte.”
Me dá a sensação do dever cumprido, quando coloco o lixo a ser reciclado no saco de coleta diferenciada. Apesar disso, não consigo esquecer a reportagem que mostrava os caminhões coletores de lixo de Nápoles despejando tudo no mesmo local para o mesmíssimo tratamento. Necas de reciclagem!
Um dos meus instrutores de TQM (Total Quality Management) dizia que a diferença básica entre a filosofia americana nos programas de qualidade e aquela européia é a ênfase dada. Os americanos se preocupariam mais com os resultados, enquanto os europeus se fixariam na normatização. Jamais entendi porque ele fazia tanta birra com a preferência dos europeus pelas regras. O TQM instrui a testar, analisar e verificar os resultados de cada operação antes que essa venha a ser padronizada. E isso só ocorre se os dados positivos forem estatisticamente comprovados. Acredito ter descoberto o motivo da má vontade daquele filho da mãe do meu professor: ele deve ter morado na Europa. Aqui, o importante é existir uma regra ou norma. Se o resultado não for o esperado, eles saem à caça de um culpado. E quando o encontram, está resolvido!
Os ingleses aprovaram a alguns anos uma lei que proíbe a circulação de menores de dezesseis anos desacompanhados pelas ruas de Londres, após às nove da noite. Aprovaram, também, uma outra lei, que permite às grávidas menores de dezesseis de abortaram, mesmo sem autorização dos pais. Ou seja, andar na rua à noite, não pode, mas fazer aborto sem o conhecimento dos pais, isso pode. Ainda não entendi porque se usa a expressão “pra inglês ver”.
Muita gente tem a equivocada impressão de que a Europa é um lugar onde as coisas se resolvem. Têm a fantasia de que os crimes são todos descobertos e punidos, que os culpados sempre pagam e que a honestidade impera como em um lugar de sonhos. Pois bem: é tudo aparência. A pobreza existe, mas vive escondida; a violência só é mostrada em parte; as informações vendidas aos jornais atendem a um padrão de auto-censura, que decide o que é bom e o que não pode ser mostrado à população. Que ninguém se iluda pensando que o esporte e as fofocas sobre vips assolam os jornais europeus apenas porque não acontece nada de mais interessante, ou porque a população vive alienada, preferindo notícias amenas. Segundo o último levantamento da polícia carcerária italiana, mais de oitenta e quatro por cento dos crimes na Itália são arquivados como insolúveis. O Ministério da Saúde informa que dez novos casos de aids ocorrem a cada dia, mas tal notícia é divulgada somente no site deles, e precisa ser craque em informática para encontrar tal notícia. É a guerra da manipulação da informação.
O jornalista Emilio Fede usa um expediente muito divertido no telejornal que dirige. Quando mostra os políticos aliados de Berlusconi (patrão de Fede) seleciona as melhores fotos, em que o agraciado aparece sorrindo, geralmente em alguma ação positiva, como em uma visita a alguma instituição filantrópica ou discursando em plenário. Já quando se trata de algum político adversário, o eficiente Emilio vasculha alguma foto do infeliz fazendo uma careta; de calção de banho, quando se trata de alguém gordo ou – em situações de desespero – o escudeiro Emilio amplia a única foto encontrada, dando um efeito distorcido à imagem, focando a careca ou as rugas do desafeto. Táticas de guerrilha.
“O que é bom a gente contabiliza. O que é ruim, a gente esconde.” Já ensinava Rubens Ricupero.
Perucas masculinas, toneladas de maquiagem, cintas abdominais e roupas de grife. Qualquer subterfúgio vale se for para mostrar o que não se é. Inclusive deixar, displicentemente, um livro dentro do carro, no estacionamento do trabalho. De preferência, com algum papel dentro, servindo como marcador. Juro que ainda vou bolar um meio de ganhar dinheiro vendendo aparências. Pecado não ter estudado cirurgia plástica…
Se cada um fizer a sua parte, separando o lixo para a coleta diferenciada dentro das normas estabelecidas, não haverão culpados. As fofocas da corte inglesa fazem mais sucesso por lá que o amarelo sorriso de Emilio Fede por aqui, enquanto os jovens herdeiros reais estarão protegidos à noite. A informação oferecida à população italiana irá depender sempre da orientação do que pode e não pode ser mostrado. Miséria e violência, só no país dos outros. E la nave và…
Por falar em Ricupero, ouvi dizer que ele foi visto na Rússia, contabilizando árvores.
…E de peruca!