“Ver o que é justo e não agir com justiça
é a maior das covardias humanas”
(Confúcio)
Juquinha era um menino muito ingênuo. Seus pais, muito religiosos, fizeram-no acreditar em tolos valores, como os de justiça, humanidade, amor e respeito ao próximo e, sobretudo, de que os homens, em essência eram todos bons e destinados ao Céu.
O menino foi crescendo, era magrinho, mirrado, mas seus olhos tinham um brilho especial, meigo, quase angelical. No primeiro dia na escola, Juquinha sentiu muita vergonha. Por falta de dinheiro, pois as posses da família eram modestíssimas, a mãe de Juquinha obrigou-o a usar um par de velhas sandálias havaianas. Até aí, nada de mais. Mas o problema era que, além de morrer de vergonha de andar com seus pés à mostra, Juquinha entrou em pânico mesmo ao ver que as alças de um de seus chinelos eram verdes, enquanto que as outras, do outro pé, eram azuis. Juquinha chorou, implorou à mãe para ir descalço à escola, mas ela, com o dedo em riste, proclamou: – “Meu filho, você não deve se envergonhar de nada nesta vida, principalmente de seus pais ou de sua condição social”.
Juquinha, conformado e com lágrimas nos olhos, foi à luta, ou melhor, à escola. Lá chegando, passou a ser vítima de todo tipo de chacota. Um dos alunos, gordo e alto, com cara de poucos amigos, conhecido como ‘Bolo Fofo’ decidiu torturar Juquinha, dia a dia, mês a mês. Chutava a bunda do menino mirrado e sentenciava: “– Vacilão!”. Por azar, no mesmo dia em que teve de ir à escola com os tais chinelos de cores diferentes, a escola chamou um fotógrafo para registrar a turma. Juquinha enfiou então os seus pezinhos na grama, com intuito de esconder os chinelos, e a foto ficou assim registrada para sempre.
Pouco a pouco, Juquinha não era mais ele mesmo, era apenas o “Vacilão”. Um dia, após mais um dos tradicionais pés-na-bunda recebidos do grandão, o pai de Juquinha, vendo a cena de longe, ao passar pela rua ao lado da Escola, teve um surto colérico, pulou o muro e agarrou o tal ‘Bolo Fofo’, arrastando-o à diretoria.
A diretora, dona Olinda Pinto de Faria, uma senhora baixinha, enorme, de cabelos curtos e óculos pequenos e redondos, recebeu ‘Bolo Fofo’ em sua sala com especial prazer. Meu pai, satisfeito, saiu triunfante por ter defendido Juquinha, seu filho! Era feinho, mirrado, covarde, mas era seu filho! E ainda tinha aqueles olhos tão meigos, indefesos…
Dona Olinda era o terror da escola. Tinha a fama de arrancar as orelhas dos alunos mais espevitados e indisciplinados. ‘Bolo Fofo’ não fugiu à regra. Teve orelhas esfoladas e as mãos castigadas impiedosamente por uma palmatória. Sim, alunos podiam receber castigo físico naquela época em que não havia um tal de ‘Estatuto da Criança’, muito menos outra tal de ‘Constituição Cidadã’. Era o tempo da ditadura, do olho por olho, dente por dente.
‘Bolo Fofo’ nunca mais mexeu com o ‘Vacilão’. Juquinha ainda seria discriminado pelo fato de ter causado tanta dor e sofrimento ao colega que o torturava. Ao se aproximar de qualquer roda de alunos, recebia a repulsa de todos, que em coro gritavam: – “– No nosso grupo não cabe Vacilão!”
Com o tempo, Juquinha cresceu e se tornou um cidadão comum, mas honrado. Ainda detesta a mentira e a calúnia, assim como seus pais, agora falecidos, o ensinaram. Juquinha se casou com dona Emília, mulher ímpar, de fibra; tiveram dois lindos filhos. Eles nunca se venderam ou atenderam ao ‘canto de sereia’ de gente falsa, que só faz saber bajular os poderosos para obter vantagens pessoais. Poderosos são assim, com a vaidade maior que o planeta. Adoram ser adulados por puxa-sacos de plantão, detestam ser contrariados. Quando alguém tenta lhes mostrar a realidade, ficam violentos, autoritários, preferindo ser enganados e adulados por aqueles que os abandonarão imediatamente, tão logo caiam em desgraça.
Juquinha, o ‘Vacilão’ tem um propósito hoje de se calar, ao menos temporariamente, colocar uma pedra sobre os temas incômodos, sobre as injustiças que se praticam no mundo. De certa forma, contraria o que seus pais lhe ensinaram. Mas Juquinha está cansado de matar um leão por dia, de falar sozinho numa terra em que muitos se calam por temor, comodismo, ou pior, por cumplicidade. Juquinha deve ser um grande ‘Vacilão’, mesmo. Caso contrário, jamais revelaria confidências pessoais para os internautas que caíram na armadilha de ler este texto tão incompreensível, mas sincero. Juquinha e sua esposa fizeram com que seus filhos recebessem a mesma educação que tiveram. Mas que ‘Vacilões’, não concordam?! Qualquer semelhança com fatos reais é uma maldita coincidência!
*Márcio Amendola
Um texto magnífico e muito realista.Isso que a criança passou hoje chama-se bullyng ou assédio moral.Juquinha é um vencedor, pois resistiu a tantas pressões e humilhações.
Deveria ser colocado em rede nacional na mídia para refletirmos sobre um Brasil cheio de cachoeiras e cascatas pesadas.
Parabéns pelo texto.
Fantástico! Adorei a foto!!!
A mãe do Juquinha, fiquei sabendo, anos depois deu ao neto um frasco de Toddy para que ele levasse suco para a escola. O menino foi vítima de piadinhas de todo tipo, até que um dia a mãe comprou uma lancheira para ele, então com pouco mais de 5 anos, e ficou tudo bem… rs
HAHAHA TEXTO INCRIVEL E MARAVILHOSO AMENDOLA!!!
PARABENS!!!