Um famoso filme italiano intitulado “O Ladrão de Bicicletas” (ou coisa que o valha) só faz sentido depois de conhecer a Itália. Aqui todo mundo anda de bicicleta. Nos dias frescos de primavera, início e fim de verão e no outono, muita gente prefere ir trabalhar de bicicleta. Em casa somos em quatro e quatro são as nossas bicicletas. Isso porque demos uma usada de presente.
Mesmo no inverno, muita gente escolhe a bicicleta. É sinônimo de saúde e é elegante, além de ecológico e econômico. Senhoras de casacos de pele, advogados em ternos Armani, a mãe que leva a criança para a escola, o pedreiro, a vizinha gorda indo às compras, pessoas que passeiam com cachorros, o passeio dominical da família. Todos, pobres ou ricos, bem vestidos ou menos, a passeio ou a negócios, vão de bicicleta.
Nomes como Marco Pantani, Mario Cipollini ou o legendário Gino Bartali são tão conhecidos aqui como os nossos Oscar Schimidt, Gustavo Kuerten ou o legendário Ayrton Senna. O ciclismo é o segundo esporte da Itália, só perdendo para o futebol, apesar da bola ter muito menos praticantes que a bicicleta. Giro d’Italia, Vuelta d’España e Tour de France são algumas das competições que aquecem a crônica esportiva no verão europeu.
Os centros históricos não podem ser demolidos nem modificados (algumas casas são reestruturadas por dentro e podem ser restauradas por fora, desde que mantenham à vista a estrutura e as telhas originais – na medida do possível, é claro) e, portanto, possuem as mesmas ruas estreitas da época em que foram projetadas para o trânsito de pacatas carruagens. A maioria das antigas casas não possui garagem e estacionamento é uma necessidade que surgiu depois do excesso de veículos; resumo: não há onde estacionar. Ou se usa a bicicleta, ou alguém terá de dar voltas no quarteirão enquanto a mulher vai ao cabeleireiro. E reze para o salão estar vazio.
No inverno, em frente às estações de trem (toda cidade tem uma), as bicicletas acorrentadas umas às outras, nos postes, placas de trânsito, ou simplesmente a si próprias, transformam a paisagem em algo surreal depois da primeira neve: um manto branco cobre a praça, congela o chafariz e transforma as bicicletas em esculturas de gelo, brancas e imóveis, como em uma cena arqueológica.
Um rapaz argelino, que trabalhava num supermercado vizinho, aparecia sempre com uma bicicleta e uma estória diferente. A sua havia quebrado e o vizinho emprestara a dele; a namorada pediu para levar a dela para o conserto; não pôde recusar uma pechincha… Se nos dias de hoje o argelino me faz lembrar de acorrentar minha bicicleta e que já não há espaço para romantismos, por outro lado posso assegurar que a bicicleta continua sendo a verdadeira paixão nacional italiana.
Um conselho útil: Se tiver a oportunidade, nunca, jamais tente andar de bicicleta sobre a neve.
Allan Robert