Allan Robert P. J.
Minhas filhas aprenderam a comer frutas, verduras e legumes, mas no final das contas, sempre têm as preferências delas. Uma gosta de cenoura crua e ervilhas, mas detesta cebola. As duas são loucas por pepino. As verduras amargas, ainda que ligeiramente amargas, não agradam nenhuma das duas. Outra coisa: fruta é fruta, sobremesa é outra história. Portanto, fruta nas refeições só sob coação ou ameaça. O preconceito é isso: você pode misturar tudo, mas as pessoas irão comer as ervilhas e deixar a cebola no canto do prato.
Durante séculos a Europa enxergou as culturas americanas e africanas como inferiores à sua. Os europeus saquearam a Africa e as Américas, de todos os tesouros arqueológicos que puderam, roubaram riquezas, estupraram mulheres e chacinaram homens, velhos e crianças. Aos sobreviventes impuseram sua cultura e religião. Existe hoje um grande temor nos países europeus quanto ao perigo de uma guerra química terrorista, mas a Espanha já se utilizava de negros escravos, infectados com varíola, para dizimar povos indígenas da América do Sul.
Sem defender o revanchismo de imigrantes africanos e americanos como troco por anos de atrocidades impostas pelos europeus, o que não se deve tolerar é a arrogância nas declarações hipócritas de políticos como o falecido líder austríaco Jorg Haider: “O que vem fazer na Europa uma pessoa que nasceu no Burundi? Que fique por lá!!!” É enorme a diferença social que separa as diversas etnias que coabitam o velho continente. Os novos ventos xenófobos de extrema direita, só contribuem para mostrar as diferenças, onde os atuais culpados são os muçulmanos. A atual crise econômica tem servido a acirrar muito o preconceito.
A história da Itália é repleta de diferentes povos que passaram e deixaram suas marcas. Com uma área pouco maior que a metade do Estado da Bahia, a Itália tem uma diversidade cultural que presumo inigualável. Entre as características que fazem parte da base da unidade do povo italiano, as mais marcantes – para um estrangeiro – são o provincianismo e o desprezo por tudo o que não é italiano ou americano. Assim como a Coca-cola, o racismo faz parte do cotidiano italiano. Há quem gosta, quem se habitua, quem entende, quem não gosta, quem finge não gostar e até a versão light.
Como o objetivo destas cartas é a comparação entre a realidade brasileira e a que eu vivo hoje, cito uma matéria da Veja de alguns anos atrás, que mostrava o resultado de uma pesquisa sobre os negros no Brasil. Na reportagem fala-se de “distância racial”, como se o fato de se evitar o termo “racismo” fizesse com que o problema não existisse entre nós. A distância racial é inegável e suspeito que essa distância advém do medo do diverso.
Mesmo que um negro se apresente com os mesmos requisitos de um branco para uma seleção de emprego, ele já estará em desvantagem pelo simples fato de ser negro, ainda que o patrão seja, também ele, um negro. Talvez por razões diversas de um patrão branco, mas será preterido da mesma forma. Só não descobri ainda se o programa de cotas é agregador ou segregacional.
Falar de racismo no Brasil, em qualquer tempo, sempre foi considerado de extremo mau gosto. A maioria prefere amenizar o problema e buscar outros termos, menos ofensivos. Nem os negros, nem os nordestinos, católicos, protestantes ou muçulmanos são uma cultura ou raça inferior. Assim como os paulistas não são inferiores aos cariocas – me garantiu um amigo, mas ele é paulista e eu (como bom carioca) acho que assim não vale.
A provocação está lançada! Cabe a quem gosta de Coca-cola servir-se. Mas não contem comigo, eu adoro ervilhas, mas não deixo sobras no prato. Nem mesmo a cebola. E que alguém me convença sobre o programa de cotas, por favor.
**Allan Robert P. J., carioca de nascimento, tem 51 anos, viveu em Embu (SP) por quase duas décadas e lá se casou com Eloá, em 1987. Mudou para Salvador (BA) onde estudou Economia e o casal teve duas filhas. De lá, foram para a Itália, onde vivem atualmente. Allan é micro empresário do ramo automotivo, e Eloá trabalha no ramo de alimentação. Ambos têm raízes (amigos e parentes) na ‘ponte’ Embu-Assis-SP. Allan é irmão dos advogados Bruce P. J. e Dawidson P. J., radicados em Embu. Dawidson já foi do primeiro escalão da Assessoria Jurídica da Prefeitura de Embu no governo Geraldo Puccini Junior (1993-96), e ambos já participaram da diretoria da subsecção da OAB de Embu”.