Tempologia – SENTIDOS DA HISTÓRIA
Nessa coluna irei discutir o que não se discute. O que é indiscutível e tido como “verdade” e as invenções humanas que dão sentido à existência inventada pelos humanos : Trata-se dos fundamentos (ou crenças) básicos e essenciais da cultura moderna, também chamada de “modernidade”, “ocidente”, “cultura burguesa”, “civilização”, etc.
Para não ficar excessivamente etéreo (ou inaceitável) partirei de ocorrências da mídia, de livros, filmes, de teorias e verdades religiosas e científicas , mitologias, lendas e utopias e outras paranóias inventadas pelos seres humanos para justificar sua presença no mundo material até que seu coração e cérebros parem de funcionar.
Por Arney Barcelos
Atualmente nada mobiliza mais as pessoas do que aqueles fenômenos que Marx e posteriomente os marxistas chamavam de “IDEOLOGIA”. Sejam as culturas dos povos, os mitos, as religiões, as regras e leis em geral, as normas, as modas e costumes alimentares, de vestimentas, de cultos, todas as formas de educação e de comunicação, etc. Nisso vão inclusive as produções artísticas e culturais, filosofias, etc.
Para Marx e os marxistas, todas essas produções culturais , filosóficas , legais etc, foram criadas com o único objetivo de esconder a realidade das “lutas de classe” e escamotear a “dominação da classe dominante” . Essa classe dominante, a “burguesia”, realmente pensava bem diferente dos mais pobres e miseráveis da sociedade. Pois acreditavam em teorias originadas pelo iluminismo e o liberalismo como sendo reais, bem diferente do que camponeses e “trabalhadores” consideravam como “real”. Mas se praticamente todos os burgueses acreditavam no deus cristão e suas igrejas (e apenas alguns na religião hebraica) o que os diferenciava então?
De uma forma generalizada, os chamados burgueses acreditavam que os humanos eram “naturais”, um “animal que pensa” e portanto, obrigado a viver sob as mesmas “leis da natureza”, que são as leis da “sobrevivência”. Isto é, como os animais, era “natural” os humanos lutarem entre si pela sobrevivência, e portanto os vencedores se darem bem na vida e os derrotados perderem suas melhores condições de vida e até falecerem! Por isso eles defendiam que essa luta deveria regular a sociedade e para isso, o Estado deveria garantir a “livre iniciativa” ou a ação econômica individual para sobreviver igualmente a todos. Quem tinha propriedades e quem não tinha. Pois isso era fruto do “trabalho”. Ou seja, não tinha casa ou empresa quem não queria. Bastava trabalhar, que o trabalho garantia a riqueza a todos!
Ora, você concorda com essas concepções? Se você concorda – como 90% da sociedade atual concorda – significa que você e a maioria é burguês então? A resposta só pode ser sim e não. Sim, se você concorda com essa rede de princípios, regras e concepções (isto é, essa cultura) que realmente são burguesas ou criadas ou inventadas pela burguesia, a classe dos proprietários de meios de produção e de empresas e negócios da Europa e dos Estados Unidos no século XIX. Não é, se você não é pertencente a uma família de proprietários de meios de produção, nem de indústrias, lojas de comércio, bancos, fábricas, fazendas, empresas de grande capital , etc.
Ora, da mesma forma, sabemos que boa parte dos mais ricos defendem e lutam por maior justiça social e pelos direitos humanos e por maior regulação da economia. Assim como boa parte dos mais pobres defendem e lutam individualmente por melhores condições para si próprios (pra “subir na vida”), contra direitos coletivos, contra as greves, contra a proteção ao meio ambiente , etc.
Isso demonstra, claramente, que hoje, atualmente, NÃO HÁ MUITA DIFERENÇA entre o que pensam os proprietários dos meios de produção e o que pensam os trabalhadores. Todos pensam de maneira muito parecida – o que chamamos de senso comum ou cultura de massas – embora o que ocorre geralmente – e contraditoriamente, é que os mais ricos acabam defendendo os direitos dos mais pobres, os direitos de mulheres, negros, idosos, etc e uma sociedade mais igualitária, ao passo que os mais pobres defendem uma sociedade patriarcal, individualista, radicalmente conservadora e extremamente autoritária e excludente.
Porque isso acontece?
A meu ver, após a era das guerras européias , entramos na fase da Alta Modernidade. De um lado, o liberalismo do pós-guerras disseminado em duas frentes: pelos meios de comunicação conseguiu dominar todo o Ocidente, através da imposição dos Direitos Humanos (individualizando tudo e ignorando as culturas coletivas), da imposição de um modelo único de imprensa e mídia. Por outro lado, o grande extermínio de homens e “pais de família” durante 40 anos de guerras, levou a absoluta maioria de “mães de família”, que sobraram com seus filhos e pensões, a se tomarem parte na economia e se unificarem politicamente, o que resultou no movimento feminista.
O feminismo foi o segundo ato mais revolucionário do século XX, só perdendo para a revolução da informática. A partir do feminismo, surgiram os movimentos de lésbicas e gays, depois o movimento da contracultura e dos ambientalistas e que, junto com os movimentos negros , judeus, árabes e terceiro-mundistas (que fortaleceram pequenas etnias e nações) fizeram surgir uma nova era política: a Era das lutas (ou competição) de Identidades.
A formação das identidades (de gênero, sexo, idade, cor, religião, etnia, nação etc) superaram totalmente as classes (burguesia e trabalhadores) como forma de mobilizar politicamente as pessoas. A luta pelos Direitos Humanos, através das organizações sociais identitárias tornou-se a principal referência para o que se chama hoje de “esquerda” (que tentou, em vão, unificar todas as identidades das “minorias” como “classe trabalhadora”, embora todas as tentativas não tenham dado certo, pois evidentemente os interesses são competitivos entre si e já foram integrados ao capitalismo ocidental. Pois é mais fácil ter mercados específicos.
O problema principal é que as identidades lutam apenas por direitos específicos para cada identidade, sem questionar e até fortalecendo o capitalismo (que é quem nitidamente fortalece as políticas de identidades) e mesmo exigindo não só direitos de consumo específicos (sem discriminações) nos mercados, como a inclusão econômica de seus integrantes mais carentes no capitalismo.
Dessa forma, a direita mundial (os liberais dos países aliados da guerra) conseguiram vencer a “guerra fria” e afastar totalmente a esquerda da concepção de superar o capitalismo e serem obrigados a conviver pela manutenção do capitalismo e dos direitos individuais.
Assim chegamos à Alta Modernidade , mas ao contrário do que muitos disseram, a história só está começando.
Arney Smith Barcelos, natural de Barra Mansa-RJ. É historiador formado pela USP em 2009 e Ciências Sociais pela UNICAMP (1995), com Pós Graduação em Organização de Arquivos Públicos pelo IEB/ECA-USP(2001). Partindo de sua iniciação científica sobre história de Barão Geraldo (Campinas-SP) a ser publicada, especializou-se em organizar e realizar histórias pessoais e municipais e em cultura popular tradicional.