Salvador, Bahia. Uma noite qualquer de Agosto. Dois amigos conversam:
– Rapaz, tá frio…
– E mesmo! E aí…?
– Uma cervejinha…?
– Vamonessa meu rei! Mas, gelada, hein…?
Meus amigos italianos sempre dizem: “o bom de viver num país tropical é poder imaginar a neve como uma coisa romântica”. Uma estação de esqui é produzida para receber hóspedes e provocar neles aquela sensação de conforto que só no cinema se consegue imitar. Fora dali e com exceção dos esquiadores na “semana branca” (semana de férias nas montanhas, na neve) e de nós, estrangeiros, será difícil encontrar algum italiano que realmente goste de neve. Quer dizer, sabemos de quinze pessoas, mas estão sob tratamento e os médicos têm esperanças. Não se cansam de afirmar que a neve provoca uma forte emoção em dois momentos: quando chega e quando vai embora. Ou, como se diz por essas bandas, deveria ser uma visita (“visita é como morto: no terceiro dia começa a feder”). O único lado positivo que conseguem enxergar é a recriação das coisas com o fim do Inverno.
Como me falta a endocultura da neve, me divirto e observo as mutações. Nas ruas, as roupas começam a ganhar novas cores. Os casacos pesados e escuros voltam para o fundo dos armários e as lojas exibem nas vitrines a moda que as pessoas começam freneticamente a comprar. A Caritas (lê-se Cáritas) fica entupida com a roupa de Inverno doada. Até o humor das pessoas se transforma e o bom-dia da balconista do café já me parece ser espontâneo. As pessoas já se aventuram, timidamente, a retirar as bicicletas do porão.
A maior mudança está no ar. Sente-se a nova estação como uma sensação qualquer (frio ou fome, por exemplo) e os olhos captam todos os sinais do novo clima. A árvore seca começa a dar sinais do verde que em breve a cobrirá; o que era um pedaço de terra cinza já está coberto por uma grama verde nova e pequenas flores brancas ou amarelas, formando verdadeiros tapetes coloridos. As tulipas, com suas cores em tons idênticos que chegam a parecer sintéticas, tomam conta dos jardins e praças públicas, reinando ainda sozinhas. São iguais na forma, cor e tamanho e invadem também os pequenos quintais das casas, aonde antes tinha a neve.
Pieguices à parte, é realmente impressionante o espetáculo. As tulipas só florescem uma vez por ano, por poucos dias e quase sozinhas. No resto do ano o bulbo descansa e economiza as forças sob a sombra de alguma outra planta, que neste período ainda não saiu da letargia invernal. A mesma letargia que atinge o ânimo das pessoas. Mas um frenesí já ameaça despontar… Com a Primavera começa-se a pensar no Verão. E nas férias de Verão, que não duram mais de quinze dias, pois o Verão é curto e as férias são divididas em semanas. Um trabalhador acumula 2.6 dias de férias por mês e, no momento em que completa uma semana de férias, pode gozá-la. Como a prioridade das férias de Verão vai para os que possuem mais férias acumuladas e os mais antigos na empresa, ninguém espera muito para fazer uma semana no Caribe ou em algum lugar quente durante o Inverno. Basta planejar e reservar antes. E os italianos são bons nisso também (planejar e reservar férias).
Eles sonham tanto com um país tropical que perdem a oportunidade de sentir prazer com o próprio clima. Não tenham dúvidas de que eu morro de saudades daquele Inverno quente de Salvador, regado a cervejinha gelada e acarajé quente. Mas a Primavera aqui tem algo de especial, além das alergias provocadas pelas toneladas de pólen despejadas no ar. As Noites frescas e curtas, os dias ensolarados sem serem exatamente quentes e o festival de cores provocado por todas as plantas que devem, desesperadamente, reproduzir-se num curtíssimo período. Pássaros, milhões de borboletas por todo lado e flores, muitas flores. O perfume delas chega a ser agressivo nos campos.
Os agricultores trabalham dia e noite e fazem, na nossa região – produtora dos queijos Grana Padano e Parmigiano Reggiano e, portanto, de muito leite – enormes rolos de feno. Os mercados ganham o cheiro das frutas frescas e legumes de todos os tipos e cores enriquecem as mesas, tornando os pratos mais leves. Massas com legumes na manteiga e o inconfundível perfume do manjericão tornam-se obrigatórios no almoço, trocando de lugar com os pratos à base de molhos e carnes. Aprendemos a comer legumes de maneira como jamais havíamos pensado. E gostamos.
Como já deixei claro, a nossa cultura e hábitos antigos nos fazem falta, ao mesmo tempo em que nos deliciamos com as novidades. Minha filha reclama que aqui não existe xuxu, mas as opções entre legumes e verduras desconhecidos no Brasil, não justifica esse tipo de cobrança, até porque, xuxu… Mas ela devora toneladas de vegetais por semana (o que era impensável no Brasil). Assim, decidimos não levar a sério as reclamações dela. Para onde quer que andemos, sentiremos sempre a saudade daquilo que deixamos pra trás. De qualquer modo, a grama do vizinho é sempre mais verde, mas nessa época do ano, a grama daqui é mais verde e nova que em qualquer outro lugar.
**Allan Robert P. J., carioca de nascimento, tem 51 anos, viveu em Embu (SP) por quase duas décadas e lá se casou com Eloá, em 1987. Mudou para Salvador (BA) onde estudou Economia e o casal teve duas filhas. De lá, foram para a Itália, onde vivem atualmente. Allan é micro empresário do ramo automotivo, e Eloá trabalha no ramo de alimentação. Ambos têm raízes (amigos e parentes) na ‘ponte’ Embu-Assis-SP. Allan é irmão dos advogados Bruce P. J. e Dawidson P. J., radicados em Embu. Dawidson já foi do primeiro escalão da Assessoria Jurídica da Prefeitura de Embu no governo Geraldo Puccini Junior (1993-96), e ambos já participaram da diretoria da subsecção da OAB de Embu”.