Rio de Janeiro – Cerca de 50 pessoas participaram neste domingo (3) do protesto “O Maraca é Nosso”, contra a futura privatização do estádio do Maracanã e pela a manutenção de setores e preços populares após a reinauguração de um dos símbolos do futebol mundial para a Copa das Confederações de 2013 e a Copa do Mundo de 2014. O protesto, que foi organizado pelo Comitê Popular da Copa e da Olimpíada e pela Frente Nacional de Torcedores, seguiu a orla da praia de Ipanema até a Rua Aristides Espínola, no Leblon, quando os manifestantes fizeram um apitaço e mostraram vários cartões vermelhos em frente ao prédio onde mora o governador Sergio Cabral Filho.
“Destruíram sem nenhum tipo de consulta ou participação popular um estádio que era um patrimônio histórico e cultural reconhecido pelo Iphan. Aquele estádio a gente não tem como recuperar. O que a gente quer hoje é a garantia que esse novo estádio que está sendo construído se mantenha sob a gestão pública”, disse Gustavo Mehl, coordenador do grupo O Maraca é Nosso do Comitê Popular da Copa e Olimpíada.
O comitê acusa os últimos governos do estado de mau uso do dinheiro público no estádio. Em 1999 foram gastos R$ 237 milhões na reforma para o Mundial de Clubes da Fifa. Para os jogos Pan-americanos de 2007, e com a promessa de deixar o Maracanã pronto para a Copa de 2014, foram gastos mais R$ 397 milhões.
“Botar o estádio abaixo e gastar mais R$ 1 bilhão na reconstrução é o mesmo que jogar nosso dinheiro no lixo”, diz Mehl, que denuncia também que o palco da final da Copa do Mundo de 1950 está seguindo o script para ser mais uma vítima das perniciosas relações do governo Sergio Cabral com a iniciativa privada. “No meio de todas as denúncias de ligações íntimas e escusas de grupos empresariais com o governo do estado, o governador tem a coragem de iniciar um processo de entrega do estádio para um dos grupos mais próximos a ele, que é o grupo do Eike Batista, que foi a única empresa, e isso é bastante desconfiável, que apresentou projeto de viabilidade econômica do estádio”, diz ele em referência a proposta da IMX feita em abril, no mesmo mês em que a Delta Construções, à época controlada pelo empresário Fernando Cavendish, amigo de Cabral, deixou o consórcio responsável pelas obras após denúncias de envolvimento nos esquemas de corrupção do banqueiro do jogo do bicho Carlinhos Cachoeira, preso pela Polícia Federal e atualmente alvo de CPMI.
Mito e tragédia
Na passeata pela orla até a casa do governador, cânticos e rimas imortalizadas na geral e arquibancada do estádio reacenderam a paixão do torcedor pelo antigo estádio Mario Filho, e deram o tom do protesto. “Olê, lê, olá, lá…o maraca é nosso e não privatizar” despertou a atenção do ambulante que, possivelmente um sobrevivente dos percalços da vida, preferiu não revelar seu nome à Carta Maior. “Legal. Sou 100% a favor, deveria ser um movimento nacional pelo Maraca. Trabalhei muito lá, vendia mate, cerveja, amendoim. Agora parei, ultimamente nem tinha mais a permissão. E ainda tinha que ser aceito por uma empresa terceirizada, a Classic, que te dava a mercadoria deles e você ficava com 20% das vendas”. Botafoguense, o vendedor de biscoitos Globo ainda puxou da memória uma virada de 2×1 de seu time sobre o Atlético Mineiro como o seu momento futebolístico inesquecível no Maraca.
Rindo após escutar o refrão “explode o bueiro, não paga o bombeiro…mas tem dinheiro para empreiteiro!”, em alusão a Cabral, o colorado gaúcho Roberto Carvalho, 69 anos, se permitiu a cinco minutos de suas memórias no estádio também imortalizado pelos fatos e devaneios narrados pelo escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues. “Eu vi a eliminatória de 1969, tava naquele jogo do Brasil contra o Paraguai, com o gol de bico do Pelé que ‘explodiu’ o estádio”, disse ele em referência ao episódio de maior público do Maracanã, quando 189 mil pessoas assistiram ao timaço conhecido como “as feras do Saldanha” vencer o adversário por 1 X 0 e se classificar para a Copa do México de 1970. “Teve outro. Não me lembro se 72 ou 73, que tinha o Claudiomiro, centroavante do Inter, na seleção, era eliminatória de Copa também”, adicionou, já querendo emendar outra “epopeia” enquanto o protesto se distanciava.
Entre a conformação, a amargura e a melancolia, o técnico de computação Haroldo Araújo, 52 anos, também no calçadão de Ipanema, vendo a passeata (e o Maracanã) passar, sintetizou. “Acabou. Quem viveu, viveu. Sair da praia e ir com os amigos ver diversão boa e barata já era, nunca mais, não vai voltar”.
Contra esse ponto final é que o sanitarista Teo Cordeiro, também do Comitê Popular da Copa e da Olimpíada, vê nas mobilizações populares uma tentativa de salvação do velho espírito do Maracanã. “O governo do estado está organizando o edital para fazer a licitação. A concessão seria por um prazo de 30 anos, o que para nós é uma privatização. Essa licitação deve acontecer até julho. Então a nossa iniciativa é dar visibilidade para que a população saiba disso e os que defendem um Maracanã público e popular possam se manifestar”, afirmou.
Na frente do prédio do governador, que não apareceu ou mandou representantes para o diálogo com os contribuintes, os manifestantes reforçaram os pedidos para que o novo estádio pelo menos mantenha a tradição de um local de expressão popular. Para Gustavo Mehl, é importante “que seja garantido setores populares e preços acessíveis como uma forma de respeitar o jeito do povo se relacionar com o futebol, o jeito que construímos nossa identidade dentro do estádio, nossa forma de torcer, com bandeiras, coreografias e brincadeiras”.
1950 X 2014
Em uma comparação entre a final de Copa que o estádio recebeu e a que receberá, Mehl diz que as mais de 150 mil pessoas que lotaram o Maracanã em 1950 representavam cerca de 8% da população do Rio na época. “Construímos um estádio feito para a população, onde a Geral e a Arquibancada, setores de preço acessível, totalizavam 80% do estádio”, disse, criticando o perfil elitista e restritivo do novo Maracanã. “Hoje estão construindo um estádio encolhido, para turista, com padrões europeus que inviabilizam a participação popular, a festa das arquibancadas”.
Alerj
Ao fim do protesto os manifestantes anunciaram que o próximo passo na luta contra a privatização e elitização do estádio será uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), dia 28, quando a função social do Maracanã será debatida na comissão de esporte da casa. Passeando de skate próximo ao protesto, o deputado federal Alessandro Molon (PT) prometeu apoio à causa. “Eu considero um erro grave a obra que foi feita no Maracanã com toda a sua desfiguração, um desrespeito ao tombamento. E também a minha preocupação com todo esse gasto de dinheiro público para depois se falar em privatização. É um retrocesso grave. Vamos divulgar a audiência”.
(Por Rodrigo Otávio, da Carta Maior)