Há alguns anos resolvi fazer um curso de piloto privado de avião. No dia do exame encontrei muita gente que não frequentava o mesmo curso e descobri que a maioria tentava a aprovação pela quarta ou quinta vez. Para não me deixar influenciar pelo pessimismo dos “veteranos” e manter a tranquilidade adquirida em três meses de curso, afastei-me com a desculpa de fumar um charuto e não falei com mais ninguém até a hora do exame.
No curso descobri que algumas verdades que se aprende na escola são relativas. Por exemplo: ensinaram que a velocidade do som é de 330 metros por segundo ao quadrado, mas se esqueceram de nos informar que isso só acontece em uma atmosfera padrão. Ou seja, à temperatura de 15 ºC, ao nível do mar, com pressão atmosférica de 1013,2 milibares, no paralelo de latitude 45º. Se qualquer um destes fatores for mudado, a velocidade será diferente. Aprendi, ainda, a respeitar o duro trabalho dos meteorologistas, considerando que a Meteorologia não é uma ciência exata e não respeita nem mesmo o churrasco daqueles profissionais.
Os meteorologistas italianos falham tanto quanto os nossos e, mesmo mostrando simulações por computador e os movimentos de nuvens e de massas de ar, tem sempre um vento imprevisto que muda tudo, fruto do bater de asas de alguma borboleta mal avaliado ou não considerada. A máxima continua valendo: se você encontrar o meteorologista no açougue comprando uma picanha, corra para pegar um guarda-chuva. Não que falte profissionalismo ou que haja má fé, apenas descobri que tem sempre alguém que sabe mais do que a gente. No caso daqueles profissionais, a imprevisibilidade da Natureza.
Nós, latinos, somos arrogantes por natureza. Como o berço latino é na Itália, essa característica se faz mais forte por aqui. Para um italiano, a verdade relativa é sempre a do outro. Mesmo aqueles que nos parecem humildes e estão sempre calados são um poço de sabedoria e conhecimento. Estão sempre prontos a esclarecer que não têm mais nada a aprender e têm sempre um argumento para rebater as mudanças propostas. Um colega de trabalho me esclarecia a posição dele: “Eu não sou racista, muito pelo contrário, sou da filosofia do ‘viva e deixe viver’, mas nunca saí e não sairia jamais com uma romena ou com uma siciliana. Até porque, pra mim, a Itália começa no Norte e termina em Módena…”
Esse tipo de situação se repete a cada dia. Tem o cozinheiro do restaurante típico que afirma não existir alimento mais saudável e saboroso que a comida piacentina, definida pelos outros italianos (e por mim) como monótona e sem sabor; o simpático consultor de programas de qualidade que não reconhece o padrão alemão e diz que eles (os alemães) não entendem porra nenhuma – “non capiscono un cazzo!” – e que o padrão europeu deveria ser aquele italiano; o professor da faculdade de nutrição que informa na Tv sobre as qualidades da carne de coelho numa semana e, na semana seguinte, critica um outro programa que apresentou receitas com aquela carne e (o nutricionista) informa que ela é inadequada ao paladar italiano…
Aqui vale a regra: “faça o que eu digo, não faça o que faço”, mesmo que ele mude de opinião. O problema é justamente este: todos querem ganhar no grito; o mais importante não é o conteúdo, mas a aparência. As livrarias vendem montes de livros que jamais serão lidos. Um dia uma colega de trabalho presenteou-me com dois romances, um de Tolstoi e outro de Goethe, informando-me que não entendia droga nenhuma.
A Comunidade Europeia adotou o HACCP (Harzard Analysis and Critical Control Points) como padrão de auto-controle para todos os estabelecimentos que manipulam alimentos, numa louvável iniciativa de proteção ao consumidor. Atuando nessa área, descobri que pouca gente o leva a sério. Estão mais preocupados em produzir a planilha que os irá salvar de uma possível e quase certa fiscalização, que em aplicar os conhecimentos adquiridos no curso obrigatório.
É possível que os dois colegas citados acima se casem e morem no restrito mapa italiano redesenhado pelo primeiro. Se isso acontecer, a casa deles será cheia de livros. Além disso, não correrão o risco de ver o churrasco deles virar sopa, pois irão se deliciar somente com a maravilhosa cozinha piacentina. O açougueiro deverá se virar só com o meteorologista e com os aventureiros sul-americanos.
E se você ficou curioso, informo que fui aprovado nos exames teóricos e que cheguei a fazer as primeiras horas de vôo, mas o custo das aulas, a distância do aeroclube e o excesso de trabalho, me impediram de pegar o brevê. O que pode ter lhe privado de inesquecíveis emoções… E para os meus churrascos, uso o olho e a pele: se não houver nuvens e a temperatura for agradável, o açougueiro poderá receber a minha visita.
**Allan Robert P. J., carioca de nascimento, tem 51 anos, viveu em Embu (SP) por quase duas décadas e lá se casou com Eloá, em 1987. Mudou para Salvador (BA) onde estudou Economia e o casal teve duas filhas. De lá, foram para a Itália, onde vivem atualmente. Allan é micro empresário do ramo automotivo, e Eloá trabalha no ramo de alimentação. Ambos têm raízes (amigos e parentes) na ‘ponte’ Embu-Assis-SP. Allan é irmão dos advogados Bruce P. J. e Dawidson P. J., radicados em Embu. Dawidson já foi do primeiro escalão da Assessoria Jurídica da Prefeitura de Embu no governo Geraldo Puccini Junior (1993-96), e ambos já participaram da diretoria da subsecção da OAB de Embu”.