Piadinha velha que circula na internet como se fosse nova:
Duas redes numa varanda em Salvador. Depois de horas, a mulher quebra o silêncio:
– …Tem remédio pra mordida de tartaruga?
– Não! Porquê, a tartaruga te mordeu?
– Não, mas ela tá vindo na minha direção.
O ócio é criativo. A preguiça italiana é endêmica e contagiosa. “Cabeça vazia, oficina do diabo”, dizem os mais velhos. Aqui se trabalha para se poder tirar férias. De preferência, sem pegar no pesado. Quarenta por cento da população italiana se declara comunista, contra vinte e dois por cento que se declara de direita. O resto fica entre o centro (de esquerda e de direita) e há os que não têm a menor idéia do que isso signifique. Os comunistas defendem menos horas de trabalho como medida para a criação de novas vagas. Sem redução de salário. Querem mais horas de ócio e garantem que é por uma boa causa.
Aos extra-comunitários (designação dada aos estrangeiros de países que não pertençam à Comunidade Européia, exceto os suíços) cabe o trabalho braçal mais vigoroso. O que tem de marroquino, albanês e africano negro trabalhando nas queijarias – onde uma forma de Grana Padano ou Parmigiano Reggiano pesa, em média, quarenta quilos – não é brincadeira! Serviços de pedreiros, carregadores, estivadores, lava-pratos e afins, são executados pela sub-casta dos estrangeiros ou por italianos acima dos quarenta. Os jovens mantêm-se longe dos trabalhos físicos ou o fazem por breve tempo.
O italiano chega com seu pequeno caminhão carregado de máquinas. Com a ajuda de um braço mecânico, descarrega os equipamentos mais pesados. Marca no piso de concreto as linhas onde deverá escavar a canaleta por onde passarão os tubos da pequena obra. Senta no seu pequeno trator e começa a movimentar as alavancas que conduzem a britadeira ao ponto onde faz a valeta. Buraco pronto, recarrega o trator no caminhão e some. Um egípcio, um marroquino e dois senegaleses já descarregaram o resto das ferramentas, o material (tubos, cimento, etc.) e fazem o trabalho pesado. Ao final do segundo dia, completado o serviço, reaparece o italiano, recarrega o equipamento e apresenta a conta.
A coleta do lixo é feita por apenas uma pessoa, o motorista do caminhão. Apertando botões e movimentando alavancas, ele recolhe os containers plásticos cheios de lixo doméstico sem nenhum contato manual. As ruas são limpas pelas vassouras dos caminhões varredores e por pequenos veículos que mais parecem naves espaciais. A figura bucólica do garí persiste apenas nos locais onde os veículos são impossibilitados de entrar. Guindastes, máquinas agrícolas e caminhões possuem cabines com ar-condicionado. Os caminhões possuem, ainda, uma plataforma retrátil com sistema hidráulico para carregar e descarregar a mercadoria, geralmente em pallets, que por sua vez, são movimentados por traspallets elétricos. Tudo sem esforço. Os equipamentos velhos são vendidos a países da África.
Como a diferença de salário é pequena, poucos se esforçam para uma promoção, que pode representar ampliação do horário de trabalho e comporta maior responsabilidade. Por outro lado, é muito difícil encontrar um estrangeiro em cargo de chefia ou trabalhando em escritório. As promoções, quando acontecem, consideram o tempo de serviço, que ninguém contesta. A grande massa da mão-de-obra italiana não move um dedo para melhorar, apenas se acomoda.
O sistema sanitário funciona melhor que na maioria dos outros países que compõem o globo habitado; a educação é gratuita e obrigatória; o país é pequeno e coberto pelas malhas rodoviária e ferroviária; toda prefeitura ajuda financeiramente aos mais necessitados; diversas instituições amparam as classes marginalizadas; as empresas disputam a tapa operários e empregados de categorias mais baixas. Pra quê dar mais que o mínimo?
Um amigo argentino, após ouvir minhas suposições para justificar a apatia do trabalhador italiano, que se reflete, também, no cotidiano caseiro, elaborou uma teoria. Ele acredita que o italiano médio perdeu a capacidade de se empenhar em qualquer área. A vida seria muito fácil para ele (o italiano) e nada justificaria qualquer empenho. Um dos efeitos seria a timidez que se pode notar na geração que se apresenta nas discotecas. São grupos de homens entre os vinte e trinta e cinco anos que saem em grupo, olham, comentam, riem, mas não têm coragem de tentar uma aproximação ao grupo de mulheres do outro lado do bar. Ou, quando tentam, fogem na primeira dificuldade. Resultado: qualquer extra-comunitário mais descolado faz a festa das italianas. Não deixa de ser engraçado o efeito bumerangue: enquanto os machos italianos fazem turismo sexual em Cuba, no Brasil, na Europa Oriental e em países africanos, a Itália está se tornando o paraíso sexual dos extra-comunitários. O hábito de querer ganhar no grito e o refúgio no álcool seriam apenas mecanismos de defesa.
Pessoalmente, acredito que a timidez seja fruto da insegurança coletiva, da falta de perspectivas e do efeito do consumismo desenfreado, o que torna a vida mais cômoda e menos excitante. A busca da própria identidade e o questionamento dos valores vigentes pode levar à introspecção, o que pode ser confundido com timidez. Mas um dado serve de alerta: o italiano médio gasta sete horas e meia por dia em diante da televisão.
A piada acima não esclarece, mas acredito que na rede ao lado tenha um italiano. E que o diabo ocupe avidamente a cabeça dele, na busca de um equipamento que balance a rede…
**Allan Robert P. J., carioca de nascimento, tem 51 anos, viveu em Embu (SP) por quase duas décadas e lá se casou com Eloá, em 1987. Mudou para Salvador (BA) onde estudou Economia e o casal teve duas filhas. De lá, foram para a Itália, onde vivem atualmente. Allan é micro empresário do ramo automotivo, e Eloá trabalha no ramo de alimentação. Ambos têm raízes (amigos e parentes) na ‘ponte’ Embu-Assis-SP. Allan é irmão dos advogados Bruce P. J. e Dawidson P. J., radicados em Embu. Dawidson já foi do primeiro escalão da Assessoria Jurídica da Prefeitura de Embu no governo Geraldo Puccini Junior (1993-96), e ambos já participaram da diretoria da subsecção da OAB de Embu”.