Há um problema seriíssimo em ciência e filosofia política que nenhum marxista, nem os liberais conseguem resolver: a luta cotidiana dos mais pobres e miseráveis pelos modos de vida de elite, e pelos princípios e concepções liberais e burguesas, oposta à luta dos mais ricos, elitizados e com melhor formação, por um mundo mais igualitário, mais justo, e “democrático” (no sentido de bem estar para todos), etc. Estranho? Coisa de brasileiros? Alienação dos “pobres”? Contradições do capitalismo??? Pode até ter algum sentido, mas apenas em parte e não o mais importante… A real causa dessa “contradição” é justamente a nossa absurda e inacreditável (in)capacidade de perceber as regras e os princípios básicos da sociedade em que vivemos, e que determina absolutamente tudo: o que é vida, como se deve viver, o que são os humanos, o que é certo o que é errado, o bom, o mau , as conseqüências, punições e prêmios, etc. etc. etc.
A questão é igual ao do filme “Matrix”. O que determina tudo isso, toda a “realidade” que vivemos, chama-se “CULTURA” ou, para ser mais entendível, a “matrix” sócio-mental onde vivemos…
Para quem não viu “Matrix”, a chave do filme está no momento em que o líder revolucionário Morpheu encontra Neo (o herói do filme, representante dos adolescentes modernos atuais, principal público e consumidor do filme) e pergunta-lhe se ele prefere tomar um comprimido azul para esquecer tudo, acordar em sua cama e continuar vivendo como escravo, acreditando na realidade, ou se prefere tomar um comprimido vermelho e ficar no “país das maravilhas”, como Alice, e saber “até onde vai a toca do coelho” – ou de toda a “verdade”.(VEJA NOTA i[i])
Sinta-se agora diante desses dois comprimidos: vermelho ou azul? Qual pílula você escolhe? Se for a azul, pare de ler aqui. Se for a vermelha, continue.
Cultura não é (só) arte, eventos culturais, coisinhas bonitinhas para serem expostas à venda, roupa, culinária e musica. Cultura é, em sentido mais estreito, uma forma ou modo de vida coletiva, fundada em normas, em cultos, práticas e em regras delimitadoras que definem quem pertence à comunidade e a identidade unificadora de todos. Um “modo de vida” em suma. Um “way of life”, que define quem pertence e quem se identifica com aquele modo de vida. Mas que define também quem não é, não faz parte e será “excluído”.
Quando falamos em “burguesia”, geralmente falamos de uma classe de pessoas altamente endinheiradas, proprietárias das maiores empresas, dos maiores produtores de lucros do mundo e também, exatamente por isso, seriam os que “governam” o mundo. Não é assim que dizem??? A “burguesia” de verdade, como “classe”, no sentido usado por Marx e a maioria dos pensadores, surgiu na época do Renascimento, na Europa (séculos XIV-XV) e veio se enriquecendo e se fortalecendo economicamente, até a época do Iluminismo do século XVIII, quando passou a questionar o domínio da “classe” Aristocrática e o sistema medieval ainda dominante. Após a Revolução Francesa (onde a burguesia liderou a união de classes contra a sociedade aristocrática), a burguesia passou a dominar o Ocidente, principalmente após se aliar e copiar a aristocracia em tudo, já no século XX.
No caso brasileiro, seriam os proprietários das maiores empresas, como as empresas de cervejas, a Perdigão, os grupos de consórcio rodoviário, como a CCR, os bancos, as construtoras, industrias farmacêutica, os grandes meios de comunicação, alguns políticos, etc . Seria o caso de Eike Batista, Silvio Santos, Abílio Diniz, a família Marinho, a família Camargo Correia, donos de bancos, fazendas, hipermercados e grandes lotes de terra e indústrias.
Agora, pensem bem e respondam: são esses os que “governam” o país? São essas pessoas que governam cada um de nós e o mundo??? São eles que decidem o que cada pessoa deva achar certo ou errado, como agir no cotidiano, como deve ser cada parte do planeta, o que vai ser ensinado nas escolas e igrejas, nas TV´s e nas famílias, quem vai ficar rico, quem vai viver na miséria, quem vai governar, os políticos, etc etc?? Ou somos nós todos que, coletivamente, decidimos tudo isso e quem deve ser a elite??
Se você acredita que são essas pessoas que decidem nossa realidade, é evidente que está extremamente afastado da realidade, sem senso crítico e incapaz de analisar a conjuntura de seu próprio ponto e também sem consciência do papel histórico social que possui e deve desempenhar. Se você concorda que essa elite endinheirada e distante da realidade da maioria das pessoas, pode “governar o planeta” ou mesmo determinar a vida de cada pessoa é confessar-se extremamente “alienado” (no sentido marxista aliás), em relação à realidade humana atual.
Na verdade, somos nós que os colocamos e os mantemos na elite! Somos nós que elegemos os políticos, nós que preferimos ver programas de TV como Silvio Santos, etc, nós que tornamos os shoppings, Bob´s e Mc Donalds os maiores rendimentos do mundo, preferimos os hipermercados, e não abrimos mão de carros, bancos e grandes igrejas. Somos nós que somos seduzidos e/ou aderimos às ilusões que são produzidas por centenas ou milhares de pessoas como nós!
Em suma, somos nós que não sabemos (nem queremos saber) ser de outra forma que não seja “burguês”! Somos nós que não abrimos mão dessa “nova” forma de vida, desse “novo” e “diferente” way of life que se fundamenta nos seguintes princípios fundamentais básicos que são tidas como “verdades inquestionáveis”: 1 – que os humanos são seres “naturais” ou “animais que pensam”, (como conceituou Platão); 2- e que por lógica, os humanos seguem as “leis” da natureza; 3 – que a principal lei da natureza é a “luta pela sobrevivência” ou a “lei” da competição; 4 – que o “mais apto” ou o “mais forte” (ou o “melhor” em alguns casos) sempre vence; 5 e que, por lógica, o que “não se adapta” (ou seja, o que não compete), é exterminado, ou excluído, ou vive nas piores condições possíveis; 6 – que “O mundo sempre foi assim” disputa e violência (guerras e ódio) entre irmãos, entre mais ricos e mais pobres, etc, pois essa “é a lei da natureza”; 7 – que “Todos somos livres para escolher, ter e ser tudo o que quisermos da vida. Basta escolhermos o que queremos e “ter fé” ou “acreditar em nós mesmos” e “sermos positivos” que conseguiremos tudo o que desejarmos. 8 – que tudo “só depende de nós”, que “somos os únicos responsáveis por nossa vida”; 9 – ou depende da vontade de “Deus”, e que por isso, se você tiver fé nele, de verdade, tudo de bom e nada de errado lhe acontecerá; 10 – e se der errado ou lhe acontecerem coisas do mal, não foi deus quem quis e sim você mesmo: VOCÊ é o culpado de todo e qualquer mal que lhe aconteça. Só você é culpado pelo que dá errado em sua vida. Ninguém tem nada a ver com isso, pois é “cada um por si”. Nem deus nem ninguém tem nada a ver com suas derrotas e erros. Você é o seu único inimigo”.
Ora, se você crê nesses axiomas absurdos (tidos como inegáveis, indiscutíveis e óbvios) você É um integrante da cultura que domina hoje o mundo: a cultura Ocidental, ou Moderna, ou “capitalista”, ou “sociedade de classes” ou “Burguesa”. Pois são nessas “verdades indiscutíveis”, (“ideologias”, no sentido e na concepção marxista), nessas estruturas mentais, nesses códigos programados em que se fundamentam a determinação do “real” e as bases inquestionáveis do mundo em que somos obrigados a viver: a Modernidade ou cultura moderna que se expressa no capitalismo, em que se fundamenta na “liberdade natural” de cada um atingir o que quiser (- desde que esqueçamos de qualquer “outro”, ou de qualquer compromisso moral ou qualquer sentimento de compaixão, de solidariedade, etc e de que encaremos qualquer “outro” ser humano como um perigoso competidor pela existência junto com você, e que pode lhe destruir ou ceifar a vida, para que ele conquiste o que quer. Afinal, sendo o único a sobrar, você só pode mesmo ser o campeão. Pois, como é óbvio, a realidade só depende de sua própria determinação e vontade. Pois qualquer outro, ate mesmo tua mãe, pode ser o inimigo.
Em suma, VOCÊ é um burguês. e os considerados “melhores” por todos os outros burgueses, reinam, são os milionários! (Além de tudo isso, o mundo, os tempos, estão acabando, e ninguém nem nenhum livro sagrado tem garantias do que virá depois da tempestade…. Portanto, todos nós estamos só de passagem muito curta. Vamos curtir a vida como uma droga momentânea e foda-se tudo e todo o resto…. )
Então, levante a cabeça e escolha em que mundo, em que “verdade” você quer viver e qual comprimido tomará: azul ou vermelho??? Perceba aí também, o quanto é a crença pessoal ou coletiva que determina a real realidade…