Ex-secretário de Segurança Pública evitou comentar diretamente a onda de violência que tomou conta do estado agora e disse em discurso ao deixar o cargo que crise, de verdade, foi a de 2006
São Paulo – O ex-secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo Antonio Ferreira Pinto afirmou em seu discurso ao deixar o cargo hoje (22) na sede do governo paulista que se orgulha de ter priorizado a Rota, grupo de elite da Polícia Militar conhecido pela violência. “A Rota cumpriu seu papel com muita galhardia”, disse.
Em seu discurso, o ex-secretário também negou que tenha deixado de lado a Polícia Civil em detrimento da PM. “É uma falsa verdade dizer que a Polícia Civil tenha sido afastada”. Segundo ele, todas as ações da Rota eram apresentadas aos órgãos competentes para investigação pela Polícia Civil.
À frente da secretaria, Ferreira Pinto viu alguns índices de criminalidade aumentarem e bateu boca com o ministro da Justiça (Foto: Lola Oliveira/Brazil Photo Press/Folhapress)
Ferreira Pinto esteve no comando da secretaria de 19 de março de 2009 até ontem. Entre 2007 e 2011 o número de mortes ocorridas em ações da Rota aumentou 78%. A priorização da PM em detrimento da Polícia Civil, a atuação da Rota e o aumento da letalidade em suas operações são apontados como alguns dos principais motivos da onda de violência que aterroriza o estado e principalmente a região metropolitana de São Paulo neste ano, em especial nos últimos três meses.
Segundo balanço divulgado ontem pela Secretaria, o número de vítimas de homicídios entre janeiro e outubro deste ano na capital foi de 1.157, ou seja, já supera as 1069 vítimas registradas nos 12 meses do ano passado. No estado, somente no mês de outubro o número de mortes passa de 570, o que representa um aumento de quase 50% em relação ao mesmo mês de 2011.
Estes aumentos são apontados como resultado do endurecimento das ações da Rota que resultaram na morte de líderes do Primeiro Comando da Capital (PCC), principal facção criminosa paulista e que tem sua base de liderança nos presídios. Por conta das ações do grupo de elite da PM, o PCC teria ordenado a seus membros em liberdade que passassem a executar policiais da ativa, aposentados e agentes de segurança carcerária. Do início do ano até esta semana, pelo menos 93 policiais e três agentes foram mortos no estado. Em reprimenda às ações do PCC, há suspeitas de formação de grupos de extermínio da PM que estariam agindo sem farda e encapuzados, principalmente na periferia de São Paulo.
Sem fazer menção direta à onda de assassinatos atribuída à guerra entre PM e PCC, Ferreira Pinto disse que voltou para o governo de São Paulo em maio de 2006, quando o estado enfrentou sua mais grave crise de segurança, até então. “Esta sim era uma crise”, disse.
Na época, Ferreira Pinto foi convidado pelo então governador, Claudio Lembo, para assumir a Secretaria de Administração Penitenciária em meio aos ataques do PCC que paralisaram a cidade. Entre os dias 12 e 13 de maio, pelo menos 63 delegacias, bases da PM e unidades do Corpo de Bombeiros foram atacadas e 25 profissionais de segurança pública foram mortos. O motivo teria sido a transferência de mais de 700 presos para presídios de segurança máxima e a implementação do regime disciplinar diferenciado (RDD) para os detentos considerados de alta periculosidade.
Segundo ele, o acordo com Lembo era para que ele ficasse à frente da Administração Penitenciária por 7 meses, período que restava para terminar o mandato de governador, mas acabou mantido no cargo por José Serra (PSDB), e depois transferido para a Segurança Pública.
Entre os principais agradecimentos feitos por Ferreira Pinto ao deixar o cargo hoje ele ressaltou os nomes de empresários como Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Rubens Ometto, presidente do conselho da Cosan, empresa do setor sucroalcooleiro, e Benjamin Steinbruch, um dos donos do Grupo Vicunha, da CSN e do Banco Fibra.
O ex-secretário também fez um agradecimento ao cardeal Dom Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo. Segundo Ferreira Pinto, em momentos de crises enfrentadas à frente da secretaria, o arcebispo se ofereceu para confortá-lo e também para interceder junto ao governador Geraldo Alckmin, caso ele achasse necessário. Ao final de seu pronunciamento, Ferreira Pinto deu a entender que poderá voltar a atuar na área de presídios. Ele afirmou que o sistema carcerário é uma “cachaça”: quem experimenta não abandona mais.
No final do mês passado, em meio à onda de violência que assola o estado, Ferreira Pinto bateu boca com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo (PT), ao recusar a ajuda do governo federal oferecida pela presidenta Dilma Rousseff para enfrentar a situação. Diante do aumento da violência e do pânico gerado na população, Alckmin e Cardozo se acertaram e no início deste mês os dois anunciaram um pacote de medidas que serão adotadas em conjunto pelo estado e governo federal.
O sucessor de Ferreira Pinto, Fernando Grella, afirmou hoje durante a cerimônia de posse que o crime organizado não tem fronteiras e que o problema da violência deve ser tratado entre todas as unidades da federação. O discurso em relação à posição da PM também se mostrou diferente. Sem enfatizar a Rota, Grella disse que atuação firme e direitos humanos não devem ser incompatíveis.
Por: Raimundo Oliveira, da Rede Brasil Atual