Versão oficial sustenta que ex-deputado fugiu após tiroteio com guerrilheiros durante diligência; novos documentos militares confirmam história contada por amigos e familiares
São Paulo – Rubens Paiva foi assassinado nas instalações cariocas do Destacamento de Operações e Informações e Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), órgão de repressão do Exército brasileiro durante a ditadura. O que já era uma certeza para amigos e familiares do ex-deputado, e uma mentira para militares ligado ao regime, agora é também a conclusão de um estudo divulgado hoje (4) pela Comissão Nacional da Verdade (CNV).
O coordenador do grupo, Cláudio Fonteles, encontrou novos documentos sobre o caso Rubens Paiva no Arquivo Nacional e confrontou-os com depoimentos colhidos à época e outras evidências encontradas no ano passado, em Porto Alegre, na casa de um ex-oficial do DOI-Codi que acabara de morrer. “O Estado Ditatorial militar, por seus agentes públicos, manipula, impunemente, as situações, então engendradas, para encobrir, no caso, o assassinato de Rubens Paiva, consumado no Pelotão de Investigações Criminais (PIC) do DOI-Codi do I Exército”, escreve o coordenador da CNV.
Confirmação
O Informe 70 relata a história da prisão de Rubens Paiva, levada a cabo por agentes do Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (Cisa) em 20 de janeiro de 1971, dia em que se comemora o feriado de São Sebastião no Rio de Janeiro. A narrativa já era conhecida graças ao testemunho de amigos e familiares, além de pessoas que estiveram nas celas do DOI-Codi com Rubens Paiva. Porém, faltava um documento que a legitimasse perante os militares, que desde então sustentam a versão de que o ex-deputado fugiu após tiroteio com “terroristas” que tentaram resgatá-lo quando era conduzido numa missão de reconhecimento.
“Importante, e desde já, registrar que esse Informe, oficial e confidencial, datado de 25 de janeiro de 1971, tudo criteriosamente narrando, nada diz sobre ‘a fuga’ de Rubens Paiva, que, na versão oficial dos agentes públicos do Estado Ditatorial militar, teria ocorrido aos 22 de janeiro, para justificar, até hoje, seu estado de foragido”, pontua Cláudio Fonteles. “Tivesse acontecido, de verdade, ‘a fuga’ e, por óbvio, esse evento constaria desse pormenorizado registro.”
Se não existe uma só palavra sobre a suposta fuga de Rubens Paiva, porém, há menção explícita no documento de que o ex-deputado foi levado à sede carioca do DOI-Codi. “Rubens Beyrodt Paiva foi localizado, detido e levado para o QG da 3ª Zona Aérea e de lá conduzido juntamente com Cecília e Marilene para o DOI.” Cecília Viveiros de Castro e Marilene Corona foram os “rastros” que levaram os militares até Rubens Paiva. Mãe e cunhada de Luiz Rodolfo Viveiros de Castro, que então se encontrava exilado no Chile, Cecília e Marilene voltavam de Santiago num voo da extinta Varig quando foram interceptadas pela repressão.
Os serviços de inteligência haviam recebido a informação de que ambas traziam consigo cartas de alguns militantes exilados no Chile – história que já era conhecida, mas que agora passa a ser confirmada também pelo Informe n° 70 do SNI. Os agentes do Cisa prenderam as mulheres, a levaram para o quartel e lá descobriram que as cartas seriam entregues a Rubens Paiva, que depois se encarregaria de distribuí-las a seus destinatários. Pelo número de telefone do ex-deputado, em posse de Cecília, os repressores chegaram até seu endereço e o capturaram na manhã do dia 20. O documento conta sucintamente, passo a passo, como os militares chegaram a Rubens Paiva a partir da informação sobre as cartas vindas do Chile.
Incoerências
Além de abordar o Informe n° 70 do SNI, Cláudio Fonteles contrapõe ainda, em seu texto, depoimentos já conhecidos de Cecília Viveiros de Castro – que afirma ter visto Rubens Paiva ferido e ensanguentado nas instalações do DOI-Codi – e do médico Amílcar Lobo, que examinou o ex-deputado depois das sessões de tortura, atestando que tinha “poucas horas de vida” devido a uma hemorragia abdominal. O coordenador da CNV também resgatou o depoimento de dois militares, os irmãos e sargentos Jurandir e Jacy Ochsendorf, que teriam participado do comboio que “perdeu” Rubens Paiva para os “terroristas”, além do chefe do operativo, capitão Raimundo Ronaldo Campos. Para Cláudio Fonteles, seus depoimentos são contraditórios.
“Enquanto o então capitão Raimundo Ronaldo Campos, que ‘comandava a diligência’, afirma que ‘todos se jogaram no chão para proteção do ataque, logo a seguir se postaram para revidar ao ataque, momento em que viram uma pessoa atravessar a rua em meio a outro carro’, os outros dois comandados, os sargentos e irmãos Jurandir e Jacy Ochsendorf, textualmente registram: ‘que o declarante não pode afirmar ter visto o prisioneiro se evadir do local’ e ‘que o declarante não sabe informar qual o destino tomado pela pessoa que o acompanhava no banco de trás do carro, tanto assim que nem chegou a ver a citada pessoa sair do carro’.”
As novas revelações confirmam que Rubens Paiva esteve na sede do DOI-Codi e reforçam a tese de que foi torturado e assassinado ali mesmo. Contudo, permanece um mistério o que foi feito de seu cadáver. Há suspeitas de que o ex-deputado foi enterrado como indigente no cemitério do Caju ou nas proximidades de uma delegacia no Alto da Boa vista, zona norte do Rio de Janeiro. Também se aventa a possibilidade de que o corpo de Rubens Paiva tenha sido lançado ao mar num “voo da morte” empreendido pela Aeronáutica.
Por: Tadeu Breda, da Rede Brasil Atual