Verdades importantes sobre o “mito das mulheres queimadas” e sobre a segunda maior revolução contemporânea – e a mais desprezada.
*Arney Barcelos
Quase ninguém sabe. Nem os produtores culturais e líderes “criticos” (e/ou esquerdistas) nem os fracos comunicadores e jornalistas, menos ainda e nem muitos historiadores e cientistas sociais: A Revolução Feminina foi a segunda maior revolução contemporânea que transformou o mundo em que vivemos (perdendo apenas para a revolução da informática.
A própria história da fixação do dia internacional da mulher é, em si, uma “História” interessantíssima e essencial e que pode originar dezenas de debates, livros e filmes por dois motivos: primeiro, a polêmica confusão em torno de seus mitos de origem: (as “mulheres queimadas” em New York e o início da Revolução Russa numa greve de mulheres em 8.3.1917), resultado de uma acirrada disputa da guerra fria entre EUA e URSS; E depois porque a a história da invenção e oficialização desse dia, sintetiza as principais e cruciais transformações mundiais desde a era moderna até a nossa “ultramodernidade”. (Sobretudo, a mudança de uma “sociedade de classes” para uma “sociedade de identidades” Ou que centraliza os principais eventos políticos, econômicos e sociais da realidade.)
Mas porque o desprezo e o “silêncio” sobre isso? Porque no dito “Centenario do Dia da Mulher” nenhuma TV, jornal, rádio ou internet nada publicou sobre isso? Seria por causa da péssima (in) formação dos jornalistas, professores, cineastas e produtores culturais que determinam as agendas educativas OU os “interesses” de uma tentativa nostálgica de se recriar uma “Guerra Fria” cultural pra ficar mais fácil e “gostoso” o mundo de hoje? Preguiça cultaural ou um pouco dos dois talvez?
Pra mim, as enormes conquistas e a transformação do papel da mulher no Ocidente foi a maior transformação histórica, em todos os sentidos, dos ultimos séculos. Claro, não resta dúvida que a maior “revolução” foi a Tecnológica. Mas e se compararmos às transformações do “capitalismo” por exemplo? Em se tratando de Humanos, é bem mais significativa que as transformações econômicas. Aliás elas também incluídas na “ascensão” e na “mercantilização” feminina.
MUITO MAIS QUE 100 ANOS
(a polêmica “confusão”(?) do dia 8.3)
Os historiadores já demonstraram que a luta das mulheres por seus direitos tem muito mais que 200 anos. Mas o primeiro fato relacionado ao “8 de Março” foi uma greve de costureiras de New York em 1857 (aliás já havia tido outra em 1785 não tenho certeza da data). Mas as greves e protestos foram aumentando como todos sabemos. E em 1908, segundo a Eva Blay (veja http://www.piratininga.org.br/artigos/2004/01/blay-8demarco.html), 15.000 mulheres de N.Y. exigiram a redução de horário, melhores salários e direito ao voto. Esse movimento, liderado pelo extinto Partido Socialista da America conforme a Wikipedia, foi o primeiro a propor um “Dia da Mulher” que parou N.Y em 28 de fevereiro de 1909 e 1910.
E foi por causa desse “ascenso revolucionário” (sic) rsrs, que uma lider socialista alemã, Clara Zetkin, propôs a criação do “Dia Internacional da Mulher” durante a 1ª Conferência Internacional de Mulheres, em Copenhagen, dirigida pela Internacional Socialista (a primeira ainda, criada em 1848), sem propor nenhuma data especifica. Mas a Internacional tentou o dia 19 de Março de 1911 na Europa.
Só que 6 dias depois, (25.03.1911), em meio às fortes greves de N.Y., a estratégia de trancar as portas das fábricas apara impedir as greves resultou numa tragédia: o incêndio da fábrica Triangle Shirtswaist em que morreram a146 trabalhadores sendo 21 homens e quase todos judeus. Imagine o impacto disso sobre as lutas por direitos trabalhistas nos EUA nos anos seguintes? Para Eva Blay, é provável que a morte das trabalhadoras da Triangle se tenha incorporado ao imaginário coletivo como sendo o fato que deu origem ao Dia Internacional da Mulher.
Pois é. Então o 8 de março nasceu nos EUA? NÃÃÃÃOOO! Dizem os comunistas e os antigos soviéticos. Afinal o próprio Trotsky afirmou que a famosa “Revolução de Fevereiro” – isto é, o conjunto de ações estratégicas decididas apelos Bolcheviques para o dia 23 de fevereiro de 1917 – foi o estopim da “Revolução de Outubro”, que tomou o poder de 400 anos dos Romanov e instaurou a primeira “ditadura do proletariado”.
Só que, na época, a Russia não seguia o nosso calendário gregoriano e sim o “calendário juliano”( uma herança da igreja do Oriente) E nesse caléndário que tem mais dias, o 23 de fevereiro é O MESMO DIA 8 DE MARÇO NO OCIDENTE!!! (eu morri de rir quando soube) Trotsky escreveu: “Em 23 de fevereiro (ou 8 de março no nosso calendário) estavam planejadas ações revolucionárias. Pela manhã, a despeito das diretivas, as operárias têxteis deixaram o trabalho de várias fábricas e enviaram delegadas para solicitarem sustentação da greve. Todas saíram às ruas e a greve foi de massas. Mas não imaginávamos que este ‘dia das mulheres’ viria a inaugurar a revolução”. [1]
Resumindo: Esse negócio de “Dia Internacional das Mulheres” era realmente “coisa de comunista” (e não capitalista, como muitos pseudo revolucionários dizem). Tanto nos EUA, como na Europa e na URSS. Com a burocratização da URSS, a comemoração da “heroica mulher trabalhadora” logo virou um dia para dar doces, flores e presentes. E nos EUA nem precisa dizer nada. Tanto lá como cá foi “incorporado pelo capitalismo” ou “alienado” como eles costumam dizer. Se no lado soviético o “Dia da Mulher” era até ridicularaizado, no Ocidente, o Dia Internacional da Mulher foi comemorado durante as décadas de 1910 e 1920, mas acabou esquecido por causa das guerras “coisa de homem”.
Mas foi o movimento feminista dos EUA e França (consensualmente tido como o primeiro movimento político identitário, da atual “sociedade de identidades”) que, queimando soutiens nas mesmas NY e Paris, revitalizaram o Dia Internacional da Mulher de forma definitiva. A ponto de hoje ser oficial na maioria dos países.
Em suma. A questão feminina perpassa toda a TOTAL transformação do mundo dos miseráveis anos 1800 (quando as mulheres, além de totalmente subjugadas aos homens, eram torturadas, massacradas e violentadas no próprio trabalho de mais de 12 horas, famintas e com os filhos ao redor) aos nossos dias de Seculo XXI ? Hoje, além de serem os principais focos dos mercados Ocidentais, as mulheres vem tomando os lugares dos homens, tornando-se chefes de família, dirigindo os mercados e as grandes empresas e disputando, cada vez mais, o Poder em todo o Ocidente como (so nesse caso) a mídia cansa de demonstrar. Não é mais importante que a conquista da lua por exemplo?
*FONTES
BLAY, Eva: http://www.piratininga.org.br/artigos/2004/01/blay-8demarco.html
Wikipedia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Dia_Internacional_da_Mulher
[1]A citação de TROTSKY é de Maíra Kubík Mano na revista Historia Viva deste mes: veja:http://www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/conquistas_na_luta_e_no_luto_3.html
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Arney Smith Barcelos, natural de Barra Mansa-RJ. É historiador formado pela USP em 2009 e Ciências Sociais pela UNICAMP (1995), com Pós Graduação em Organização de Arquivos Públicos pelo IEB/ECA-USP(2001). Partindo de sua iniciação científica sobre história de Barão Geraldo (Campinas-SP) a ser publicada, especializou-se em organizar e realizar histórias pessoais e municipais e em cultura popular tradicional.