São Paulo – A exposição Vala clandestina de Perus – Desaparecidos políticos, um capítulo não encerrado da história brasileira será inaugurada hoje (4), às 19h, no CEU de Perus, na zona oeste da capital paulista, e contará a história da descoberta, em 1990, do depósito ilegal de vítimas da ditadura (1964-85) no Cemitério Bom Bosco, localizado naquele bairro. A exposição será realizada simultaneamente nos CEUs de Perus e no de Parque Anhanguera, entre os dias 4 a 13 de setembro, de segunda a sexta, das 8h às 21h.
“Acreditamos muito na arte como forma de promover a cultura de direitos que a gente tanto precisa, em oposição à cultura de violações que sempre marcou a história do Brasil. Nesses 23 anos da descoberta, que foi um momento histórico, uma conquista muito grande do movimento, o objetivo é resgatar essa história e promover o debate com estudantes, professores, com a comunidade em torno de Perus e com a cidade toda sobre esse assunto que continua tão pouco esclarecido da história do Brasil”, disse a assessora especial para o Direito à Memória e à Verdade da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, Carla Borges, em entrevista à Rádio Brasil Atual.
O evento é promovido pela Comissão da Anistia do Ministério da Justiça e pelo Instituto Macuco, ONG que trabalha com projetos sociais na área de educação, ambiente e cultura, e apoiado pela Subprefeitura de Perus e pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania.
A exposição conta com fotos do livro homônimo lançado no ano passado pelo Instituto Macuco, além de imagens históricas do fotógrafo Marcelo Vigneron e outras que foram levantadas pelo fotógrafo no acervo pessoal de familiares de desaparecidos políticos. “A iniciativa também faz parte de ocupar o espaço público e os equipamentos públicos do território, porque onde a gente não ocupa com políticas públicas consistentes, sobra espaço para a violência. É uma iniciativa simples, mas que acreditamos que tem potencial forte para transformar a realidade de Perus e da cidade com um todo”, afirma Carla.
No total, foram encontradas 1.049 ossadas enterradas clandestinamente, que ainda não foram identificadas. Como mostrou reportagem da RBA, as ossadas se encontram em condição precária, o que dificulta ainda mais sua identificação. Desde que foram encontradas o material ficou sob responsabilidade da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), por meio de um convênio firmado com a prefeitura de São Paulo, então sob a gestão de Luiza Erundina (à época, no PT). Desde o final de seu mandato, em 1993, as ossadas foram abandonadas, segundo a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos.
Em 2001, as ossadas foram enviadas para o columbário do cemitério do Araçá, em Pinheiros, na zona oeste, onde ficaram sob responsabilidade do Instituto Médico Legal e do Instituto Oscar Freire, da USP. Mas não houve inciativa de identificação das ossadas.
O Ministério Público Federal anunciou em junho deste ano que dará prosseguimento à ação civil púbica, ajuizada em 2009, que visa identificar os restos mortais da vala. De acordo com a Procuradoria, o processo foi bloqueado por 60 dias para que o Governo Federal apresentasse uma proposta de trabalho – porém, o único retorno foi um pedido de “decretação do sigilo dos autos” por parte da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência.
A ação do MPF ofereceu denúncia contra a União e o Governo de São Paulo pela morosidade em dar andamento à investigação. Até hoje, só foram identificados os corpos de três perseguidos políticos: Dênis Casemiro, Frederico Eduardo Mayr, e Flávio de Carvalho Molina. Criado em 1971, o Cemitério Dom Bosco passou a receber os corpos de desaparecidos políticos em 1976, quando o então deputado federal Paulo Maluf (PP) era prefeito nomeado por militares.
A última avaliação das ossadas foi feita por uma equipe argentina de antropologia forense, no ano passado, e só foi possível devido a uma doação da Associação Brasileira de Anistiados Políticos à Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos. A equipe relatou em relatório publicado em abril que, além das péssimas condições dos restos mortais, a metodologia usada pela Unicamp e pela USP para a identificação era ultrapassada.
Ouça aqui a entrevista de Carla Borges à Rádio Brasil Atual.
Assista aqui ao debate promovido em julho pela TVT sobre a vala.