Diante da intransigência da direção, trabalhadores da EBC entraram em greve nesta quinta. Movimento pede aumento real de salário, manutenção de direitos conquistados e valorização da mídia pública
A criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) respondeu demanda reivindicada e conquistada pela sociedade brasileira, notadamente dos movimentos que lutam pela democratização da comunicação no país. A alta concentração de meios privados e a obrigatoriedade constitucional de existir complementaridade entre os sistemas público, privado e estatal já justificam a existência de emissoras públicas que não privilegiem o lucro.
A comunicação pública tem, potencialmente, independência editorial para veicular o que for de interesse publico. Ou alguém acha que o Jornal Nacional, da Rede Globo, vai produzir uma reportagem investigativa sobre a Ambev, a principal anunciante dos jogos de futebol da emissora? Nesse contexto, hoje, apenas as emissoras públicas poderiam fazer isso, sobretudo aquelas vinculadas à EBC, principal figura da comunicação pública no país.
No entanto, a direção atual da empresa barra avanços mais significativos com relação às autonomias financeira e política frente ao governo federal, à sua (não) distribuição geográfica e, principalmente, ao não valorizar os seus trabalhadores. Enquanto aspectos de estrutura são minimamente contemplados – como a instalação de modernos microfones para as rádios ou a construção de estúdios novos –, os trabalhadores continuam sofrendo com baixíssimo salário, não pagamento de horas extras, acúmulo e desvio de funções, além da mais recente ilegalidade: a retirada de direitos já conquistados em acordos coletivos anteriores.
Por esses e outros motivos, os trabalhadores da EBC entraram em greve na última quinta-feira (07/11), desde as 16hs, com adesão raríssimas vezes verificada em redações jornalísticas do país. Segundo balanços realizados nesta sexta-feira pelos trabalhadores, aproximadamente 800 estão parados, de um total de 2 mil funcionários. Contabilizando aqueles que têm funções comissionadas, estão de férias, atestados médicos, licenças-maternidade e paternidade, são chefes ou coordenadores, o percentual de adesão aumenta significativamente.
E por que a adesão é tão maciça e já conta com o apoio de diversas entidades da sociedade civil, de parlamentares como o deputado Chico Alencar (PSOL) e o senador Eduardo Suplicy (PT) e do rapper Gog, que visitou, hoje, o piquete dos trabalhadores? Claramente, devido à postura intransigente da atual direção, que não só não respondeu às reivindicações, como propôs a retirada da convenção trabalhista de importantes direitos conquistados anteriormente, como o percentual mínimo de chefias concursadas, a correção de casos de acúmulo e desvio de função e a organização de políticas de formação interna.
Em relação à questão salarial, há dois níveis básicos de salários na EBC: R$ 1.917 para técnicos e R$ 3.208 para os que têm ensino superior. A proposta inicial dos trabalhadores para o acordo coletivo deste ano era de reposição da inflação mais ganho real linear de R$ 400. Mas qual não foi a surpresa dos trabalhadores ao receberam a contra-oferta da direção: 0,5% de aumento real neste ano e mais 0,5% de aumento real em 2014. Esse valor representa risíveis R$ 16 de aumento real por mês! Em clara tentativa de ludibriar os funcionários, a direção também ofertou o que os trabalhadores já intitularam de “vale-peru”, um vale-alimentação extra apenas para dezembro, além do vale-cultura, no valor de R$ 40. Mesmo assim, como forma de manter a negociação, os trabalhadores apresentaram uma contra-proposta de incorporação dessas “benesses” aos salários, assim como 1% de aumento real, totalizando um aumento linear de R$ 290.
A direção da empresa alega impossibilidade de pagar esse singelo valor devido ao total de recursos repassados pelo Ministério do Planejamento (leia-se governo federal, Presidência da República). Como se não bastasse, ameaça entrar na Justiça e, o pior, emite notas ameaçadoras diárias, com inúmeras inverdades, a todos os trabalhadores e trabalhadoras. Tal postura teve continuidade mesmo após a deflagração da greve, a paralisação de diversos serviços e uma vergonhosa exibição do principal telejornal da empresa – o Repórter Brasil – repleto de erros técnicos, matérias antigas e músicas excessivas para tapar o buraco da programação. O mesmo se verificou no programa de rádio “Voz do Brasil” e na TV NBR (prestações de serviço feitas sob contrato com o governo federal).
Diante disso, os trabalhadores decidiram, em assembleia realizada nesta sexta-feira (08/11), manter a greve nacional. Com a não produção de notícias factuais da TV Brasil, da Agência Brasil, das oito emissoras de rádio, além das contratadas TV NBr e “Voz do Brasil”, espera-se que a direção da EBC proponha um debate sério com os trabalhadores e de fato os valorize.
E, mais que isso. Espera-se que a sociedade e o governo federal valorizem a produção de uma comunicação pública de qualidade, pois é disso que se trata essa mobilização nacional: antes de tudo, esta é uma luta pela defesa do sistema público de comunicação do país.
* Lucas Krauss é membro do coletivo Intervozes e jornalista na EBC.