Apresentei ao presidente do Partido dos Trabalhadores de Embu, João Leite, no dia 8 de dezembro, um domingo, meu pedido de desfiliação partidária, juntamente com o de minha companheira de uma vida inteira, Emiko Nakacima Amêndola de Oliveira.
Foram 34 anos de lutas. Participei da criação da Comissão Pró-Partido dos Trabalhadores em Assis (SP) em fins de 1979. Naquele ano, no dia 1º de maio havia sido lançado o ‘Manifesto Pró-Partido dos Trabalhadores’, ficamos sabendo através de nossa corrente denominada ‘Liberdade e Luta’, ou simplesmente ‘Libelu’ (na verdade esse era o nome do grupo de estudantes que concorreu como corrente estudantil às eleições da UEE e UNE naquela época). A corrente era parte do grupo trotskista denominado “O Trabalho”, que até hoje tem um jornal periódico e participa como tendência no PT nacional e estadual.
O problema é que já em 1980 (durante todo o ano) havíamos conseguido apenas três filiações, comigo e mais dois companheiros da UNESP de Assis. Havia um grupo de quinze ou vinte estudantes, todos ligados ao CA (Centro Acadêmico) Livre. Eu, representando o curso de Letras, o Sidney José Munhoz, representando História, e o Jozimar, salvo engano, também da História, nos filiamos ao partido, ou melhor, preenchemos as fichas de filiação. Mas, para a comissão provisória era necessário cinco nomes, e apenas em 21 de maio de 1981 conseguimos registrar a comissão em cartório eleitoral, com os cinco nomes. Na verdade, não me lembro dos outros dois, porque já morava em Embu das Artes desde 30 de dezembro de 1980, e ainda permaneci filiado ao PT de Assis até fins de 1981, quando finalmente transferi meu título de eleitor e a filiação para Embu.
Minha ficha de filiação de Assis, cuja cópia se encontra no arquivo do PT de Embu, é de número 2 (dois). Naquele tempo, por causa da ditadura, muitos militantes de esquerda preferiam permanecer na clandestinidade, ou para realizar ações de sabotagem ao regime militar, ou simplesmente porque tinham medo de fornecer seus dados e endereço à justiça eleitoral, temendo ser presos e desaparecer, como ocorreu com centenas de militantes de esquerda na época. Portanto, não posso criticar os companheiros da época por temerem por suas vidas, caso se filiassem ao PT.
Já no Embu, colaborei nas eleições de 1982, com Lula para Governador, Hélio Bicudo para vice, e Lélia Abramo e Jacó Bittar para Senadores, quando Geraldo Cruz foi eleito o primeiro vereador do partido em nossa história de Embu, e o Paulo Oliveira ficou em terceiro lugar como candidato a prefeito, quando tinha apenas 21 anos de idade.
Entrei para a Executiva do PT e lá permaneci como Secretário, creio que entre 1984 e 1985. Depois fui ainda suplente de delegado, membro do diretório e da Comissão de Ética, além de trabalhar voluntariamente na Comissão de Imprensa e um dos responsáveis pelo Boletim do PT, na época impresso em mimeógrafo.
A Emiko, quando a sede do PT era nos fundos da casa do Geraldo Cruz (ainda nos anos 80), na Rua dos Inconfidentes, colaborava voluntariamente na organização dos papéis do PT, fichas de filiação, etc, pois o PT não tinha dinheiro para alugar uma sala própria, muito menos pagar uma funcionária.
Em 1983, quando ainda não conhecia a Emiko, ela e Paulo Giannini participaram do ‘Acampamento dos Desempregados’ em pleno gramado do Parque do Ibirapuera. Centenas de pessoas sem emprego, numa grande crise econômica, ficaram por mais de 50 dias acampados em frente à Assembleia Legislativa, com polícia e Exército cercando e pressionando para que saíssem do local.
Em 1984, novamente os desempregados organizados nas Igrejas da periferia invadiram o prédio do SINE (Serviço Nacional de Emprego) ao lado da Câmara de São Paulo, no Vale do Anhangabaú. Centenas de pessoas ficaram no prédio por vários dias, inclusive Giannini, Emiko e eu próprio (Márcio). Fomos obrigados a deixar o prédio quando o general Figueiredo (presidente ditador) ameaçou o governador Franco Montoro de intervenção em São Paulo e invasão do prédio pelo Exército, caso não retirasse os desempregados de um prédio federal (o SINE era ligado ao Ministério do Trabalho). Nossa retirada foi triste. Umas duzentas pessoas, entre homens, mulheres e crianças foram colocadas em vários ônibus da CMTC e levadas de volta à periferia, a maioria de Embu. Eu não estava lá naquele dia, pois pertencia apenas ao grupo de apoio, levando mantimentos e pulando os muros dos fundos do SINE para entregar arroz, feijão, óleo, sal. Diziam na época que o exército e o DOPS deixaram um ‘furo’ no cerco ao prédio, apenas para nos fotografar e identificar, através de uma das janelas do edifício Joelma.
Em 1986, nas eleições estaduais, decidimos lançar o Paulo Giannini para deputado estadual, e o pessoal do PT decidiu que a Emiko Nakacima seria a coordenadora da campanha do Giannini. Por causa disso, ela pediu demissão da Creche da Sociedade de Todos os Santos (Paróquia Santa Emília), onde atuava como assistente social, incentivada pelos Padres Jaime Crowe e Eduardo Mc’Getrick, que apoiavam a candidatura do Paulo, membro das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base).
Para conseguir fundos para a campanha, montávamos uma barraca de madeira, e lá vendíamos estrelas do PT, camisetas, e outros itens. Não havia esse negócio de dar brindes. Nosso material de propaganda era vendido aos colaboradores. Além disso, fazíamos churrascos, feijoadas beneficentes, rifas e outros eventos para a arrecadação de fundos.
A Emiko coordenou toda a campanha de 1986, e tivemos de adiar nosso casamento para o ano seguinte por conta disso (casamos no dia 7 de março de 1987, com todo mundo lá, Geraldo Cruz, Padre Jaime, Giannini, Paulo Oliveira, Ana Maria, Valdeci Eleutério e Maria do Rosário, estes últimos meus padrinhos de casamento).
Após o final da campanha, a Emiko não foi ‘convidada’ a voltar à creche, e restou trabalhar em fábricas, primeiro em São Paulo, na Cia Brasileira de Estireno, em Pinheiros, e depois na Morganite do Brasil, em Embu. Foram tempos difíceis.
Estes são apenas os primórdios de nossa atuação no PT, bem antes de existirem no partido Maria das Graças, Professor Toninho, João Leite, Chico Brito (que só veio morar no Embu em 2000, mas cuja esposa na época era funcionária do Jornal Fato Expresso, entre 1993 e 1997. Aliás, em 1996 Chico Brito trabalhou para mim como pesquisador de campo em uma pesquisa eleitoral daquele ano).
Enfim, dizer que é fácil sair do PT, depois de uma vida inteira vivida dentro dele, fácil não é. Mas prefiro não participar disso, especialmente no Embu das Artes, onde o partido se submeteu completamente ao governo de um prefeito inepto, arrogante e sem espírito republicano, para dizer o mínimo. Triste, mas quem sabe, no futuro, quando este e algumas outras pessoas estiverem longe do PT e de Embu, eu possa voltar a sonhar e lutar por um Embu mais justo e humano.
Att
*Márcio Amêndola de Oliveira, Jornalista e Historiador
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Prezados Márcio e Emiko, vocês são dignos lutadores do povo. Tenho certeza de que onde vocês estiverem, a luta continua. Sintam-se abraçados. Até a vista, quiçá, breve!
Márcio e Emiko, sei o quanto deve ser dolorosa para vocês esta decisão, ela porém, só confirma uma vez mais a admiração que tenho por ambos.Abraços , Francisco.
Muita gente saiu e sairá do PT, após descobrirem que os ideais que nortearam a criação do partido, não mais existem. Como disse, a mais de 12 anos a, então Senadora, Heloisa Helena: “O PT deve pedir desculpas ao povo pelo estelionato político que praticou”.
Márcio,
Essa é uma daquelas notícias que devastam as convicções da gente. Rever a sua história e lembrar o quanto você fez pelo PT chega a emocionar.
Quem tem o privilégio de conhecer você e a Emiko, sabe da retidão e da convicção dos valores que sempre acompanham vocês.
Fico muito, muito triste que você tenha se desfiliado do partido que você ajudou a fundar. Se você não é mais PT no Embu, então não tem mais PT! Fica só a ressalva: você acabou não esclarecendo o porquê desta ação. Quando o tempo permitir maior serenidade, podemos esperar um esclarecimento? A sua atitude é só com o PT do Embu ou com todo o partido?
Forte abraço!
Allan
Allan,
Claro que saí do partido por várias outras questões. Apesar de ter votado em Dilma e Lula, creio que essa política esgarçada de alianças nos coloca perigosamente entre bandidos e corruptos. Um exemplo é a falta de força do PT até para impedir que pessoas abjetas como Feliciano (aquele deputado evangélico) presidam a Comissão de Direitos Humanos (!!) da Câmara, mesmo sendo homofóbico e uma toupeira. Também tiraram o Olívio Dutra (!!) do Ministério das Cidades, para dar uma vaguinha à turma do MALUF. Apenas dois exemplos. No Embu tem a ‘Máfia do Asfalto’ que o prefeito deixou entrar no dinheiro da prefeitura, com contratos de mais de 30 milhões. Tenta manter esse contrato maldito a todo custo, quase desesperadamente! No governo dele, muita inépcia e incompetência, numa aliança com 18 partidos, descaracterizando completamente o que poderíamos chamar de um governo popular. E por aí vai… Creio que terei de escrever uma segunda parte do artigo. Na verdade, este acima deveria ter se chamado: “Porque decidi me FILIAR no PT”, isto há muito, muito tempo, quando ainda éramos jovens e acreditávamos na Revolução…
Com a amizade – sempre – do Márcio, Emiko e agregados.
Márcio Amêndola
Caro Márcio, parabéns pela sua decisão. também passei por isso quando me desfiliei do PT em 2005 após 17 anos de militância. Precisamos ser coerentes e fieis aos nossos princípios e não a siglas. Forte abraço!
Eu Anivaldo estou aqui na cidade de Embu desde de 1988 e desde de então conheço a Emiko – Militante do pt.. professora, Mãe, dona de Casa. Márcio Amendola Jornalista do Jornal FATO EXPRESSO um grande companhiro de esquerda e militante do pt…. Presenciei nestes anos todos muita dedicação e sinceridade desta Familia. Quanto a suas dedicações Dia e Noites acreditando uma transformação Política e Social na nossa Cidade. E o que se aproveita de melhor neste 12 anos do governo do pt, aqui em Embu. Têm a ideia, têm o esforço que não fosse um governo da ORDEM e sim um gorverno de princípios. É Emiko e Márcio Fez e Faz todos acreditamos mundo mais Justo. desculpe a emoção e os erros na escrita. por importante e com diz o poeta Bertold Brecht Eu vim para a cidade no tempo da desordem,
Quando a fome reinava.
Eu vim para o convívio dos homens no tempo da revolta
E me revoltei ao lado deles.
Assim se passou o tempo
Que me foi dado viver sobre a terra.
Eu comi o meu pão no meio das batalhas,
Deitei-me entre os assassinos para dormir,
Fiz amor sem muita atenção
E não tive paciência com a natureza.
Assim se passou o tempo
Que me foi dado viver sobre a terra.
Vocês, que vão emergir das ondas
Em que nós perecemos, pensem,
Quando falarem das nossas fraquezas,
Nos tempos sombrios
De que vocês tiveram a sorte de escapar.
Nós existíamos através da luta de classes,
Mudando mais seguidamente de países que de sapatos, desesperados!
Quando só havia injustiça e não havia revolta.
Nós sabemos:
O ódio contra a baixeza
Também endurece os rostos!
A cólera contra a injustiça
Faz a voz ficar rouca!
Infelizmente, nós,
Que queríamos preparar o caminho para a amizade,
Não pudemos ser, nós mesmos, bons amigos.
Mas vocês, quando chegar o tempo
Em que o homem seja amigo do homem,
Pensem em nós
Com um pouco de compreensão.
Luta = Sempre .