Comentarista da Rádio Brasil Atual lamenta a morte do coronel Paulo Malhães um mês depois de reconhecer parte dos crimes cometidos na ditadura e pede que comandantes encorajem depoimentos
São Paulo – O coronel do Exército Paulo Malhães, cujo corpo foi encontrado na manhã da última sexta-feira (25) na chácara em que vivia há 30 anos, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, pertencia ao grupo dos dez mais importantes torturadores da ditadura, segundo afirmou o analista e ex-ministro de Direitos Humanos Paulo Vannuchi nesta segunda-feira (28) à Rádio Brasil Atual. Em seu comentário, ele destaca que os principais comandantes do aparelho de repressão só agora, 50 anos depois de seus crimes, começam a ser revelados por força do trabalho que se faz na área de resgate da verdade nos últimos anos no país.
Vannuchi faz um chamado às Forças Armadas para trazer a verdade à tona. “Quando ministro, convivi com os três atuais comandantes da Marinha, Exército, Aeronáutica. Tive uma impressão positiva deles. Me pareceram pessoas com um perfil profissional, de respeito às leis. As Forças Armadas não podem prosseguir nesse mutismo: acontece um episódio como esse e elas ficam em silêncio. É mais do que hora de virem a público, em nota oficial, declarar o esforço para que todos os torturadores, como Malhães, se apresentem, contem tudo o que sabem, tudo o que fizeram para que este relatório de dezembro próximo possa preparar o Brasil para novas políticas com investigação e apuração rigorosa.”
Para que o Brasil não passe por essa experiência nunca mais, Vannuchi diz esperar que haja mudanças no ensino militar e no ensino da polícia para que os membros das Forças Armadas nunca mais voltem a praticar esse tipo de crime hediondo imprescritível.
Malhães foi encontrado morto ao final de um assalto em que três pessoas permaneceram dentro da residência dele durante oito horas. “Nenhum criminoso se arrasta e demora tanto. Ele quer sempre ser o mais rápido possível.” Malhães foi morto um mês depois de ser o primeiro torturador chefe a reconhecer parte dos crimes à Comissão Nacional da Verdade, quando foi interpelado por vários dos integrantes da comissão e, principalmente, pelo ex-ministro da Justiça José Carlos Dias.
Vannuchi lembra que Malhães foi o primeiro torturador a quebrar o pacto de silêncio firmado quando começou a ser articulado o terrível sistema DOI-Codi. “Logo após sua morte, um delegado tentou enviesar o assunto declarando à impressa que a primeira hipótese era de latrocínio. Me desculpe, doutor delegado, a primeira hipótese é queima de arquivo. Escapar disso é esconder os próprios olhos ou confessar que tem compromisso em acobertar a busca da verdade. É o primeiro torturador chefe que faz um depoimento extenso.”
Em junho do ano passado Malhães já havia revelado em entrevista parte do que confessou. Para Vannuchi, é claro: “Se é queima de arquivo, é para que nenhum outro torturador volte a falar e a confessar perante as comissões da verdade que se espalharam pelo Brasil.”
O presidente da Comissão Nacional da Verdade, Pedro Dallari, ao comentar o assassinato, alertou para vários casos de torturadores que estariam alegando doenças e internações hospitalares para se recusar a depor, como fez o conhecido general Newton Cruz, que já reconheceu envolvimento com o atentado do Riocentro, em 1981.
“Quem tiver estômago para ver trechos do depoimento de Malhães vai vê-lo reconhecendo o assassinato de Rubens Paiva, a sua participação em um esforço de fazer desaparecer as ossadas jogando-as no mar. Ele relata como cortar dedos ou como extrair a arcada dentária dos resistentes que eram assassinados no porão do DOI-Codi do Centro de Informações do Exército para evitar sua identificação. Eles eram jogados no rio, como ele diz”, lamenta Vannuchi.
O comentarista lembra que Malhães conta ter montado a casa da morte de Petrópolis. Reportagem de O Globo, de um ano atrás, já havia colhido seus depoimentos dizendo que ali se presume que pelo menos 22 pessoas foram executadas. “Malhães admite que torturou e defende que a tortura é válida. Ele assume que passou pela Casa da Morte, em Petrópolis, o Carlos Alberto Soares de Freitas, o Breno, pessoa amiga da juventude da militância de Dilma Rousseff. Ele fala inclusive de outra companheira de militância de Dilma, Inês Etienne Romeu, que é a única sobrevivente da Casa da Morte e até fala ter sido um erro mantê-la seis meses naquela casa. Diz que o alto comando do governo sabia de tudo, e que o presidente Médici o chamava pedindo informações”, conta Vannuchi.
Em 10 de dezembro a Comissão Nacional da Verdade vai anunciar o seu relatório final com relatos como filmes, fotos, transcrições de fitas e milhares de documentos.
por Redação da RBA